Acórdão nº 948/14.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA intentou contra BB – Sucursal em Portugal ação com processo comum, pedindo a condenação desta a: - restituir-lhe € 50.000,00 relativos a títulos que desde 9.2.2009 se encontravam depositados à ordem da ré; - restituir-lhe € 2.799,24 a título de saldo devedor na conta bancária do autor; - pagar-lhe a quantia de € 6.000,00 a título de juros que deixou de auferir; - pagar-lhe € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Alegou, em síntese nossa, que em Outubro de 2010, sendo cliente da ré, um formulário de boletim de subscrição de obrigações em branco, por si assinado mas que só deveria ser considerado quando a sua conta estivesse provisionada com € 200.000,00, foi, sem que esse circunstancialismo estivesse verificado, feito seguir com vista a essa subscrição, com o consequente débito da respetiva importância na sua conta, que por isso ficou com saldo negativo; mais tarde, e sem o consentimento do autor, a ré, para obter o valor em dívida, vendeu essas obrigações por valor inferior ao da subscrição, bem como vendeu, também abaixo do seu valor nominal, outros títulos detidos pelo autor, no valor de € 50.000,00, antes de atingido o prazo da subscrição, que era até 20.3.2014; para pôr termo ao descoberto bancário o autor pagou ainda € 2.799,24; este total de € 52.799,24, revertendo para a ré, integra um enriquecimento sem causa; o autor deixou também de receber, devido à venda antecipada acima referida, juros no montante de € 6.000,00; devido à situação irregular em que incorreu, sujeito a penalizações eventualmente aplicáveis pelo Banco de Portugal, o autor teve grande sofrimento e receio pelas consequências que daí poderiam advir para a sua atividade comercial, a compensar com uma indemnização de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

A ré contestou, sustentando a da improcedência da ação.

Alegou, em síntese, que o ato de subscrição foi regularmente constituído, o respetivo boletim foi integralmente preenchido e o autor, apesar do seu perfil de investidor, conhecia as suas caraterísticas e deu ordem para a sua realização a descoberto, anunciando que provisionaria a conta, o que não fez, não aceitando também as soluções alternativas propostas pela ré.

Para regularizar o descoberto bancário procedeu à venda de títulos do autor, a coberto da cláusula 5.4 da Secção A do contrato de abertura de conta.

Foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré a: - pagar ao autor a quantia de € 42.004,50, com juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, às taxas civis sucessivamente em vigor; - pagar ao autor a quantia de € 2.799,24, com juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, às taxas civis sucessivamente em vigor; - pagar ao autor a quantia de € 10.000,00, atualizada à data da sentença, a título de danos não patrimoniais.

Inconformada, a ré apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que, dando procedência parcial ao recurso, decidiu: - anular a sentença, exceto na parte em que condenou a ré a pagar € 10.000,00 por danos não patrimoniais e na parte em que a absolveu do pedido de pagamento da quantia de € 6.000,00 a título de juros que o autor deixou de auferir; - julgar a ação improcedente relativamente aos pedidos de restituição de € 50.000,00 relativos a títulos depositados desde 2.2.2009 e de € 2.799,24 a título de saldo devedor na conta bancária do autor; - revogar a sentença na parte em que condenou a ré a pagar € 10.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais, indemnização que ficou reduzida a € 5.000,00.

O autor interpôs o presente recurso de revista, apresentando alegações onde pede a revogação deste acórdão e a reposição do decidido na 1ª instância, tendo formulado, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever: A - O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu parcial provimento ao recurso da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de … e consequentemente: "I – Anulam a sentença recorrida excepto na parte em que condenou a R. a pagar € 10.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais e na parte em que a absolveu do pedido de pagamento da quantia de €6.000 a título de juros que o autor deixou de auferir; - Julgam a ação improcedente por não provada relativamente aos pedidos de restituição de 50.000,00€ relativos a títulos que desde 02-02-2009 se encontravam depositados à ordem da Ré e de 2.799,24€ a título de saldo devedor da na conta bancária do autor; - Revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a R. a pagar €10.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais, a qual nesta parte substituem pelo presente acórdão que condena a Ré a pagar ao Autor indemnização no valor de e 5.000,00 (cinco mil euros)." B - Não pode o ora Recorrente concordar com a decisão proferida e com as conclusões aí explanadas, por entender que o Acórdão in crise, não faz a correta interpretação e aplicação da cominação prevista no nº 3 do art. 5º do C.P.C, e em consequência declara a nulidade parcial da sentença, por considerar que o pedido de indemnização por danos não patrimoniais se encontra devidamente fundamentado, diretamente como responsabilidade civil.

