Acórdão nº 648/15.9T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Ana Cristina Duarte (R. n.º 727) Adjuntos: Fernando Fernandes Freitas Alexandra Rolim Mendes ***Sumário: 1 - O artigo 1305.º do Código Civil coloca ao lado dos poderes de que goza o proprietário, as restrições ou limites impostas por lei.

2 – Tais restrições podem ser de direito público, como a expropriação por utilidade pública, ou de direito privado, como as que derivam de relações de vizinhança, que têm em vista regular conflitos de interesses que surgem entre vizinhos.

*** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. C. intentou ação declarativa contra “Casa R. – II, Lda”, “Casa R. – Transportes, Lda.”, A. G. e F. M. pedindo que os réus, como proprietários e/ou possuidores/detentores e/ou responsáveis dos prédios contíguos ao do autor, das obras e/ou dos bens e equipamentos aí existentes, sejam solidariamente condenados a:

  1. Reconhecer o direito de propriedade do autor sobre os prédios identificados nos artigos 1, 2 e 3 da petição; B) Abster-se da prática de actos e omissões que de alguma forma contendam com esse direito de propriedade do autor e que o prejudiquem ou possam prejudicar o seu uso ou gozo; C) Procederem, a seu custo, a uma vistoria rigorosa e à realização de obras que retifiquem e resolvam a falta de salubridade e eliminem o perigo existente de desmoronamento do muro e das construções que já se encontravam edificadas no prédio do autor, provocadas pelo excesso de água nos prédios deste provindas dos prédios dos réus e originadas pelas obras de captação e entubamento de águas bravas realizadas há cerca de 10 anos por estes no seu prédio e que estorvam e continuam a estorvar o natural escoamento destas águas; D) Efetuarem o corte constante ou o arrancamento das sebes que foram plantadas pelos réus na estrema norte do seu prédio, por forma a repor as vistas, salubridade e radiação solar dos prédios do autor; E) Abster-se de actos e omissões que provoquem ruído, trepidações, gases, pó, lama, entre outros, que constituam ou possam constituir violação das (boas) relações de vizinhança e que ponham ou possam por em causa os direitos de personalidade do autor, mormente à integridade física e moral, ao sono, ao sossego, à saúde, ao ambiente e à sua qualidade de vida; F) Nesse sentido, devem os réus retirar, recolocar ou redirecionar os potentes focos colocados nos seus prédios mas que estão direcionados para a habitação do autor, por forma a evitar ofuscação dos que aí se encontrem; G) Também nesse sentido, devem inibir-se, na medida do possível, de porem, à noite e de madrugada, os motores a trabalhar das máquinas e camiões para além do estritamente necessário nas horas de descanso e de sono, pelo menos, das 22 h às 6 h; H) Ainda nesse sentido, desmantelar ou, pelo menos, proteger cabalmente o depósito de inertes existente no prédio dos réus sito do outro lado da estrada em frente à casa do autor, por forma a que este e os seus prédios não sejam constantemente assolados com pedras, pó, areia, gases, trepidações, ruídos, entre outros; I) A pagar ao autor por todos estes danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por este durante estes cerca de mais de 10 anos que levaram à perda de sono, da tranquilidade, do sossego e do descanso, associado à irritabilidade e perda de saúde e de qualidade de vida, em montante que deverá e requererá o seu apuramento aquando o términus desta situação, em liquidação de sentença.

Contestaram os réus, excecionando a ilegitimidade do 4.º réu e por impugnação.

Em despacho saneador, fixou-se o valor da causa e julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:

  1. Declarou que o autor é proprietário do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados; b) Condenou o 3.º réu, A. G., a proteger o depósito de inertes existente no prédio referido no ponto 8 dos factos provados, por forma a que o prédio referido no ponto 1 dos factos provados não seja assolado com pedras, pó ou areia por forma a evitar o entupimento das valetas existentes nas margens da via pública situada entre esses dois prédios; c) Condenou o 3.º réu a pagar ao autor, pelos danos referidos nos pontos 39 a 46 dos factos provados, montante a apurar em liquidação de sentença; d) Absolveu o 3.º réu dos restantes pedidos contra si formulados; e) Absolveu os 1.º, 2.º e 4.º réus dos pedidos formulados pelo autor.

    O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I- É sabido que os Advogados lêem as sentenças como lêem o Correio X, ou seja, primeiro a última página e, depois e eventualmente, as restantes.

    II- Se não houvesse, pois, a tentação de espreitar, nua e crua, a douta decisão na(s) última(s) página(s), e se fosse lendo, atentamente, as primeiras 98 páginas do douto aresto, poder-se-ia cair no erro de pensar que as decisões seriam outras ou, se quisermos, poderiam ter sido outras, maxime quando lemos e analisamos os factos dados como provados.

    III- Na verdade, há uma série de factos dados como provados que sustentariam ou poderiam sustentar outras decisões, com toda a certeza mais consentâneas com a realidade e verdade material e, por isso, mais justas.

