Acórdão nº 1087/14.4T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO I – Com o actual C.P.C. tornou-se mais evidente que a Relação se deve assumir como um verdadeiro tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, tendo o poder, que é vinculado, de introduzir na decisão as modificações que se justificarem, seja nas situações em que o possa fazer oficiosamente, seja decidindo a impugnação do recorrente.

II – A sentença que homologa uma transacção não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. Assim, a execução que tenha por título executivo uma transacção homologada por sentença é, ainda, uma execução de sentença, o que especialmente releva para os fundamentos da oposição.

III - São pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade contratual: a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação contratual; a ilicitude, que se traduz na inexecução da referida prestação; a culpa, que se presume ser do devedor, nos termos do art.º 799.º do C.C.; o dano, que na perspectiva do direito civil se poderá considerar toda a lesão que é causada no interesse juridicamente tutelado; e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, já que, como dispõe o art.º 563.º do C.C., a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

IV – A perda do interesse do credor na prestação, sendo, embora, aferida em função da utilidade concreta que ela teria para si, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos susceptíveis de valoração pelo comum das pessoas.

V – A cláusula penal em sentido amplo poderá ser definida como a estipulação em que qualquer das partes, ou uma delas apenas, se obriga antecipadamente, perante a outra, a efectuar certa prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento ou de não cumprimento perfeito (maxime, em tempo), de determinada obrigação, normalmente a fim de proceder à liquidação do dano ou de compelir o devedor ao cumprimento.

VI – Na cláusula penal indemnizatória o acordo das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso. Já na cláusula penal compulsória o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.

VII – Tendo ficado estabelecido que “na hipótese de incumprimento de qualquer das cláusulas da transacção, esta ficará sem efeito, para além de parte remissa ter de pagar à outra a importância de … a título de cláusula penal”, é de concluir que esta tem um escopo puramente coercitivo, pelo que o seu valor acresce ao valor da indemnização pelo incumprimento.

** ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- A. M. e esposa Maria, instauraram execução para prestação de facto contra o Estado Português e a sociedade comercial “X – Construtora, S.A.” , com vista a obter destes o cumprimento da transacção que celebraram na Acção Especial de Restituição de Posse n.º 105/95, mais concretamente das cláusulas com o seguinte teor: “4º O Estado Português vincula-se a repor o tubo de 2” devidamente funcional no tanque e estábulo referidos na cláusula 2ª que antecede e, por ele, fornecer 2” de água aos AA, permanentemente, ou seja, enquanto na barragem houver água.”.

“6º Esse tubo de 2” sairá da parte de baixo do tubo de saída da água da barragem para rega e sempre de forma a que os AA. sejam dos últimos ou os últimos a ficar sem água no caso de haver escassez da mesma.”.

Alegam os Exequente que, não obstante as interpelações feitas, os Executados não cumpriram a prestação a que se obrigaram, mantendo-se eles, Exequentes, privados da água a que têm direito, o que lhes causa prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, que, até à data da instauração da execução, liquidam pela quantia de PTE: 5.585.000$00, cujo ressarcimento igualmente peticionam.

Recebido o requerimento executivo, foi proferido despacho a fls. 17 dos autos, indeferindo-o liminarmente quanto ao pedido de indemnização.

Desse despacho agravaram os Exequentes, vindo a ser decidido pelo Tribunal da Relação do Porto que o recurso subiria a final.

Os Executados deduziram Embargos que foram julgados improcedentes, por decisões do Tribunal da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça, que já transitaram em julgado.

Entretanto, não tendo os mesmos Executados cumprido a prestação e uma vez que os Embargos não tinham efeito suspensivo, por despacho de fls. 96, foi decidida a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação a realizar por outrem.

Realizada a perícia e junto aos autos o relatório respectivo (cfr. fls. 101 e sgs.) sucederam-se diversos requerimentos discutindo-se a possibilidade de cumprimento da prestação por outrem que não os Executados.

Em 19/01/2009, pelo requerimento de fls. 220 e sgs., os Exequentes vieram requerer a conversão da execução de prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, alegando que perderam definitivamente o interesse que tinham na realização da prestação.

