Acórdão nº 104/07.9TACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO CRIMINAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 137º CP,29º CE Sumário: 1. Os crimes negligentes, na sua estruturação dogmática envolvem, três elementos objectivos: i) violação do dever objectivo de cuidado; ii) a produção do resultado típico; iii) a imputação desse resultado objectivo.

2. O dever objectivo de cuidado, no caso das situações que envolvem condutas cometidas no exercício da condução, tem a sua fonte nas normas legais.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.

No processo Comum singular n.º 104/07.9TACBR.C1 foi julgado e condenado, o arguido N...

como autor material de um crime de homicídio por negligência previsto e punido pelo artigo 137º n.º 1 do Código Penal, na pena principal de 280 dias de multa, à taxa diária de €10, o que perfaz a multa total de €2 800,00. O arguido foi igualmente condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de seis meses e absolvido das contra-ordenações que lhe eram imputadas nos autos, bem como no pagamento de 3 UCs de taxa de justiça criminal e 1 Uc de procuradoria, acrescida da quantia a que se refere o artigo 13º n.º 3 do Dec. Lei n.º 423/91 de 30 de Outubro.

Não se conformando com a decisão o arguido veio interpôr recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: «1 DO ERRO NOTÓRIO DA APRECIAÇÃO DA PROVA - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA 1. A factualidade vertida nos pontos 4, 6, 8, 10 e 15 deve, quanto ao arguido N..., julgar-se como não provada. Porquanto, 2. Analisando os elementos que determinam a convicção do tribunal recorrido, não descortinamos, com o devido respeito, qual o processo lógico-intuitivo (dedutivo), estribado nos pressupostos enunciados na mencionada sentença, que permitiu ao tribunal a quo concluir pela condenação do recorrente.

ANALISE CRITICA

  1. Quanto ao ponto 4 dos factos provados da sentença 3 O arguido prestou declarações 4 Esta questão nunca foi discutida no caso sub judice, uma vez que, para a decisão em concreto, não apresentava qualquer relevância 5 O que o Tribunal a quo deveria ter valorado e que, no local em questão, no dia 19 de Janeiro de 2007, pelas 2245 horas, apenas circulavam na via três veículos 6 Tal facto e corroborado, ainda, pelas declarações do arguido, bem como das testemunhas F..., S..., C... e H....

    7 Sendo que, face a prova existente, apenas se pode dar como provado no local em questão, no momento do acidente, o trafego era bastante reduzido b) Quanto ao ponto 6 dos factos provados 8 O recorrente referiu, por varias vezes, que ao entrar na referida Avenida, agiu em conformidade com todas as regras de segurança a que estava adstrito 9. O Tribunal a quo, na motivação da sentença, refere expressamente que, quanto à forma como ocorreu o acidente, valorou, de forma determinante, as declarações do arguido.

    10. Todavia, ao dar como provado o ponto em questão, entra em completa contradição já que, conforme ficou demonstrado, resulta indubitavelmente que o arguido efectuou todos os procedimentos de segurança a que estava obrigado na situação em causa.

    11. A prova produzida é clara, pelo que deve ser dado como provado que o arguido, ao entrar na Avenida da Guarda Inglesa, agiu com total segurança.

  2. Quanto aos pontos 8, 10 e 15 dos factos provados: 12. Valem aqui, mutatis mutandis, as considerações expendidas relativamente ao ponto 4 e 6 da sentença, na alínea a) e b), pelo que brevitatis causae, aqui damos como integralmente reproduzidas.

    13. O Tribunal a quo não efectuou uma correcta valoração da prova, pois não poderia concluir que o arguido tenha efectuado a manobra descrita, de forma desatenta e sem se certificar se podia passar para a faixa da esquerda em segurança e sem perigo para a circulação de outro veículos automóveis.

    14. As declarações foram, de novo, completamente ignoradas, independentemente de terem sido prestadas de forma séria, coerente, com um discurso fluente e plausível.

    15. O arguido entrou na faixa de rodagem do lado esquerdo com total segurança, tendo inclusivamente olhado para espelho retrovisor e ter confirmado que a viatura da vitima se encontrava ainda a uma longa distância, que permitiria, sem margem para duvidas, efectuar a ultrapassagem ao veiculo de marca Peugeot 16 A colisão entre os veiculos ja ocorreu quando o recorrente se encontrava na fase final de ultrapassagem ao Peugeot, o que indicia, e comprova, que ao circular a 50 Km/h, o arguido ja se encontrava a efectuar a manobra de ultrapassagem ha algum tempo 17 O arguido seguia com as luzes acesas em médios 18 A vitima viu perfeitamente o veículo do recorrente a efectuar a manobra de ultrapassagem, não conseguindo evitar o embate devido a sua desatenção e velocidade excessiva (cerca de 80 Km/h num local em que o maximo permitido e de 5OKm/h) Alias, 19 Se circulasse à velocidade permitida, o acidente nunca ocorreria. Com efeito, 20 E de acordo o relatorio pericial, a velocidade de que vinha animado fez subir em 555,4% a hipotese de acidente e danos fatais 21 Ou seja, o risco de colisão não foi provocado pela conduta do arguido, mas sim pela velocidade excessiva que a vitima imprimia ao seu automovel 22 De resto e perante toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e face ao anteriormente exposto, não se conclui nem podera concluir, com o devido respeito, que o arguido tenha violado qualquer disposição legal.

