Acórdão nº 123/04.7PATNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCALVÁRIO ANTUNES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO Legislação Nacional: ARTIGOS 40º,47º ,70º 71º E 192º.,Nº1 AL.D) DO CP, 483ºE 496º DO CC Sumário: 1 A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, também se não poderá bastar com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção.

  1. A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.

  2. O recorrente ao impugnar a decisão da matéria de facto deve indicar os segmentos da decisão sobre a matéria de facto que pretende impugnar e, ao mesmo tempo, indicar em relação a cada um daqueles segmentos quais as provas que suportam a sua discordância em relação à sentença.

  3. O recorrente tem o direito de obter do tribunal de recurso um exame crítico da matéria probatória face às provas que, na sua opinião, impunham decisão diversa.

  4. Não satisfazendo minimamente, o recorrente, o ónus de especificação a que se refere o nº 3 do artº 412° do C.P.P., o recurso deve ser rejeitado, por manifestamente improcedente, quanto à matéria de facto, nos termos do art. 417º nº 3 al. c), 419º nº 4 al. a) e 420° nº 1 do C.P..

  5. O arguido que como o propósito de revelar facto da vida privada da ofendida, facto que esta pretendia manter em segredo, divulga sem o seu consentimento que ela havia tido um filho antes do casamento, comete o crime de devassa da vida privada p.e p. pelo artigo 192º,nº1 , al.b)do CP 7.O montante da indemnização a atribuir deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

  6. Tendo em atenção que a assistente em consequência da conduta do arguido ficou envergonhada, nervosa, publicamente ridicularizada, enxovalhada, humilhada e ultrajada perante todas as pessoas que tomaram conhecimento dos factos; que a mesma é pessoa honesta, integra, séria e trabalhadora, conhecida no seio da comunidade onde reside e atenta a situação económica do arguido é equilibrada a indemnização de 1.000,00 euros arbitrada a título de danos não patrimoniais Decisão Texto Integral: I. Relatório: 1.

    No processo supra identificado, O Ministério Público acusou, em processo comum e mediante a intervenção do Tribunal Singular, o arguido M..

    , divorciado, empregado fabril, nascido em ----.1971, natural …., concelho de Torres Novas, filho de F…e de A …residente em … …..Setúbal.

    Imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, pelos factos constantes do douto despacho de fls. 143 a 145, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

    *** A fls. 160 e seguintes a queixosa M. formulou pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado.

    *** Realizado o julgamento, foi decidido: Em matéria criminal I – Condenar o arguido M. pela prática, como autor material, de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo art. 192.º, n.º 1, al. d) do Código Penal, na pena de 170 (cento e setenta) dias de multa à razão diária de € 5,00, o que perfaz a quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros).

    II - Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se em 2 UC’s a taxa de justiça devida, mínimo de procuradoria e demais encargos do processo, bem como no pagamento dos honorários a atribuir ao ilustre defensor nomeado, que se fixam em 14 UR., nos termos dos pontos n.º 3.1.1.2 e 9 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004 de 10 de Novembro.

    Acresce a quantia a que se refere o artigo 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro.

    Em matéria Cível: I - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pela demandante M. contra o arguido/demandado M. e, em consequência, condená-lo a pagar àquela a quantia de € 1.000,00 (mil euros), acrescidos de juros de mora à taxa de 4% desde a citação (19.05.2008) até efectivo e integral pagamento.

    II - Condenar o arguido/demandado e a demandante no pagamento das custas do pedido cível, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 19/20 1/20 respectivamente.

    * 2.

    Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso (de fls. 257/266), formulando, nas respectivas motivações, as seguintes (transcritas) conclusões: “1. O douto tribunal "a quo" violou o disposto nos Artºs 40º, 47º, 71º e 72º do Código Penal vigente, e, ainda o disposto nos Artºs 483º e 496º do Código Civil.

