Acórdão nº 3698/09.0TBVFX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução29 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.

Na 2ª Secção Cível da Instância Central de …, Comarca de Lisboa, AA intentou ação declarativa, sob forma de processo comum, contra BB - Obras públicas e privadas, Lda. e CC, pedindo a anulação da procuração outorgada pela A. e pelo seu marido no Segundo Cartório Notarial de … declarando-se a nulidade da transmissão do prédio para o R. CC e o cancelamento do registo ou, em alternativa, deve proceder a impugnação pauliana, anulando-se de igual modo a referida transmissão.

Para o efeito, alega que emitiu, conjuntamente com o seu marido, uma procuração irrevogável a favor da R. BB, mas apenas com a intenção de permitir ao sócio gerente da mesma, o Sr. DD, obter um empréstimo bancário, a fim de lhes pagar o remanescente do preço de um prédio que prometeu comprar-lhes e assim celebrarem a escritura de compra e venda.

No entanto, veio mais tarde a verificar que o prédio se encontrava registado em nome do R. CC, e que a transferência de propriedade foi feita com base no substabelecimento feito pela R. BB no R. CC, o qual foi precedido de um contrato promessa de compra e venda do prédio, celebrado entre os RR..

Ao outorgar a procuração que está na base da transmissão do prédio para o R. CC, a A. e o seu marido atuaram em erro, sendo tal negócio jurídico anulável, nos termos do art. 247° do CC.

Para além do mais, o Sr. DD, na qualidade de representante legal da R. BB, agiu de forma dolosa, determinando dessa forma a vontade da A. e do seu marido, motivo pelo qual a procuração deve ser anulada, nos termos dos arts. 253° e 254° do CC.

O que terá como consequência a declaração de nulidade da transmissão do prédio entre os RR. BB e CC, com o consequente cancelamento do registo, voltando o prédio ora em crise a integrar o património da A. e do seu marido.

Mas ainda que assim se não entenda, a verdade é que a R. BB devia à A. e ao seu marido € 337.306,06, correspondente ao remanescente do preço do prédio, acordado no contrato promessa, dívida essa que é anterior à transmissão do prédio pela R. BB ao R. CC. Sem a anulação da venda do prédio, a A. e o seu marido não terão outra possibilidade de obter a satisfação do seu crédito, pois o gerente da R. BB desapareceu e esta não possui outros bens que possam responder pela dívida.

Os RR. agiram de má fé, pois basta olhar para o preço de venda do prédio acordado entre a R. BB e o R. CC no contrato promessa, para se concluir que se tratou de um negócio simulado, na medida em que o prédio vale muito mais do que o preço pelo qual foi vendido.

Estão, assim, reunidos todos os requisitos para que proceda a impugnação pauliana, o que em alternativa requer.

O R. CC contestou, invocando a exceção dilatória da sua ilegitimidade e a exceção dilatória da ilegitimidade da A., em virtude de não se mostrarem acompanhados pelos respetivos cônjuges nesta demanda.

Mais invocou a exceção dilatória da incompetência territorial do tribunal, e contestou ainda por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Alega para tanto que desconhecia os termos do contrato promessa celebrado pela A. e pelo seu marido com a R. BB, sustentando que na sua boa - fé pretendeu simplesmente adquirir o prédio.

Alega, por fim, que quanto ao contrato promessa por si assinado, investido dos poderes que lhe foram atribuídos pelo dito substabelecimento, celebrou o contrato promessa consigo mesmo, mas nunca chegou a celebrar o contrato definitivo, pelo que não pode afirmar-se que a propriedade do prédio se transferiu para a sua esfera jurídica.

Entretanto, foi conhecida nos autos a declaração de insolvência da R. BB, tendo sido junta aos mesmos certidão da respetiva sentença, com nota de trânsito em julgado (fls. 72 e segs.).

Nesta sequência foi declarada extinta a instância, quanto à R. BB, por impossibilidade superveniente da lide, determinando-se que os autos prosseguissem quanto ao R, CC fls. 85).

Esta sentença foi notificada às partes, dela não tendo sido interposto recurso.

A A. respondeu à contestação, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pelo R. CC e pedindo a sua condenação como litigante de má - fé, no pagamento de multa e indemnização, com fundamento em que o R. CC sabia quem era o verdadeiro dono do prédio, bem como os valores em causa na transação.

O R. CC respondeu ao pedido da A. de condenação como litigante de má - fé, pugnando pela sua improcedência.

Foi proferido despacho de convite à A. para suprir as exceções dilatórias da ilegitimidade ativa e passiva, requerendo a intervenção principal do seu cônjuge e do cônjuge do R. CC, respetivamente EE e FF, o que a A. fez, tendo sido ordenada a citação dos cônjuges referidos.

Nesta sequência, FF veio declarar fazer seus os articulados já apresentados nos autos pelo R. CC, e EE nada veio declarar.