    IV- Só que dessas premissas o silogismo lógico do Tribunal deu noutras conclusões, numa clara divergência entre os factos dados como provados e as doutas decisões proferidas.

    V- Para além de uma estranha e desajustada prevalência dos direitos de propriedade (dos RR.) sobre os direitos de personalidade (e de propriedade) do A..

    VI- É certo que a douta sentença reconheceu o pedido formulado na alínea A) que o Autor é proprietários dos prédios identificados nos factos provados 1 e 2 - decisão A).

    VII- De resto, condenou apenas o 3° R. a proteger o depósito de inertes existente no prédio 8 para que apenas o prédio 1 do A. não seja assolado apenas com pedras, pó e areia e evitar o entupimento das valetas existentes naquele local (decisão B); VIII- e condenou apenas o 3° R. a pagar ao A. montante a apurar em liquidação de sentença pelos danos referidos apenas nos pontos 39 a 46, factos estes que nem situa temporalmente, como deveria e poderia.

    IX- Esta anáfora com a palavra "apenas" é demonstrativa que a douta sentença ficou aquém das expetativas que os factos provados criaram na medida em que, por exemplo, em relação à decisão B) os factos provados (23 a 32 e, 39, 40, 42, 44 e 45) teriam que levar que se protegesse não só o prédio 1, como aconteceu, mas também o prédio 2; X- E ambos os prédios ficassem protegidos não do 3° R. mas também dos restantes RR., sendo que, no que a esta matéria concerne, para além das múltiplas referências à "Casa R.", como resulta das transcrições da douta sentença que se fizeram supra, quando as testemunhas falaram em A. G., queriam e referiram-se a este na dupla qualidade de pessoa individual e como representante legal das sociedades comerciais RR..

    XI- E a douta decisão não devia falar só de pedras, pó e areia, mas também de lamas e águas que provocam inundações e tudo aquilo que é referido nos factos provados 26 a 32 inclusive, acima referidos, causando poças, lagos de água, marcas de humidade nas construções e no pavimento que ficam negras de humidade, com bolor e verdete, encharcamento de terras agrícolas referidas em 5 dos factos provados, dificultando ou impossibilitando as sementeiras e plantações novas ou já existentes.

    XII- E estes factos provados (26 a 32 inclusive) deviam ter reflexo, depois, no montante a liquidar em execução de sentença e não apenas os factos de 39 a 46, como também, sem qualquer sombra de dúvida, os factos provados 21, 22, 24, 25, 33, 34, que estão ligados a ensombramento, diminuição de radiação solar, águas e geada que provocam escorregadelas e derrapagens de veículos e pessoas que pela rampa do prédio do A. circulam.

    XIII- No que refere ao pedido B), que consistia num pedido genérico para precaver qualquer falha nos outros pedidos, requeria-se que os RR. se absterem da prática de atos e omissões que de alguma forma contendessem com esses direitos de propriedade (e personalidade) do Autor e que prejudicassem ou pudessem prejudicar o seu uso ou gozo, o Tribunal ignorou-o de todo, menosprezando o inferno que os vizinhos RR. fazem do A ..

    XIV- Quanto ao pedido C) pedia-se, entre outras coisas, a realização de obras que retificassem e resolvessem: 1- a falta de salubridade dos prédios do A. o que foi comprovado pelos factos 21 a 32 e 39 a 45; 2- o perigo existente de desmoronamento do muro e das construções edificadas no prédio do A., a que alude o facto provado 45; 3- o excesso de águas provindas dos prédios e/ou de ações/omissões dos RR. que estorvam e continuam a estorvar o natural escoamento das águas, que se comprovou com os factos provados 26, 32, 40, 44 e 45, entre outros.

    XV- Não obstante tal matéria estar provada, os RR. foram absolvidos dos respetivos pedidos.

    XVI- No que tange ao pedido D) para efetuar o corte constante da sebes ou o seu arrancamento para repor as vistas, salubridade e radiação solar da parte dos prédios do A. junto a essa estrema, há, desde logo, um facto provado (17) que diz: " Que, de ano para ano, se ergueram e erguem a mais de um metro acima do muro referido em 15.", redação esta que é, com o devido respeito, equivoca.

    XVII- O que se percebe, e com a devida desculpa se não é esse o sentido, é que as sebes em causa crescem por ano cerca de um metro o que tem alguma lógica na medida em que, nesta altura, ultrapassam os 5 metros! XVIII- Se assim for, como parece que será, dado estarmos na presença de uma sebe viva, de crescimento rápido e de folha permanente, impunha-se e impõe-se que de quando em vez se faça o seu corte, até para se evitar os efeitos constantes em 21, 22, 24 e 25, assim como aqueloutros referidos em 27, 29 e 31 dos factos provados, por forma a repor as vistas, salubridade e radiação solar dos prédios do Autor.

    XIX- Acontece que o Tribunal não...

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