Acórdão nº 848/18.0BESNT-S2 de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA (Relator por vencimento)
Data da Resolução07 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO …………………………………………, S.A., entidade demandada nos autos de contencioso pré-contratual à margem identificados, em que é A. a ………………………., S.A., requereu o levantamento do efeito suspensivo automático conferido à impugnação do ato de adjudicação, nos termos do art. 103º-A do CPTA.

Após a discussão do incidente, o Tribunal Administrativo de Círculo decidiu levantar o efeito suspensivo automático.

* Inconformada, a ……………………………., S.A. interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

  1. Na visão da ora Recorrente, o Tribunal a quo não aplica corretamente o Direito.

  2. Há pelo menos uma matéria, levada à apreciação do Tribunal, que não foi corretamente resolvida e que diz respeito ao primeiro e mais importante de todos os requisitos do levantamento do efeito suspensivo: a excecionalidade da situação invocada pelo Requerente do levantamento.

  3. O levantamento não pode ser a solução regra a adotar apenas porque a necessidade pública fica temporariamente por satisfazer.

  4. Pelo contrário, a razão de ser do contencioso pré-contratual, nacional e comunitária, é prevenir as lesões do direito comunitário da contratação pública numa fase em que as violações ainda podem ser corrigidas.

  5. Pelo que, a menos que se verifiquem as “razões imperiosas de interesse geral” a que se refere o no artigo 2.º-D da Diretiva 89/665/CEE, na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2007/66/CE, o efeito suspensivo deve manter-se.

  6. É essa também a solução prevista no n.º2 do artigo 103.º-A do CPTA quando estabelece, precisamente, como pressuposto do levantamento, não ainda a ponderação de interesses, mas antes e precedentemente a existência de um grave prejuízo para o interesse público, isto é, de um prejuízo qualificado.

  7. Só os casos verdadeiramente excecionais justificam que perante a suspeita de violação de normas que disciplinam a contratação pública se afaste o efeito que ope legis se determinou ab initio.

  8. Por conseguinte, só há lugar à ponderação “dos interesses públicos e privados em presença” a que aludem o n.os 4 do artigo 103.º-A e n.º 2 do artigo 120.º do CPTA se, num momento prévio à ponderação, o Tribunal concluir que a situação invocada pela entidade demandada para afastar o efeito suspensivo se apresenta como uma situação excecional, dado que, para as situações regra, isto é, aquelas em que o interesse público é sempre afetado porque a mera suspensão impede a satisfação da necessidade aquisitiva, já a lei determinou o efeito suspensivo automático.

  9. De um tal modo que se não ficar demonstrada a especial gravidade que a suspensão acarreta para o interesse público deve o pedido ser liminarmente indeferido, sem haver lugar a qualquer ponderação dos demais interesses em presença.

  10. Até porque, é importante frisá-lo, o bem jurídico que em primeira linha se pretende defender e preservar com a introdução do efeito suspensivo automático não é o interesse dos particulares impugnantes, mas antes o interesse público, geral e abstrato, de prevenir adjudicações proferidas em violação da lei K) Pelo que, pode mesmo afirmar-se, a inconstitucionalidade dos artigos 103.º-A n.º2 e n.º4 e 120.º n.º2 do CPTA se interpretados no sentido de que ao julgador apenas se exige um exercício de ponderação de interesses e não também um prévio juízo de verificação da excecionalidade da situação invocada como pressuposto próprio e autónomo (e prévio à) da ponderação, por violação do direito constitucional a uma tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268.º n.º 4 da CRP.

  11. Ora, a Decisão recorrida apenas se ateve com o juízo de ponderação dos interesses em presença.

  12. Dado que, depois de (muito) assertivamente discorrer sobre o regime jurídico subjacente à existência de um efeito suspensivo automático por efeito da instauração da ação, a Meritíssima Juiz a quo, dá um salto quântico, à revelia do regime jurídico que acabara de descrever, para a ponderação dos interesses em presença, ignorando a necessidade de previamente, em juízo autónomo, com pressupostos próprios e muito diversos dos pressupostos comparativos do juízo de ponderação, dar por verificado o requisito da excecionalidade da situação, isto é, do grave prejuízo que para o interesse público representaria a suspensão.

  13. Mal andou, nessa parte, a douta Decisão recorrida.

  14. Tanto mais que se tivesse julgado essa questão, teria certamente concluído pela falta da verificação do requisito pois que os prejuízos que a suspensão acarreta para o interesse público, mesmo que possam ser superiores no âmbito da ponderação dos interesses em presença aos interesses privados, não são graves, não são excecionais e, por isso, não justificam o levantamento do efeito suspensivo.

  15. Até porque podem ser salvaguardados através do recurso ao ajuste direto previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º ou mesmo da alínea c) do n.º 1.º do artigo 24.º do CCP.