De seguida foi declarada a incompetência territorial do Tribunal da Comarca de … e ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Comarca do ….

Proferiu-se depois despacho saneador e procedeu-se à fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.

Produziu-se prova pericial, destinada a apurar o valor de mercado do prédio em discussão nos autos, nos anos de 2000 e 2009.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido.

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação daquela sentença.

Foi, então, proferido o acórdão da Relação de fls.448 e segs., que julgou procedente o recurso e, por consequência, revogou a decisão recorrida, julgando procedente o pedido de cancelamento do registo da aquisição do identificado imóvel a favor do réu CC.

Inconformados, os réus interpuseram recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos: l. Os AA. tiveram problemas de ordem financeira.

  1. Por tal facto, decidiram colocar à venda o prédio misto denominado GG, com a área de 19.028,8 m2, descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de …, sob a ficha n.° 5…/19…8, e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 11, da secção B, da freguesia de ….

  2. Foi assim que conheceram o Sr. DD, o qual contatou o A. através de um amigo deste, o Sr. HH, manifestando interesse na aquisição do prédio.

  3. Nessa sequência, e com o objetivo de apurar o valor do referido prédio, que os AA. pretendiam vender pelo preço de 110.000.000$00 (cento e dez milhões de escudos), o Sr. DD dirigiu-se com o A. ao Departamento de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de …, a fim de se informar das possibilidades de construção, tendo sido requerida tal informação.

  4. Na sequência da informação posteriormente recebida, o Sr. DD acordou com o A. a compra do prédio pelo preço de 107.500.000$00 (cento e sete milhões e quinhentos mil escudos).

  5. Todas estas negociações foram acompanhadas pelo já referido Sr. HH.

  6. Nessa sequência, com início em 2000 e até meados de 2001, o Sr. DD entregou por três vezes ao A., respetivamente, as importâncias de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), 3.000.000$00 (três milhões de escudos) e 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).

  7. O A. comunicou ao Sr. DD, desde o início, que a propriedade estava onerada com uma hipoteca e que não tinha outro meio que não fosse a venda para cumprir com essa obrigação.

  8. O Sr. DD entretanto criara fortes laços de amizade com o A..

  9. O Sr. DD, no segundo semestre de 2003, abordou o A., dizendo-lhe que a sua situação financeira se estava a agravar.

  10. Assim, iria pedir um crédito bancário e celebrariam já a escritura de compra e venda do prédio prometido.

  11. Passado algum tempo, o Sr. DD informou o A. que o crédito havia sido recusado.

  12. Mas que lhe haviam dito particularmente que seria tudo mais fácil se o prédio fosse já propriedade da BB.

  13. Foi mandado fazer um projeto de construção no Gabinete do Técnico Projetista II.

  14. O A. prontificou-se para emitir, juntamente com a A., uma procuração no interesse do procurador, designada de irrevogável, na medida em que o Sr. DD os havia informado que dessa forma conseguiria o empréstimo e poderiam celebrar, logo em seguida, a escritura de compra e venda, pagando ele a importância em falta para completar o preço acordado.

  15. Foi nessa sequência que, no dia 23 de setembro de 2003, os AA. compareceram no Segundo Cartório Notarial de …, juntamente com o Sr. DD, e emitiram a seu favor a procuração (fls. 19 a 21).

  16. Foi sempre na certeza de que a procuração em causa seria utilizada para obter um empréstimo que permitisse pagar o montante em falta aos AA., celebrando a escritura de compra e venda, que estes se prestaram a emitir a referida procuração.

  17. Apesar de denotar algumas dificuldades, entre o dia 30 de junho de 2005 e o dia 21 de julho de 2007, o Sr. DD procedeu ao pagamento das dívidas dos AA. relacionadas com o prédio, despendendo para o efeito o montante de € 144.044,17 (cento e quarenta e quatro mil, quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos).

  18. Os AA. não tiveram mais notícias do Sr. DD.

  19. Sendo certo que o A. tentou diversas vezes contatá-lo, sem sucesso.

  20. Tendo inclusive perguntado ao filho se o pai estava de boa saúde, manifestando preocupação por este nunca mais ter aparecido nem nada ter dito.

  21. Ao que este lhe respondeu que nada sabia do pai, porque este havia desaparecido.

  22. A aquisição do prédio aludido em 2., por compra, foi inscrita em nome do R. CC, no dia 1 de junho de 2009, pela Ap. 742 (fls. 26 a 28).

  23. A inscrição aludida em 23. foi efetuada com base no substabelecimento feito pela R. BB, no R. CC, dos poderes que lhe foram conferidos através da procuração que os AA. assinaram no Cartório Notarial de … (fls. 23 a 25 e 29 a 31).

  24. O substabelecimento foi precedido de um acordo escrito denominado "contrato promessa de compra e venda", assinado pelo Sr. DD, na qualidadede gerente da R. BB, estando esta na qualidade de procuradora dos AA., e pelo R...

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