  7. O tribunal "a quo" ao aplicar a pena de 170 dias de multa pela prática do crime de devassa da vida privada, violou o disposto no Artº 40º do C.P., por ser excessiva.

  8. O grau de ilicitude é mediano, atentas a situação que motivou o recorrente a confrontar a assistente e o seu rival com a declaração emitida pelo hospital de Tomar.

    4. O arguido está inserido familiar e profissionalmente.

  9. Relativamente ao Art° 72 do C.P. entende o recorrente que o mesmo foi violado por o douto tribunal "a quo" não ter valorado com a devida atenção o disposto no n° 2, alíneas c) e d) do referido artigo.

  10. De acordo com o disposto no n° 2 do Art° 192 do Código Penal, o crime não é punível, porque foi praticado apenas e somente com a exibição à própria assistente e ao seu companheiro, e com o fim de obter judicialmente, a guarda e cuidados do menor filho do então, ainda casal.

  11. O douto tribunal "a quo" violou igualmente o disposto nos Art°s 483 e 496 do C. Civil ao condenar o aqui arguido/recorrente no P.IC., no valor de 1000€, acrescidos de juros.

  12. A condenação do arguido no pagamento quase integral do pedido de indemnização civil às demandantes cíveis além de excessiva violou os Artºs 563 e 496-1) do C.Civil.

  13. A douta Sentença deve ser revogada, pois só com a revogação da mesma, V. Exas. farão a tão COSTUMADA SÃ JUSTIÇA.

    ” *** 5.

    Em resposta, veio a ilustre Magistrada do Ministério Público oferecer a resposta, de fls. 280/286, onde doutamente sustenta que o recurso deverá improceder e ser confirmada a decisão recorrida, apresentando as (transcritas) conclusões: “I - A presente sentença não viola o disposto nos artºs. 40.°, 41.°, 71.° e 72.° do Código Penal.

    II - O recorrente não observa na impugnação da decisão sobre a matéria de facto o dever de especificação que lhe assistia, nos termos do art. 412.°, nºs 1, 3, als. a) e b) e 4 do C.P.P.

    III - A ausência das especificações legalmente exigidas na motivação, determina a insuficiência do recurso, a ditar o não conhecimento do mesmo.

    IV - O Mmo. Juiz a quo analisou e valorou a prova produzida de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção, reputando-se a factualidade provada, mais do que admissível, substancialmente adequada ao caso.

    V - A pena aplicada foi determinada por referência às finalidades da punição e à censurabilidade assacada ao arguido, dando-se cumprimento integral ao disposto nos arts. 40.°,47.°, 70.° e 71.° do Código Penal.

    Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

    Este o entendimento que perfilhamos.

    V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA!”.

    *** 6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto, no douto parecer que emitiu (fls. 295/298), pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

    Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido veio, a fls. 306/309, continuar a defender a procedência do recurso.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

    *** II. Fundamentação.

  14. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso: É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

    Por isso, temos, como Questões a decidir: Se deveriam ter sido dado como provados os factos que o foram e se, face aos mesmos se verifica ou não a existência do crime e se pena e a indemnização fixadas pelo tribunal recorrido, estarão ou não muito elevadas. * 2.

    Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (por transcrição): “II – Factos Provados Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 01. O arguido e M. conheceram-se em 1998 tendo, posteriormente, contraído casamento um com o outro.

  15. Em … de 2003, o arguido e M. separaram-se, tendo sido instaurado processo de divórcio litigioso e acção de Regulação do Exercício do Poder Paternal relativo ao filho menor do casal, na qual era disputada, por ambos, a guarda do menor.

  16. Com o propósito de expor factos da vida privada da ofendida M. e que esta pretendia manter em segredo, o arguido, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre Outubro de 2003 e Abril de 2004, dirigiu-se a várias pessoas conhecidas da ofendida, contactando-as em cafés e outros locais públicos de …. transmitindo-lhes que a ofendida tinha sido mãe antes de contrair casamento com o arguido e que havia dado o filho para a adopção.

  17. ...

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