  16. Sendo certo que ao não realizar aquele julgamento prévio, mas necessário, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 103.º-A n.º2 e n.º4 e 120.º n.º2 do CPTA e 268.º n.º4 da CRP e no artigo 2.º-D da Diretiva 89/665/CEE, na redação que lhe foi dada pela Diretiva 2007/66/CE.

* A ………………………………………, S.A. contra-alegou, afirmando o oposto, sem conclui formalmente.

* Após impossibilidades de aceder a todos os ficheiros do processo e após buscas no caderno processual do SITAF mal-organizado, como vem acontecendo desde os TACs, e cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

* Do efeito do recurso: O artigo 143º-1 do CPTA dispõe: “Salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida”.

E o artigo 143º-2 dispõe: “Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:

  1. Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias; b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes; c) Decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121.º ” Há quem entenda que o presente recurso cabe no artigo 143º-2-b). E não no nº 1.

Discordamos, em cumprimento do artigo 9º do CC.

Ora, o atual Direito objetivo [Direito, ordenamento jurídico vigente, “law”], seja público, seja privado, seja processual, seja substantivo, assenta em textos oriundos de uma autoridade numa dada comunidade humana. Isto corresponde à essencial natureza institucional do Direito. Este vive através de comandos, que podem ou não ser deduzidos da ordem jurídica pela “ciência” jurídica em sentido amplo [onde incluímos a “opinio iuris” ou “jurisprudência no sentido clássico romano” e a “jurisprudência dos tribunais”.

Mas ali estão sempre em causa enunciados ou textos jurídicos. Estes enunciados comunicativos – mais ou menos abstratos, mais ou menos gerais, mais ou menos vagos, mais ou menos fechados, ligados ou não à ordem moral, mais ou menos virados a um fim ou a uma conduta - exigem sempre do intérprete-aplicador a atribuição racional de um significado ou conteúdo [a norma ou regra jurídica], o qual será ou permissivo, ou proibitivo, ou impositivo.

Isso faz-se através do método jurídico, tendo hoje por referência (i) a separação de poderes e (ii) a hierarquia formal das fontes de direito objetivo; tudo muito diferente de Roma e dos tempos de Savigny, quando não havia Estado constitucional democrático.

Hoje, o essencial é, sempre, o caráter normativo dos artigos 1º a 11º do nosso CC(1), coadjuvados por princípios jurídicos fundamentais e máximas metódicas decorrentes dos atuais artigos 1º, 2º, 13º, 18º-2-3 e 112º da CRP, de modo a não se sair da moldura significante dada pelo legislador democrático, mas onde o elemento teleológico-objetivo da interpretação jurídica(2) [interpretação expositiva da “opinio iuris”; e interpretação prescritiva dos tribunais] não se sobrepõe - por razões assentes num realismo e positivismo metodológicos essenciais inegáveis, na divisão dos poderes do Estado democrático e na cientificidade e objetividade possível do ordenamento jurídico - ao elemento lógico-sistemático(3) e ao elemento linguístico-gramatical da interpretação. Estamos, assim, hoje, no artigo 9º do nosso CC, com um nem sempre assumido positivismo jurídico-metodológico [coisa diferente do positivismo em geral].

Por isso, não basta ao tribunal administrativo de um Estado democrático como o nosso (1) aplicar objetiva e efetivamente as máximas decorrentes das normas resultantes dos artigos 9º, 10º e 335º do CC [onde avultam a letra dos preceitos jurídicos e a unidade do sistema jurídico encimado pela Constituição], sendo ainda necessário (2) atender à metodologia interpretativa imposta pelos enunciados linguísticos da lei fundamental, de onde resulta a atendibilidade do elemento interpretativo sistemático intraconstitucional, do elemento interpretativo da identidade da Constituição, do elemento interpretativo teleológico-objetivo adequante à Constituição e do elemento de interpretação da máxima efetividade possível dos preceitos constitucionais de direitos fundamentais(4). Mas, logicamente, sem confundirmos uma interpretação orientada pela Constituição, ou pelo direito objetivo europeu, com uma inconstitucional interpretação corretiva ou à luz de comandos extrajurídicos.(5) A Metodologia Jurídica, em sentido próprio, como instrumento da tecnologia jurídica, objetivo e rigoroso, ou “científico”, corresponde às diretrizes (i) para a correta apreensão ou conhecimento objetivo do material jurídico [é a essência dos positivismo de Kelsen: v., simplesmente, os prefácios de Kelsen às duas edições alemães da “Teoria Pura do Direito”, na 8ª edição da tradução portuguesa, Almedina, 2019] e (ii) para a aplicação prática do direito objetivo [cf. parcialmente assim José Lamego, Elementos…, 2016, pp. 7-10 e 237 ss; e Miguel Nogueira de...

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