Acórdão nº 1873/18.6T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelPAULA MARIA ROBERTO
Data da Resolução15 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recurso n.º 1873/18.6T8VIS.C1 Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A arguida M. – ..., SA, com sede em ..., veio impugnar a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima de €36.000,00 e a sanção acessória de publicidade pela prática de três contraordenações p. e p. pelos artigos 129.º, n.º 1, b, e n.º 2, 554.º, n.º 4, alínea e) e 561.º, todos do C.T.

Recebido o recurso, procedeu-se a audiência de julgamento.

De seguida, foi proferida a sentença de fls. 398 e segs. que julgou “o presente recurso improcedente por não provado, mantendo-se integralmente a decisão proferida pela autoridade administrativa, incluindo a coima, sanção acessória de publicidade e custas em que a arguida M..., S.A foi condenada.” A arguida, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: ...

O Ministério Público contra alegou nos seguintes termos: ...

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações, assistente nos autos, também veio apresentar resposta, concluindo que: ... O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 456, acompanhando integralmente a posição do Ministério Público vertida na resposta ao recurso.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Saneamento A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

III – Questões a decidir A arguida suscita as seguintes questões: 1ª – Nulidade da decisão administrativa por não ter procedido ao cúmulo jurídico de todas as coimas aplicadas à arguida.

  1. – Se não se encontra preenchido o elemento subjetivo do tipo legal imputado à arguida. 3ª – Se a coima aplicada à arguida é desproporcionada.

  2. – Se devia ter sido aplicada a dispensa da sanção acessória de publicidade da condenação.

    IV – Fundamentação

    1. Matéria de facto provada: ...

    2. - Discussão 1ª questão Nulidade da decisão administrativa por não ter procedido ao cúmulo jurídico de todas as coimas aplicadas a arguida.

      Alega a recorrente que a autoridade administrativa teria de verificar a existência de outros processos em todo o território nacional, com vista à aplicação de uma coima única, o que não sucedeu e, assim, a decisão administrativa é nula.

      A este propósito consta da decisão recorrida o seguinte: “Refere a arguida que a ACT deveria ter averiguado da existência de outros processos de contra-ordenação nas várias delegações da ACT que deveriam ser cumulados e ter uma decisão única a nível nacional, sem contudo identificar qualquer processo.

      Conforme é referido na decisão administrativa aquela Unidade Local de Viseu da ACT apenas dispõe do RNI da arguida, do qual constam as infracções praticadas, as datas em que foram cometidas, as coimas e as sanções acessórias aplicadas, e bem assim as datas das decisões condenatórias, sendo um registo de processos que não se encontram pendentes em tramitação, mas já concluídos.

      Ora, do Registo Nacional de Infractora da arguida junto aos autos constam várias condenações por ela sofridas, as quais são definitivas, pois caso contrário, não se mostrariam inseridas no RNI da arguida.

      Desconhece-se, pois a existência de quaisquer outros processos pendentes contra a arguida, que esta não identifica.

      Assim, há que apurar se deveria ter sido efectuado cúmulo jurídico de coimas em tal decisão administrativa para além do cúmulo efectuado com as coimas aplicadas a cada um dos processos a que dizem respeito os presentes autos.

      Ora, a Lei nº 107/2009, de 14/09, aplicável aos presentes autos não regula expressamente a questão do concurso de contra-ordenações laborais, pelo que haverá que recorrer ao direito subsidiário aplicável previsto no artº 60º de tal Lei, ou seja ao regime geral das contra-ordenações.

      O Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas (doravante RGCC) encontra-se previsto no DL nº 433/82, de 27/10, com a redacção introduzida pela Lei 109/2001, de 24/12.

      As regras do concurso de contra-ordenações, encontram-se previstas no artº 19º do aludido RGCC, o qual estabelece que: “1- Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.

      2- A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.