C - Dispõe o art. 608º nº 2 do CPC, que na sentença o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e em face do articulado na P.I. foram colocadas duas questões às quais havia que dar resposta sendo a 1ª a verificação dos pressupostos de facto e de direito da condenação do R no pagamento das quantias supra mencionadas, a título de enriquecimento sem causa e a 2ª a licitude da atuação do Réu, ao proceder nos termos do quadro contratual.

D - Na realidade o A., ora recorrente estriba todo o seu pedido no enriquecimento sem causa e na atuação ilícita e abusiva do R., ora recorrido, enquanto entidade financeira com a qual mantinha um contrato, conforme decorre de todo o articulado na p.i.

E - Porque estas eram as questões levadas pelo A. à apreciação do Tribunal, constam as mesmas da ata da audiência prévia, conforme supra alegado.

F - Assim, ao decidir a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de …, a condenação da R. com base na responsabilidade por facto ilícitos, fê-lo porque efetivamente o A., ora recorrente, para além do enriquecimento sem causa, instituto que reveste natureza subsidiária, alegou e provou os factos, a ilicitude da atuação do R., a culpa, o dano e o nexo causal existente entre os factos ilícitos ocorridos entre 2010 e 2013 e os prejuízos efetivamente causados, que consubstanciam a responsabilidade por factos ilícitos.

G - Ora destes factos foi o recorrido citado, tendo apresentado a sua defesa, contrapondo com a licitude e legitimidade das suas atuações, não tendo invocado a prescrição nem para os factos ilícitos alegados, nem tão pouco para os danos não patrimoniais, o que certamente seria alegado se tivesse ocorrido tal exceção.

H - Aliás o próprio acórdão ora recorrido faz o seguinte reparo "... Porém esta nulidade é parcial, pois no que toca ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, o mesmo vem expressamente sustentado no art. 496º do Código Civil, ou seja, diretamente como responsabilidade civil, relativamente ao qual, de resto, a Ré não invocou a prescrição, podendo tê-lo feito.” (Sublinhado nosso).

I - Não resulta da ação que não tenha sido salvaguardado o direito de defesa do recorrido, uma vez que confrontado com os factos, a eles respondeu optando por não invocar qualquer exceção, não fazendo, por isso sentido a argumentação do então recorrente, sufragada pelo Venerando Tribunal da Relação, que invoca a possibilidade do R. opor a exceção de prescrição, caso tivesse sido pedida a indemnização por responsabilidade civil. Mas na realidade quanto aos danos não patrimoniais foi pedida e então porque não invocar a prescrição para estes? J - Porque a opção de defesa do recorrido não passou por essa estratégia, certamente porque, como supra mencionado, não se verificava qualquer exceção.

K - Ora com base nos factos que lhe foram apresentados, e porque esse era o seu dever como titular da justiça, a Meritíssima Juíza do Juízo Central Cível de …, fez a subsunção dos mesmos ao Direito a eles aplicável, fazendo-o ao abrigo do disposto no art. 5º, nº 3 e do C.P.C, que determina ser ao Juiz que cabe a integração, interpretação e aplicação das normas legais em concreto e atendendo à subsidiariedade do enriquecimento sem causa.

L - Efetivamente, as questões que o Juiz tem que resolver, não se devem confundir com os argumentos e razões que as partes invoquem na defesa das suas posições, porquanto, e ao contrário do que sucede com os factos, o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à integração, interpretação e aplicação das regras de direito.

"Trata-se do princípio iura novit cúria, segundo o qual, o Juiz é livre na escolha do Direito que considera aplicável, sem quaisquer limitações impostas pelas partes, quer na indagação - isto é, na escolha da norma jurídica que tem por adequada -, quer na interpretação - ou seja na determinação, do seu conteúdo e alcance -, quer na aplicação, declarando os efeitos e consequências que entende legítimas, mesmo que, em qualquer dos casos, divirja da posição assumida por uma ou por ambas as partes.” - Melo Castro, Andreia, O Dever de Fundamentação das Decisões Judiciais, disponível in IUS NET (consultado a 21.04.2017}".

M - É vasta a jurisprudência proferida por esse Venerando Tribunal sobre o poder-dever que compete ao Juiz na aplicação, interpretação e integração da lei à factualidade trazida pelas partes, determinando e fixando em definitivo a não sujeição do Juiz às regras de Direito alegadas pelas partes, nomeadamente os dois Assentos Uniformizadores de Jurisprudência, que ora se avocam, Assento nº 4/95, publicado...

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