Acórdão nº 45/16.9PEEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução12 de Março de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o nº 45/16.9PEEVR, do Juízo Central Cível e Criminal de Évora (Juiz 2), mediante pertinente acórdão, o tribunal decidiu nos seguintes termos (no que ora releva): “Com base na fundamentação exposta e no âmbito do quadro legal traçado, acordam as juízas que constituem este tribunal coletivo em julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o despacho de pronúncia e consequentemente decidem: 1. Absolver os arguidos IC, JS, AV, SF, NC, CR e LMS, da prática - como autores materiais, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, e 24º, alínea j), do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

  1. Condenar o arguido IC pela prática de um crime de detenção de arma ilegal, p. e p. pelos artigos 3º, nº 2, alínea l), 4º e 86, nº 1, alínea c), todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 5, no valor de € 1.000,00.

  2. Condenar o arguido GV pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de sete (7) anos de prisão.

  3. Condenar o arguido RC pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos de prisão.

  4. Condenar o arguido LC pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão.

  5. Condenar o arguido LS pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos de prisão.

  6. Condenar o arguido AP pela prática - como autor material, sob a forma consumada -, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (6) anos de prisão.

  7. Determinar o perdimento a favor do Estado dos objetos acima referidos.

  8. Condenar os arguidos IC, GV, LC, RC, LS e AP, no pagamento das custas do processo”.

    * Inconformados com o acórdão condenatório, dele interpuseram recursos os arguidos GV, LS, AP, LC e RC.

    Os arguidos RC e AV interpuseram ainda dois recursos relativos a dois despachos interlocutórios (recursos cuja subida foi determinada com os recursos do acórdão condenatório): um datado de 18-04-2018 (que se pronunciou sobre interceções telefónicas) e outro proferido em 09-10-2018 (que decidiu diversas nulidades/irregularidades invocadas pelos referidos dois arguidos).

    Os arguidos, nos respetivos recursos, apresentaram as seguintes (transcritas) conclusões:

    1. Recursos dos despachos interlocutórios (arguidos RC e AV).

    I - Recurso do despacho de 18-04-2018.

    “1. Vieram os arguidos ora Recorrentes RC e AV, em sede de Contestação, em suma invocar as seguintes nulidades: - A nulidade do despacho de fls. 25 a 27 o primeiro que autorizou as interceções telefónicas, bem como os demais constantes de fls. 88, 292, 478, 728, 1028 e 1407, por violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade. - A nulidade das interceções telefónicas efetuadas no período entre 09/11/2016 a 17/12/2016, no que diz respeito ao arguido RC, por ausência de despacho de validação. – A nulidade das interceções telefónicas efetuadas nos períodos de 09/11/2016 a 15/11/2016, 16/11/2016 a 26/11/2016 e 07/12/2016 a 17/12/2016 no que tange aos demais arguidos, por ausência de despacho de validação.

  9. O Ministério Público, no exercício do seu direito ao contraditório, veio invocar que estão verificados os pressupostos subjacentes ao n.º1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, na medida em que a autorização teve como fundamento factos concretos apurados nos autos que indiciavam a prática de factos ilícitos pelos arguidos e que justificavam a necessidade desse meio de prova, verificando-se ainda a exigida proporcionalidade.

    Ouvidos os demais arguidos, veio o Arguido JM subscrever as nulidades invocadas.

  10. Os Arguidos Recorrentes RC e AV, não se conformam de modo algum, nem se poderiam conformar com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a Quo.

  11. De facto, quanto às interceções telefónicas efetuadas no período compreendido entre 9/11/2016 a 15/11/2016, entendem os ora Recorrentes que não foi proferido qualquer despacho que tenha validado as mesmas; 5. Quanto às interceções telefónicas efetuadas no período entre 16 a 26 de novembro de 2016, foi proferido Despacho a fls. 252, porém este Despacho não validou as referidas interceções telefónicas. Na verdade, este Despacho nada diz quanto à validação ou não de tais interceções telefónicas.

  12. Relativamente às interceções telefónicas efetuadas no período 27 de novembro de 2016 a 6 de dezembro de 2016 foi proferido Despacho a fls. 292, porém este Despacho não validou as referidas interceções telefónicas. Na verdade, este Despacho também, nada diz quanto à validação ou não de tais interceções telefónicas.