      3- A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações." No que concerne à competência estabelece o artº 36º, nº 1 do RGCC que "Em caso de concurso de contra-ordenações, será competente a autoridade a quem, segundo os preceitos anteriores, incumba processar qualquer das contra-ordenações." Por sua vez o artº 37º, 1 do mesmo diploma legal dispõe que "Se das disposições anteriores, resultar a competência cumulativa de várias autoridades, o conflito é resolvido a favor da autoridade que por ordem de prioridades:

    3. Tiver primeiro ouvido o arguido pela prática da contra-ordenação; b) Tiver primeiro requerido a sua audição pelas autoridades policiais; c) Tiver primeiro recebido das autoridades policiais os autos de que conste a audição do arguido".

      Ainda por remissão do artº 32º do citado RGCO, aplicar-se-á ao concurso de contra-ordenações, o art. 77º do C.Penal, o qual estabelece que: "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente." No que concerne ao conhecimento superveniente do concurso, estipula o art. 78º, 1 do C.Penal: "Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida, descontada no cumprimento da pena única aplicável ao concurso." Contudo, entendemos que em sede contra-ordenacional, o art. 78º do C.Penal não tem aplicação, uma vez que prevendo o RGCC o regime do concurso de contra-ordenações, tal regime não prevê o concurso superveniente.

      Na verdade, no que concerne ao cúmulo jurídico das coimas a sua possibilidade legal mostra-se prevista no RGCC, no seu artigo 19º, prevendo a aplicação de uma coima única em caso da prática de várias contra-ordenações, à semelhança do regime previsto no artº 77º do Cód. Penal para o caso de concurso de crimes.

      No entanto, no regime contra-ordenacional não se mostra previsto a possibilidade de realização de cúmulo jurídico de coimas em caso de conhecimento superveniente de concurso, como ocorre no regime penal, em que tal possibilidade se encontra prevista no artº 78º do Cód. Penal.

      Assim, e uma vez que as regras do concurso de contra-ordenações se encontram expressamente previstas no RGCC, não existindo qualquer omissão legal, não poderá recorrer-se a título subsidiário ao regime previsto no Código Penal, fazendo uso do disposto no artº 32º do RGCO.

      Efectivamente a aplicação do Código Penal, a título subsidiário, nos termos previstos no aludido artº 32º, só ocorrerá quando no RGCC houver uma omissão. Para haver omissão é necessário que determinado instituto não esteja previsto e não que, estando previsto, não o seja de modo igual ao que se estabelece no Código Penal (cfr. neste sentido António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas. 2ª ed. 1996, pág. 70).

      No caso em apreço o instituto de concurso de contra-ordenações encontra-se expressamente previsto no aludido RGCC, embora não prevendo a possibilidade de ser efectuado o cúmulo jurídico das coimas, em caso de conhecimento superveniente do concurso, pelo que não há que recorrer subsidiariamente ao regime previsto no Cód. Penal, por não estarmos perante uma omissão.

      Com efeito, como também refere Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações", p. 90, "O conhecimento superveniente do concurso de contra-ordenações rege-se por uma regra distinta da vigente no C.P., por força de disposição expressa do RGCO. A aplicação do artigo 78º do C.P. no âmbito do processo contra-ordenacional implicaria a reabertura do processo em qualquer momento ulterior para reapreciação do facto como contra-ordenação, o que a lei veda expressamente nos artigos 54º, nº 2 e 79º, nº 1 do RGCO (...) Portanto, há concurso entre contra-ordenações que ocorram antes da definitividade da decisão administrativa de qualquer uma delas, mas não há concurso entre contra-ordenações que sejam conhecidas depois da definitividade de uma delas." No mesmo sentido - inaplicabilidade do art. 78º do C.Penal no âmbito das contra-ordenações, vide António Beça Pereira, "Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas", 2ª edição, 1996, p. 70, Ac. RP de 09/05/1990, Proc. 310176, citado por Simas Santos e Lopes de Sousa, "Contra-Ordenações - Anotações ao Regime Geral" - 2ª edição - 2002 - Dezembro, Vislis Editores, p. 182, e Ac. do STJ de 12/04/1989, in www.dgsi.pt, nº de Documento SJ98904120397133.

      Assim, concluindo-se que não há lugar a cúmulo jurídico no caso de concurso superveniente de contra-ordenações, não há que ponderar e apreciar a realização do cúmulo jurídico entre a coima aplicada nos presentes autos e as coimas aplicadas por decisões que já se tornaram definitivas.

      E, também relativamente...

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