Acórdão nº 104/07.9TBAMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPIRES DA ROSA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1 – O art.2033º, nº1 do CCivil estabelece um princípio geral de capacidade sucessória passiva, sendo que um sucessor é um beneficiário, é alguém que vê ingressar no seu património os bens de quem morreu.

2 – Há, todavia, e no que à sucessão legal diz respeito, duas situações em que, na perspectiva relacional entre quem morre e quem lhe vai suceder, a lei não suporta de todo em todo a transmissão beneficente – que o autor da sucessão ( ou os seus mais próximos ) tenha sido vítima por parte do ( original ) sucessor de um atentado à vida, ou de um atentado grave ao seu património moral, através da utilização ínvia da máquina da justiça.

3 – A regra é, portanto, a da capacidade ( art.2033, nº1 do CCivil ); no que à sucessão legal se reporta, a excepção são – e são apenas, taxativamente – as excepções previstas nas alíneas a ) e b ) do art.2034º.

4 – No mais, ficará no património da vítima a “punição civil” da perda da capacidade sucessória: na sucessão legítima dispondo livremente dos seus bens, usando o mecanismo da sucessão testamentária; na sucessão legitimária, utilizando o mesmo mecanismo para deserdar o seu agressor, nas situações previstas no art.2166º do CCivil.

5 – Não pode todavia reconhecer-se capacidade sucessória a um pai que violou uma filha de 14 anos, a obrigou a abortar aos 15 anos, após cumprir a pena de prisão em que foi condenado persistiu na ofensa a sua filha ( que nuca lhe perdoou ) e se vem habilitar à herança desta sua filha por morte dela aos 29 anos, em acidente de viação – reconhecer-lhe essa capacidade seria manifestamente intolerável para os bons costumes e o fim económico e social do direito de lhe suceder e portanto ilegítimo, por abusivo, esse mesmo direito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA instaurou, em 23/2/2007, no Tribunal Judicial de Amares, contra BB acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que o R. seja declarado carecido de capacidade sucessória, por indignidade, na herança de sua filha CC.

Alegou, em suma: o réu, seu pai e pai de CC, foi condenado por crime de violação na pessoa da referida filha CC, quando ela tinha apenas quinze anos de idade e era órfã de mãe; das relações sexuais, resultou a gravidez da CC, tendo-a o réu obrigado a fazer um aborto; desde então, o réu desinteressou-se dos filhos, deixando de com eles conviver e de providenciar pela sua alimentação e educação; quando avistava a CC, o réu insultava-a, o que a transtornava; a CC nunca perdoou ao réu; veio a morrer em consequência de um acidente de viação, tendo o réu instaurado uma acção contra a seguradora do veículo a pedir indemnização pela sua morte; este comportamento do réu fá-lo carecer de capacidade sucessória, por indignidade, nos termos do art. 2034º, al. b) do CCivil.

Citado, contestou o réu ( fls.115 ) alegando: o crime foi cometido numa fase difícil da sua vida, decorrente da viuvez precoce e do alcoolismo que se lhe seguiu; após o cumprimento da pena, procurou a filha, que o perdoou, tendo ambos reatado relações de pai e filha; a sua conduta não se integra em qualquer das situações estabelecidas no art. 2034º do CCivil, norma de natureza excepcional que não pode ser interpretada analogicamente.

Replicou o autor ( fls.54 ), impugnando os factos apresentados pelo réu e pugnando pela procedência do pedido.

Foi elaborado ( fls.67 ) o despacho saneador, com fixação dos factos assentes e alinhamento da base instrutória.

Efectuado o julgamento, com respostas aos quesitos da base instrutória nos termos do despacho de fls.174, foi proferida a sentença de fls.180 a 184 que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o réu do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de fls.232 a 243, julgou procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, julgou… procedente a acção e, consequentemente, declarou o réu, BB, carecido de legitimidade sucessória relativamente à herança de sua filha CC, por motivo de indignidade previsto na al. b) do art. 2034º do CCivil.

Pede agora o réu revista para este Supremo Tribunal, apresentando a fls.254 alegações.

CONCLUI: 1) Os fundamentos da indignidade sucessória estão taxativamente enumerados no art. 2034º do CCivil.

2) Esta é uma norma excepcional, pois a regra é a da capacidade sucessória.

3) Como, aliás, consta do disposto no nº1 do art. 2033º do CCivil.

4) As normas excepcionais não podem ser aplicadas por analogia, nos termos do art.11º do CCivil.

5) Os factos praticados pelo recorrente não são subsumíveis no disposto no art.2034º do CCivil.

Em contra alegações ( fls.273 ) o autor/recorrido, pugnando pela confirmação do decidido, apresentou as seguintes CONCLUSÕES: 1) As alegações do Recorrente são ineptas e, por tal, devem ser, desde logo, rejeitadas, porquanto não obedecem ao preceituado no art.685º-A do CPCivil.

2) As conclusões, em resposta, são desconexas das alegações a que se reportam, não constituindo uma síntese ou resumo do alegado, mas antes um desenvolvimento de enumeração de preceitos legais, não previstos, referenciados ou desenvolvidos em sede de alegações, propriamente ditas.

3) O presente recurso deve ser rejeitado e considerar-se legítima a interpretação analógica efectuada pelo Tribunal a quo do art.2034º do CCivil, o qual pode ser objecto de interpretação analógica e, até, extensiva.

4) Apesar de nenhuma das alíneas do preceito qualificar a prática do crime de violação sobre o autor da sucessão como comportamento indigno, não constitui entendimento pacífico, na doutrina e jurisprudência, que o art. 2034.º consagre uma tipicidade taxativa e que, por isso, afaste todo e qualquer tipo de analogia.

5) A indignidade sucessória reveste natureza sancionatória civil, sendo opinião do Prof. Oliveira Ascensão, que “é uma consequência autónoma no plano civil e funda-se no acto reprovável do indigno, vis a vis do autor da sucessão e a sua incidência é tal no relacionamento entre ambos que é...

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