Acórdão nº 397/03.0GEBNV.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO EM PARTE Sumário : I - Na génese do pedido de indemnização formulado nos autos está um dano corporal, resultante da violação ilícita e culposa do direito subjectivo à integridade física e à saúde do demandante, integrantes de direitos da personalidade – arts. 24.º e 25.º da CRP e 70.º do CC – sendo que tal dano corporal, emergente de acidente de viação, com extensão, incidências, consequências e reflexos diversos, não apenas no presente, mas também no futuro, merecedor de especial atenção, já que os efeitos danosos se projectam a longo prazo, face à circunstância de o lesado ser uma criança, que à data da lesão contava 8 anos de idade.

II - Há que ter em consideração uma perspectiva patrimonial, na vertente de dano futuro, lucro cessante, ou mais certeiramente, frustração de ganho (expressão mais apropriada quando está em causa perda ou diminuição de salários ou vencimentos), emergente de incapacitação para o trabalho e, para além deste, o aspecto de natureza não patrimonial.

III - Estamos perante a necessidade de adiantar uma prognose de uma situação de futuro a partir da situação de facto adquirida no presente. No dano patrimonial, o dano real – a perda in natura que o lesado sofre em consequência do acto lesivo – reflecte-se sobre a situação patrimonial do lesado, na modalidade de dano emergente ou de lucro cessante. Enquanto os danos emergentes consistem numa forma de diminuição do património já existente, consubstanciando prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, os lucros cessantes consistem numa forma de não aumento do património já existente, isto é, os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto, mas a que não tinha direito à data da lesão.

IV - Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá. No caso contrário, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer.

V - O dano previsível certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético, podendo conhecer vários graus.

VI - O dano certo pode ser determinável quando pode ser fixado com precisão o seu montante, ou indeterminável, quando aquele valor não é possível de ser verificado antecipadamente à sua verificação.

VII - A doutrina e a jurisprudência estão de acordo em que pelo facto de o ofendido não exercer à data do acidente qualquer profissão, não está afastada a existência de dano patrimonial, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens. Neste leque, cingindo-nos agora à capacidade para o trabalho, encontrar-se-ão os indivíduos lesados que se encontram fora do mercado do trabalho, da vida activa laboral, e considerando a duração cronológica de vida, seja a montante – caso das crianças e jovens, ainda estudantes, ou não, mas que ainda não ingressaram no mundo laboral –, seja, a jusante, com os reformados/aposentados, que dele já saíram, sem esquecer os que estando fora destes parâmetros temporais, situando-se pela sua idade no período de vida activa, estão porém fora daquele mercado, porque desempregados.

VIII - Na avaliação deste tipo de danos há que ter presente o princípio que impõe ao tribunal o dever de julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, quando não puder averiguar o valor exacto dos danos, ou mesmo a própria existência de danos. Face às dificuldades de prova segura dos danos não patrimoniais e dos montantes deles, formula a lei o princípio geral – aplicável também à indemnização de danos patrimoniais – de que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art. 566.º, n.º 3, do CC.

IX - A incapacidade permanente, por traduzir uma redução/limitação das capacidades funcionais/laborais, sendo uma afectação da integridade física, que se repercute no bem patrimonial força de trabalho, que perdura para toda a vida do lesado, tem de ser indemnizada.

X - Esta questão, ao nível dos lesados menores/crianças, em que os «lucros cessantes», ou com mais propriedade, os ganhos frustrados, são, numa previsão actual, dificilmente avaliáveis, atingindo maior grau de dificuldade a ponderação a efectuar, já que estará presente a necessidade de composição de uma situação com contornos virtuais. Mas há que partir do pressuposto de que o lesado tem sempre direito, por a sua força de trabalho constituir uma fonte produtiva, às suas potencialidades lucrativas, rectius, aquisitivas, e que, mais cedo ou mais tarde, terá uma profissão ou ocupação, ingressará no universo do trabalho, para muitos, única forma de angariação de rendimentos.

XI - Tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o id quod plerumque accidit; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, segundo a equidade.

XII - A indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deverá corresponder a um capital produtor de rendimento equivalente ao que a vítima irá perder (neste caso e equivalentes, não irá auferir), mas que se extinga no final da vida activa ou do período provável de vida da vítima e seja susceptível de garantir, durante essa vida ou período, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, às perdas de ganho.

XIII - Como critérios de determinação do valor a capitalizar, produtor do montante de indemnização por redução de capacidade laboral e perda aquisitiva de ganho, a jurisprudência foi lançando mão de vários métodos de cálculo e tabelas matemáticas e financeiras; o STJ vem reiteradamente entendendo que no recurso a semelhantes fórmulas ou tabelas para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes, têm estas de ser encaradas como meros referenciais ou indiciários, só revelando como meros elementos instrumentais, instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade.

XIV - Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros, que sejam o prolongamento necessário e directo do estado de coisas criado pelo acidente, abrangendo um longo período de previsão, devendo atender-se apenas aos ganhos fortemente prováveis e verosímeis, não meramente possíveis, a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.

XV - Partindo necessariamente da idade do lesado, tendo em conta a sua idade à data do acidente, ou à data da fixação da incapacidade, bem como a idade em que previsivelmente entrará(ia) no mercado de trabalho, há que projectar a previsível duração de vida, o tempo provável de vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho, fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida activa, além do tempo da reforma. A esperança de vida a considerar é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa – a vida activa é mais longa que a laboral, prolongando-se em alguns casos para além dos 70 anos.

XVI - Na determinação do rendimento auferido (ou como no caso, a auferir) há que ter em conta o salário auferido pelo lesado e sua evolução, o que supõe que está a trabalhar; quando não há ainda uma profissão, em algumas decisões é invocado como parâmetro de avaliação do prejuízo o valor do salário mínimo nacional, mas noutros casos opta-se por soluções diversas, ponderando o chamado “salário médio previsível” ou “salário médio acessível”.

XVII - Um dos critérios de referência a ponderar na fixação dos valores de indemnização é a taxa de juro, a taxa de rentabilidade do capital a fixar como indemnização, uma taxa de rendimento previsível para as aplicações a médio e longo prazo, sendo que na aplicação deste critério há que atentar em que quanto mais baixa for a remuneração do capital, o que hoje é patente em face da continuada descida das taxas de juros, maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao paulatino deste; essa dificuldade de rentabilização de uma indemnização, de modo a que a mesma se tenha por esgotada ao fim do período de tempo que for de considerar, é factor que joga desfavoravelmente para o devedor daquela, a ter em conta no recurso à equidade.

XVIII - Para além das consabidas dificuldades no ingresso no mercado de trabalho, mormente para os grandes traumatizados e para as pessoas com deficiências, na valoração do dano em questão deve ainda ter-se em conta os prejuízos que, com grande probabilidade ocorrerão e que se prendem com impedimento de progressão ou com dificuldades na progressão na carreira profissional, ou conduzindo mesmo a reforma antecipada, com as inerentes quebras de rendimento no futuro, não deixando de se reconhecer em geral a extrema dificuldade em calendarizar a previsível progressão profissional e determinar a sua quantificação.

XIX - Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser...

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