  13. Relativamente às interceções telefónicas efetuadas no período 7 de Dezembro de 2016 a 17 de dezembro de 2016 foi proferido Despacho a fls. 374, porém este Despacho não validou as referidas interceções telefónicas. Na verdade, este Despacho nada diz quanto à validação ou não de tais interceções telefónicas.

  14. Efetivamente, e agora em matéria de Direito, enquanto meio excecional de obtenção de prova em processo penal (excecionalidade essa reconhecida pelo nº 3 do artigo 126º do CPP), a interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser efetuadas nos quadros estreitos dos procedimentos fixados pelos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal.

  15. Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e de controlo judicial e o “sistema de catálogo”, em consonância com o disposto nos nº 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa. Enquanto o artigo 187.º do Código de Processo Penal consagra a admissibilidade da interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas para valerem como meio de prova, o artigo 188.º do mesmo diploma legal estabelece as formalidades a que estão sujeitos os atos de interceção e gravação.

  16. Daí que se considere que os requisitos das escutas telefónicas assumem uma natureza material ou substancial no artigo 187º do CPP, e uma natureza formal ou procedimental no artigo 188º do CPP.

  17. A natureza material advém da exigência legal que este meio de obtenção de prova só pode ser utilizado em determinadas situações, melhor, quando existam indícios da prática de certos tipos de crime (crimes do catálogo) e terá de ser sempre autorizada por despacho de um juiz; são, portanto, as condições de admissibilidade das escutas telefónicas.

  18. Concomitantemente a estas condições de admissibilidade das escutas telefónicas, o legislador ordinário estabeleceu determinados formalismos inerentes à realização das mesmas, a forma como se processarão as escutas, com o fim de efetivar o papel do Juiz no controlo e fiscalização deste meio de obtenção de prova, por si previamente autorizado, os requisitos formais. As escutas telefónicas restringem, primordialmente, o direito fundamental de inviolabilidade nas telecomunicações, o qual tem a sua consagração constitucional no citado artigo 34º, nº 4, da CRP. Com efeito, e conforme se alude no Acórdão do TC nº 407/97 (DR, II série, nº 164, 18/7/97, p. 8604), a existência, no Código de Processo Penal, de um regime sobre «escutas telefónicas» deve-se a uma autorização expressa da Constituição.

  19. Tal regime só existe porque a Constituição expressamente autoriza a sua existência: é o que decorre do nº 1 do artigo 34º, dos nºs 1 e 2 do artigo 18º, e do nº 4 do artigo 34º da CRP. Sendo o direito ao sigilo dos meios de comunicação privada (dito inviolável pelo nº 1 do artigo 34º) um direito fundamental diretamente aplicável (artigo 18º, nº 1), a sua restrição terá que ser autorizada pela própria Constituição (artigo 18º nº 2); a previsão, por lei ordinária, de um regime que permita às autoridades públicas a interceção e gravação de conversações telefónicas sem o consentimento dos intervenientes é, evidentemente, uma restrição; tal restrição legal só existe porque a Constituição, no nº 4 do artigo 34º, expressamente a autoriza. Por outro lado, o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República dispõe ainda que: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

  20. De forma a consagrar as referidas disposições normativas constitucionais, no direito ordinário adjetivo, o legislador estabelece, no seu artigo 126º do CPP, os métodos proibidos de prova.

  21. Verificamos, assim, que ao nível da inviolabilidade das telecomunicações estabelece-se uma ressalva, ou seja, serão válidas as provas obtidas mediante a violação do referido direito fundamental, nos casos previstos na lei penal adjetiva ou desde que haja consentimento do seu titular. Este regime jurídico, diferente dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, deve-se ao facto de que, aqui, os direitos fundamentais em questão não se prendem diretamente com a dignidade da pessoa humana, trata-se de direitos disponíveis, e portanto, restringíveis.

  22. Independentemente da aludida diferença, certo é que a não observância dos pressupostos materiais de realização de uma interceção telefónica gera uma proibição de prova, por violação dos artigos 32º, nº 8 da CRP e 126º, nº 3 do CPP, uma vez que 9/27 8 tais pressupostos são aqueles de que a lei faz...

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