Fundamentam alegando que decorridos 13 anos sobre o prazo acordado para a prestação do facto continuam sem água. Não possuem dinheiro nem outros meios para executar a obra por si, além de que os Executados têm praticado actos que impossibilitam a prestação, como permitir que outros retirem água da albufeira pondo em causa a sustentabilidade da obra. Mais voltam a alertar para a circunstância de a barragem não ter qualquer manutenção, estar sujeita à intervenção de qualquer pessoa que queira fazer uso da água, rebentando as condutas e o talude. E, alegam ainda, mesmo que obtivessem a água seria em condições diferentes em qualidade, quantidade e prioridade, sendo que a duração da barragem, por causa daquelas intervenções, é muito menor, pelo que o tempo que ainda poderiam usufruir da água é também menor. Por tudo isto, e porque já perfizeram 72 anos de idade, não têm mais interesse na realização da prestação devida.

No mesmo requerimento deduzem incidente de liquidação das indemnizações compensatória e moratória.

Notificados deste requerimento, ambos os Executados contestaram.

O Estado Português contestou (cfr. 239 e sgs. dos autos) impugnando os factos invocados pelos Exequentes, no essencial, contradizendo os valores apresentados por estes, pugnando, a final, pela improcedência do pedido de indemnização moratória e pela desadequação do pedido de indemnização compensatória.

A executada “X – Construtora, S.A.” contestou (cfr. fls. 246 e sgs.) afirmando que a única indemnização compensatória a que os Exequentes têm direito é a estabelecida na transacção a título de cláusula penal, e recusam que estes tenham sofrido quaisquer prejuízos. Mais defendem que, tendo os Exequentes optado pela prestação de facto por outrem não podem vir pedir agora a indemnização por danos, opondo-se, por isso, à conversão. Impugnam os valores indicados pelos Exequentes.

Estes responderam mantendo as suas posições (cfr. fls. 267 sgs.).

Posteriormente, por requerimento entrado a 29/4/2009, (fls. 277 e sgs.) o Estado Português veio dizer que o pedido de conversão da execução é inoportuno e extemporâneo já que as obrigações foram entretanto cumpridas, com a realização das obras pela DRAPN até finais de Dezembro de 2008. Mais alega que em finais de Janeiro de 2009 foi tentada a ligação da nova conduta mas esta foi recusada pelos Exequentes sem qualquer motivo, e em 6/04/2009 expediram um ofício a solicitar a sua presença na Junta de Freguesia para que se procedesse à ligação e fosse assinado o auto de entrega, mas os Exequentes persistiram na sua recusa. Termina pedindo a realização de vistoria para verificar o cumprimento do acordado.

Os Exequentes responderam impugnando o alegado.

Apreciando o que fora até aí requerido, foi proferido despacho decidindo-se que a prestação apenas poderia ser prestada pelo Estado e não por terceiro (cfr. fls. 309), mais se decidindo que o supramencionado requerimento do executado Estado Português era extemporâneo.

Interposto recurso desta decisão, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 14/04/2011 (cfr. fls. 588 e sgs. – III vol.), transitado em julgado, decidiu: 1 – revogar o despacho liminar que não admitiu o pedido da indemnização moratória; 2 – determinar o prosseguimento dos autos para produção de prova dos fundamentos invocados para a conversão da execução; 3 - confirmar a extemporaneidade do requerimento apresentado pelo executado Estado Português.

Os autos prosseguiram, então, os seus termos, e, após a realização de uma perícia, sugerida pelas Partes, com vista à determinação do valor da água, frustradas as expectativas de obtenção de um consenso, procedeu-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando procedente a requerida conversão da execução de prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, fixou: a) em € 15.000 (quinze mil euros) a indemnização moratória; e b) em € 840.476,79 (oitocentos e quarenta mil, quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos) a indemnização compensatória.

Inconformados, recorreram os Executados, pugnando a executada “X” pela revogação da decisão supra transcrita e a sua absolvição dos pedidos indemnizatórios, mais pugnando para que o valor da água seja reduzido para € 11.440,00 ou, se assim não se entender, que se reduza para os € 23.460,00.

O Estado Português pugna pela revogação da referida decisão.

Contra-alegaram os Exequentes propugnando pela improcedência de ambos os recursos.

Estes foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.

Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.

**II.- A Apelante/Executada “X” formulou as seguintes conclusões:

  1. EM MATÉRIA DE FACTO A. Devem ser introduzidas as seguintes alterações na matéria de facto provada: I.

    Deve...

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