    23. Assim, não há nos autos, na prova produzida ou na matéria dada como provada, indícios objectivos que permitam ao Tribunal retirar as conclusões explanadas na sentença.

    IMPUGNAÇÃ DA MATÉRIA DE DIREITO 24. O recorrente discorda da decisão, porque inexistem razões de facto e de direito que fundamentam a condenação do recorrente. 25. Não se encontram preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal de crime. Assim, 26. O recorrido não criou, nem potenciou um perigo com a sua conduta.

    27. Ora, a negligência é punível a título penal no nosso ordenamento jurídico desde que se demonstre que existiu a violação de um dever objectivo de cuidado. Será essa demonstração que permitirá imputar objectivamente a conduta do agente à lesão. E agirá com negligência quem não observar a medida de cuidado exigível, o necessário para evitar a ocorrência do resultado típico.

    28. A afirmação deste dever de cuidado poder-se-á reportar a normas jurídicas que impõem aos seus destinatários específicos deveres e regras de conduta no âmbito de actividades perigosas como por exemplo, as normas de circulação rodoviária).

    29. Para a existência da culpabilidade negligente, terá de existir um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o crime, ou seja, é necessário que o resultado seja objectivamente imputável à actividade do agente.

    3O O facto e o acidente, acção humana, em termos dinâmicos e naturalisticos, no caso concreto. O evento é o resultado do acidente. O nexo de causalidade é a ligação, em termos de causa-efeito, entre o que deu origem ao acidente e o resultado, ou seja, aquilo que fez com que o acidente se produzisse e o dano consequente O nexo de imputação sera a ligação do facto ao agente, a titulo de culpa ou objectivamente 31 Os factos apurados demonstram bem que o arguido agiu com atenção e o cuidado do condutor prudente e normalmente avisado que, atentas todas as circunstâncias de facto, podia e era capaz de ter tomado como sabia ser a sua obrigação 32 Apesar do sinal de trânsito de perda de prioridade existente no local, a manobra efectuada pelo arguido, segundo as regras de experiência comum, em nada faria prever que pudesse colocar em risco os outros veiculos que por ali circulavam 33 No mesmo sentido, o Relatório Pericial concluiu que “o excesso de velocidade do veiculo n ° 2 (Seat lbiza) foi um factor determinante não só para a ocorrência do acidente, bem como para as suas consequências” 34 O embate ocorreu ja na faixa esquerda, atento o sentido de ambos os condutores, quando o arguido ultrapassava o veiculo que seguia na faixa mais a direita, o que significa que, caso a vitima circulasse com prudência e dentro dos limites da velocidade permitida para o local em questão, teria, certamente, evitado a colisão entre os veículo 35. Acresce que o recorrente levava as luzes médias acesas, visto que àquela hora já era de noite. Pelo que a vítima viu nitidamente que o arguido iria fazer a manobra de ultrapassagem ao veículo Peugeot.

    36. Para que o resultado em que se materializa o ilícito típico possa fundamentar. a responsabilidade não basta a sua existência fáctica, sendo indispensável que possam imputar-se objectivamente à conduta e subjectivamente ao agente. O mesmo é dizer que a responsabilidade só se verifica quando existe nexo de causalidade entre a conduta do agente e o evento ocorrido.

    37. Assim, para que existisse um nexo de causalidade, seria necessário que a conduta do arguido fosse a causa única e determinante para a produção do acidente, e que os danos sofridos pela vítima fossem resultado necessário dessa conduta, o que não se verificou no caso sub judice.

    38. Impõe-se assim, a conclusão de que não existem nos autos indícios suficientes de que o arguido, com a sua conduta tenha violado o dever objectivo de cuidado que lhe era imposto pelas circunstâncias, pelo que não se encontram indiciariamente preenchidos todos os elementos do crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137° do Código Penal. 2. Da livre apreciação da prova 39. No Direito Processual Penal rege, em matéria probatória, o Princípio da Livre Apreciação da Prova (art.127° do CPP).

    40. No processo penal, a imaginação encontra-se limitada pelas regras estabelecidas, sendo que a convicção do julgador não pode assentar na sua opinião pessoal, por muito respeitável que seja, mas sim na prova produzida em audiência, sujeita ao contraditório 41. O principio da presunção da inocência (artigo 32° no 2 CRP) impõe que em caso de duvida relativamente a valoração da factualidade se interprete em beneficio do arguido – 42 A livre...

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