Acórdão nº 5988/06.5TBCSC.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1) O Tribunal de revista limita-se a aplicar aos factos materiais definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado, não podendo sindicar aquela fixação salvo nas situações excepcionais dos artigos 722° n° 2 e 729° n° 1 do Código de Processo Civil.

2) A proibição da prova testemunhal constante dos artigos 393° e 394° do Código Civil não abrange a sua utilização nos precisos limites de interpretação do documento, ou seja é admitida aquela prova “iuxta scripturam”.

3) Mas o ser vedada a prova testemunhal para a inserção de cláusulas contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico, ou com força probatória reconhecida nos termos da lei do processo, não impede a sua utilização para a demonstração de meros factos instrumentais que contribuam para melhor compreensão do clausulado.

4) O instituto do artigo 334.º do Código Civil traduz-se no exercício ilegítimo de um direito por o seu titular exercer manifestamente os limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico desse direito.

5) E nem se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara, assim se acolhendo concepção objectiva do abuso do direito.

6) A alienação a terceiro, pelo promitente vendedor, dos prédios prometidos vender, revela, clara e inequivocamente, recusa de celebrar o contrato prometido, traduzindo-se num incumprimento definitivo, que se presume culposo (com as consequências dos n.ºs 2 e 4 do artigo 442.º do Código Civil), nos termos do artigo 799.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça “S... de C... J..., Limitada”, com sede em Oeiras, intentou acção com processo ordinário contra “G... – G... I... e I..., SA”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 704.302,64 euros, acrescida de juros, valor do dobro do sinal do contrato promessa que celebrou com a Ré, pelo preço total de 137.500.000$00, sendo o sinal de 75.000.000$00; a resolução desse contrato por violação culposa da Ré.

A Ré contestou alegando, além do mais, que o contrato prometido não foi celebrado porque a Autora nada pagou a título de sinal; que um cheque lhe foi entregue pela sociedade “R..., Lda.”destinou-se ao pagamento do lote de outra urbanização e o outro cheque não foi emitido pela Autora e não lhe foi entregue mas a outrem.

Pediu, em consequência, além da absolvição do pedido, a condenação da Autora como litigante de má fé.

Na Comarca de Cascais a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

A Autora apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado.

Pede, agora, revista assim concluindo as suas alegações: - Os factos das alíneas J) e M) estão interligados e numa relação de subordinação com os factos da anterior alínea O) da matéria de facto provada, pelo que a alteração havida na alínea O) afecta necessariamente os outros factos.

- Daí que, a alteração da resposta ao quesito 15°, alínea O) da matéria de facto provada, importa a eliminação do termo “inicialmente” contido na alínea 3); - bem como a eliminação da alínea M); - ou, assim não se entendendo, devem ser considerados não escritos , nos termos do art. 646°, n°4 do Cód. Proc. Civil.

- O pagamento ou pagamentos havidos no contrato do lote 78 não consubstanciam matéria interpretativa do contrato, pelo que não é admissível prova testemunhal sobre os mesmos, como decorre da conjugação dos arts. 410°, n° 2; 875°; 364°, n°1 ; 393° e 394° do Código Civil e 655°, n°2 do Cód. Proc. Civil.

- Por força deste impedimento legal, também não é admissível a presunção judicial como meio de prova dessa matéria, como resulta do estatuído no art. 351° do Código Civil.

- Por outro lado, as declarações dos gerentes da S... de C... R..., Lda. e da Ré, são declarações negociais expressas que afastam quaisquer declarações tácitas sobre a questão do sinal prestado no contrato promessa dos lotes 54 e 55; - não provando os autos a existência de qualquer acordo tácito entre a A. e a Ré que permitisse dar sem efeito o sinal prestado no contrato-promessa dos lotes 54 e 55 e imputá-lo no pagamento do contrato do lote 78; - e os autos também não provam que verbas foram entregues antes e ou no acto de realização da escritura, de onde, pudesse inferir-se que o cheque ... entrou no pagamento do lote 78; - sendo certo que a escritura pública de compra e venda do lote 78 dá simplesmente quitação do valor escriturado; - e o pagamento em direito não se presume.

- A prova da imputação do cheque em causa no pagamento do lote 78 tinha que ser feita por documento escrito que, com toda a probabilidade, o demonstrasse.

- Ora, tendo o cheque em causa sido entregue para pagamento do sinal do contrato dos lotes 54 e 55, não poderia a sua finalidade ser alterada, sem prévio acordo escrito e aditado ao contrato.

- A não ser assim, tratar-se-ia de imposição contratual da Ré à A., ao arrepio dos princípios da boa fé e liberdade contratuais expressos nos arts. 227°, n° 1 e 405°, n° 1 do Cód. Civil.

- A alínea R) aditada à matéria de facto provada contém conclusões que não se apoiam nos factos dados como provados; - antes, se baseia nos documentos de fls. 240 a 254, que foram juntos sem terem sido indicados os factos para cuja prova se destinavam; - documentos esses que não foram considerados como meios de prova de facto algum contido na decisão da matéria de facto da 1.ª instância; - sendo certo que só são atendíveis, oficiosamente, na alteração da matéria de facto os elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada, conforme estabelecido no art. 712°, n° 2, segunda parte, do Cód. Proc. Civil.

- Assim sendo, a alínea R) da matéria de facto provada deve ser eliminada; - ou, assim não se entendendo, deve ser considerada não escrita, nos termos do art. 646°, n°4 do Cód. Proc. Civil.

- Por outro lado, assentando em elementos probatórios não considerados na fundamentação da decisão da matéria de facto, estava vedado ao Tribunal da Relação considerá-los na fundamentação da alínea R), como resulta do art. 712°, n° 2, segunda...

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