Acórdão nº 610/16.4JAAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução13 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso do acórdão do tribunal colectivo do Juízo Central Criminal de ...

(Juiz 1), da comarca de ..., que o condenou pela prática de dezasseis crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, agravados pelo preceituado no artigo 177.º, n.º1, a), do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão por cada deles e, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

Foi ainda condenado na pena de inibição do poder paternal relativamente ao seu filho menor BB até que este perfaça a maioridade, ao abrigo do disposto no artigo 69.º-C, n.º3, do Código Penal, e ao pagamento, a favor deste, na quantia de 16.000,00€ (dezasseis mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados da data da decisão até efectivo e integral pagamento.

  1. Apresenta motivação de recurso, de que extrai as seguintes conclusões: “1. Considerando a matéria de facto dada como provada e o direito aplicável, a pena concreta de 6 (seis) anos de prisão aplicada a cada um dos ilícitos revela-se desajustada e excessiva, bem como se revela muito elevada a pena única de 12 (doze) anos de prisão do concurso de infrações.

  2. No que concerne ao quantum da pena aplicada ao arguido pelo Tribunal a quo, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto nos artigos 71.º e 77.º do C.P.

  3. No acórdão recorrido o Tribunal considerou, para determinar a medida da pena, que o grau de ilicitude dos factos se afigurava “muito elevado”, com indicação de circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime, em concreto o facto do ato sexual de relevo ter consistido em coito anal e coito oral (artigo 171.º, nº 2 do C.P) e ainda o facto de o ato sexual de relevo ser praticado com menor de 14 anos (artigo 171.º, nº1 do C.P), violando, desta forma, o princípio da proibição da dupla valoração.

  4. Não considerou o Tribunal a quo, para determinação da medida da pena, a circunstância de não ter resultado da conduta do arguido qualquer dano físico no menor, conforme relatório de natureza sexual constante de fls. 162 a 164.

  5. Não consta do acórdão recorrido qualquer facto ou circunstância que revele que o arguido tenha feito uso de uma brutalidade excessiva na prática dos atos ilícitos, ou que sofra de qualquer desvio ou tendência mórbida para a prática desses ilícitos.

  6. O tribunal a quo não teve na devida consideração, na ponderação da medida da pena, as circunstâncias que são favoráveis ao arguido, nomeadamente o facto de este, à data dos factos, não ter qualquer antecedente criminal, o facto de ser uma pessoa perfeitamente inserida na sociedade e respeitada no meio pequeno onde vive, o que o torna mais sensível à pena que lhe for aplicada.

  7. Para além das circunstâncias indicadas na 6ª conclusão, importa ainda referir que resulta do resumo dos depoimentos da ex mulher do arguido, que esta “nunca presenciou qualquer comportamento estranho do arguido para com os filhos”, a sua ex sogra também afirmou que o arguido “era um bom pai” e todas as testemunhas de defesa se referiram ao arguido como sendo uma pessoa trabalhadora e respeitadora.

  8. Em face das conclusões acima expostas, o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa, que não deverá ultrapassar os 5 anos de prisão, nos termos do artigo 71.º do C.P.

  9. Ao aplicar uma pena de 6 anos de prisão ao arguido por cada ilícito praticado, o Tribunal a quo violou o artigo 71.º, nºs 1 e 2 do C.P.

  10. Na determinação da medida da pena única, o acórdão recorrido remeteu para a “factualidade anteriormente descrita” aquando da determinação das penas parcelares e, na nossa modesta opinião, aplicou uma pena única excessiva e desproporcional no cúmulo jurídico, não tendo em consideração os critérios especiais previstos no artigo 77.º, nº1 do C.P: os factos e a personalidade do agente.

  11. No caso concreto, é importante ter em consideração que as penas parcelares têm na sua base factos do mesmo contexto, numa curta unidade temporal (dois meses) e todos com uma estreita relação, uma vez que o facto ilícito, a vítima e o modo de execução é o mesmo em cada infração.

  12. Dos factos dados como provados não podemos concluir que os factos praticados revelam uma tendência criminosa, surgem antes, a nosso ver, como uma consequência nefasta de uma particular conjuntura na vida do recorrente, em concreto o divórcio e a saída da sua ex mulher de casa, uma situação excecional, e não resulta de um traço de personalidade.

  13. A personalidade do agente e o seu trajeto de vida conforme os padrões comunitários pré-estabelecidos, levam-nos a concluir que o ilícito global praticado não revela, no caso concreto, uma inclinação criminosa, mas antes uma pluriocasionalidade.

