Acórdão nº 5424/05.4TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelTÁVORA VÍTOR
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: DL Nº 446/85 DE 25 DE OUTUBRO E ARTIGO 11º Nº 1 E 2 DO DL 446/85 DE 7 DE JULHO Sumário: 1) As cláusulas contratuais gerais surgiram como resultado da massificação que se verificou após a revolução industrial e que tem vindo a acentuar-se com a expansão do comércio e serviços propiciada pelo fenómeno da globalização cujos instrumentos proporcionam a oferta e procura de bens em mercados até há pouco tempo dificilmente acessíveis.

2) Esta evolução pressupõe e exige todavia mecanismos reguladores jurídicos eficientes de molde a acompanhar os inegáveis benefícios facultados pela nova ordem económica. Tais instrumentos para que possam ser úteis terão que ser eficientes e só o poderão ser na medida em que fomentem a economia de tempo e igualação no tratamento dos clientes e fornecedores.

3) Assim se explica que os "contratos de adesão", instrumentos reguladores por excelência da massificação negocial, tenham merecido a atenção dos Estados com vista a procurar minorar tanto quanto possível desigualdades provocadas por abusos na sua regulamentação e capciosidade em consequência do modo como são por vezes intencionalmente redigidos.

4) Fruto deste esforço, o DL nº 446/85 de 25 de Outubro de inspiração germânica surgiu entre nós como a primeira tentativa de disciplinar as cláusulas contratuais gerais insertas nos contratos.

5) À interpretação das ditas cláusulas aplicam-se à partida as normas gerais, devendo o Juiz estar atento aos termos do contrato em ordem impedir que equivocidades de índole puramente formal possam interferir no equilíbrio das prestações e justiça material que teleologicamente dever prosseguir, considerando em última análise o disposto no artigo 11º nº 1 e 2 do DL 446/85 de 7 de Julho, de harmonia com o qual "na dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente".

6) As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra, sob pena de exclusão, aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las, cabendo o ónus da prova dessa comunicação ao contratante que submeta a outrem as ditas cláusulas.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

A...

, com sede na .... e B...

, com sede na ...., vieram instaurar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário contra Companhia de Seguros C...

.,com sede na ...., peticionando a condenação desta a pagar à 1ª autora a quantia de € 35.000 ou subsidiariamente a quantia de € 31.923,06, ou, ainda subsidiariamente, a quantia de € 29.114,23, em qualquer caso acrescidas de juros legais; e a pagar à 2ª Autora a quantia de € 4.923,42 ou subsidiariamente a quantia de € 15.404,04, acrescidas de juros legais.

Para tanto, alegam ter ocorrido um acidente rodoviário no dia 4 de Agosto de 2004 na E.N. 1 no qual intervieram o veículo 00-00-QE, pesado, propriedade da 1ª autora, o reboque C-59800, propriedade de 2ª Autora e o veículo ligeiro de passageiros 11-11-QJ, propriedade de D...

, que, por contrato de seguro, transferira a sua responsabilidade para a Ré.

Todos estes veículos circulavam no sentido norte-sul, estando o reboque da 2ª Autora atrelado ao veículo da 1ª Autora e a determinada altura o veículo QJ fez sinal de mudança de direcção para a direita, tendo o condutor do veículo QE travado, mas não conseguiu evitar o embate naquele.

Para além do QJ, os veículos das Autoras estavam também seguros na Ré por via de contratos de seguro com cobertura de danos próprios.

O veículo QE sofreu danos cuja reparação foi orçada em € 29,114,23, sendo que este veículo tinha um valor comercial não inferior a 35.000 euros, o que aconselhava e justificava a reparação, mas a ré rejeitou essa possibilidade, admitindo apenas uma reparação parcial.

Também o reboque C-59800 sofreu danos orçados em 4.923,42, tendo a Ré recusado também a reparação. Ambas as viaturas tinham cobertura de danos próprios, incluindo a perda total, mas a Ré nada pagou.

A Ré apresentou contestação, na qual reconhece a existência dos contratos de seguro alegados, referindo porém que, no caso de danos próprios, e nos termos do contrato, estão excluídos os danos causados por objectos e mercadorias transportados no veículo e os causados por objectos transportados ou durante as operações de carga e descarga.

Ora, para além dos danos causados pela colisão no veículo QJ, os danos na cabine do veículo QE e no reboque foram causados pela carga, um enorme bloco de ferro pesando muitas toneladas, transportado no reboque, que, devido à travagem, rebentou as cintas de segurança, causando danos no reboque e na cabine por se ter deslocado para a frente.

Só pela travagem o bloco se soltou, pelo que se constata que os danos foram motivados pela forma deficiente como a carga estava estivada, e por essa razão a Ré recusou as reparações na cabine do QE e no reboque.

O veículo QJ sofreu perda total, pois apenas valia € 33.050,00, valor em que foi orçada a reparação.

A Ré admite ter de pagar os danos resultantes da colisão no QJ, que foram orçados em € 1.371,86, requerendo a consignação em depósito desta quantia.

As Autoras replicaram, sustentando que o condutor do QJ não se limitou a travar, e rejeitando que a carga estivesse mal acondicionada, concluindo como na petição inicial.

A Ré foi convidada a concretizar a afirmação de que a carga vinha acondicionada de forma deficiente, tendo apresentado nova contestação.

Foi proferido despacho saneador, no qual se considerou a instância válida e regular, e efectuou-se a selecção da matéria de facto, que não foi objecto de reclamação.

Procedeu-se a julgamento e acabou por ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e assim: - Condenou a Ré a pagar à Autora A...a quantia de € 28.531,24 (vinte e oito mil quinhentos e trinta e um euros e noventa e quatro cêntimos, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento; - Condenou a Ré a pagar à Autora B.... a quantia de € 4.824,95 (quatro mil oitocentos e vinte e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.

Daí o presente recurso de apelação interposto pela Companhia de Seguros C..., a qual no termo da sua alegação pediu a procedência do mesmo de harmonia com o que explana nas suas alegações.

Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.

1) Independentemente da decisão substantiva da causa que em próximas conclusões se questionará, dir-se-á que o Tribunal a quo se "distraiu” pois “esqueceu-se” de deduzir à indemnização arbitrada à primeira Autora as seguintes quantias: a) € 1.371,86 pagos pela Ré à primeira Autora, após incidente de consignação em depósito, referentes ao custo da reparação da dianteira do SCANIA (00-00-QE) depois de deduzida a referida franquia contratual de 2%; b) € 7,500 referentes à venda dos salvados do SCANIA (00-00-QE) por parte da primeira Autora ao comerciante de automóveis, E...

; 2) Donde, como à data do sinistro o SCANIA (00-00-QE) estava seguro na Ré pelo valor máximo de € 31.923,06 em caso de perda total (e estamos perante uma situação típica de perda total, porque o veículo valia € 35.000, o seu salvado € 7.500 e a sua reparação € 29.114,23), mesmo que a Ré tivesse obrigação de indemnizar a primeira Autora, a sua obrigação estava circunscrita ao valor de € 23.305,20 só de capital, e nunca a € 28.531,24 (valor da reparação deduzido da franquia de 2%) que lhe foi arbitrado pela primeira instância, uma vez que estamos no domínio da responsabilidade contratual (seguro de danos próprios) que se rege pelo clausulado da apólice e não na presença de um caso de responsabilidade civil subjectiva aquiliana ou objectiva tratada nos artsº 483º e segs. do Código Civil, casos em que o lesado (dentro de determinados limites legais) pode exigir à seguradora do veículo responsável pelo acidente a reparação da sua...

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