  14. O contexto específico em que os ilícitos ocorreram, dentro de casa, numa situação excecional, deixam-nos a certeza de que o arguido, cumprida a pena, não mais praticará qualquer ilícito.

  15. Estas circunstâncias indicadas deveriam ter sido consideradas e sopesadas pelo Tribunal a quo, no momento da determinação da pena única, em termos axiológicos e de compreensão humana, o que permitiria por si só a aplicação de uma pena única mais moderada, tendo em atenção os factos e a personalidade do recorrido.

  16. Consideramos, salvo melhor opinião, que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 77.º, nº1 do C.P, sendo a nosso ver excessiva e demasiado severa, a aplicação de uma pena única de 12 (doze) anos de prisão, atenta a factualidade considerada, devendo o Tribunal aplicar ao arguido uma pena única não superior a 7 (sete) anos de prisão, respeitando as regras para determinação do concurso no caso concreto.

    Termos em que, Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o arguido numa pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão por cada um dos crimes e numa pena única não superior a 7 (sete) anos de prisão.” 3.

    Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, pelo Senhor Procurador-Adjunto no tribunal recorrido, a defender a improcedência do recurso, dizendo (transcrição parcial): “1- O tribunal a quo violou o princípio da dupla valoração na determinação da medida concreta das penas aplicadas ao arguido? Tais penas, parcelares e única, são desproporcionadas e excessivas? (…) Ora, se o princípio da proibição da dupla valoração impede que se tenham em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime, já nada obsta “a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso.” Assim sendo, não será indiferente, para estes efeitos, que o arguido, em obediência a uma única resolução criminosa, numa mesma ocasião e lugar (e, por conseguinte, estando em causa apenas um crime de abuso sexual de crianças), tenha mantido relações sexuais de coito anal com a vítima, durante um minuto, ou durante uma hora; que o tenha feito provocando dores na vítima, ou não; que tenha submetido a vítima apenas a coito anal, ou também, e para além disso, a coito oral e à introdução anal de diversos objectos.

    No caso concreto, tal como se descreve nos pontos 10 a 14 da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, o arguido no que toca ao crime cometido no dia 8/11/16, primeiro manteve relações de sexo anal com o menor e, depois, quando aquele lhe pede para parar porque tal lhe causava dores, disse ao seu filho para chupar o seu pénis, introduzindo-lhe o mesmo na boca, acto este que causou profunda repulsa no menor que reagiu dizendo que “não o queria na sua boca”, ao que o arguido lhe disse que “ou metia a pila na boca ou no cú”, o que fez com que o menor permitisse ao arguido, seu pai, que lhe voltasse, mais uma vez, a introduzir o pénis no ânus – cfr. pontos 13 e 14.

    Esta forma especialmente gravosa no modo de execução deste crime de abuso sexual de crianças pode e deve ser valorada na fixação da medida concreta da pena (eventualmente exigiria até um agravamento da medida deste concreto crime de abuso sexual de crianças agravado relativamente aos restantes pelos quais o arguido foi condenado), pois que diz respeito à intensidade do preenchimento deste elemento típico e aos seus efeitos (nomeadamente nas sequelas psicológicas deixadas no menor).

    E o mesmo se diga relativamente à concreta idade do menor de 14 anos, pois que diferente será, para estes efeitos, que o agente cometa esse crime na pessoa de um menor com 13 anos de idade, ou num com apenas alguns meses de idade, ou, nomeadamente, como é o caso, com um menor de 11 anos de idade (idade ainda longe do limite dos 14 anos a partir do qual a lei pune mais brandamente este tipo de condutas – art. 172, nº1 do Código Penal). Assim sendo, ao considerar tais circunstâncias na fixação da medida concreta da pena, o tribunal a quo não violou, na nossa perspectiva, a proibição do princípio da dupla valoração, consagrado no art. 71º, nº2 do Código Penal.

    Refere de seguida o arguido, nas conclusões do seu recurso, que o Tribunal também não teve em devida conta a circunstância dos actos por si praticados não terem provocado lesões físicas no menor; de o arguido não ter usado de brutalidade excessiva na prática dos mesmos; de ser primário e de estar inserido social e profissionalmente.

    Contudo, basta atentar na fundamentação de direito do acórdão recorrido, supra transcrita, para se verificar que o tribunal a quo sopesou a favor do arguido a circunstância daquele não possuir antecedentes criminais, as suas condições sociais e profissionais e o facto de ser respeitado na comunidade em que se insere.

    ...

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