Acórdão nº 360/09.8YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : O preceituado no artigo 1045º do Código Civil é inaplicável aos casos de caducidade do arrendamento por perda da coisa locada.

Daí que, o artigo 1053º, do mesmo diploma legal, se deve interpretar de modo hábil, excluindo da sua previsão o caso de o arrendamento “caducar” pela perda da coisa locada.

Decisão Texto Integral: 1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA e BB intentaram, no Tribunal Cível da Comarca do Porto, acção ordinária contra BB, com vista a obterem a sua condenação no pagamento de 25.573,83 €, correspondentes a rendas por eles indevidamente pagas.

Em suma, alegaram que, tendo celebrado com a R. um contrato de arrendamento comercial, com vista à exploração de uma casa de pasto, foi o mesmo julgado extinto por caducidade, por mor de incêndio do qual resultou a sua completa destruição, facto este reconhecido em acção de despejo que esta, oportunamente, lhes instaurou, certo que, apesar disso, continuou a perceber as respectivas rendas, desde a data em que o mesmo ocorreu até Fevereiro de 2007.

Contestou a R., defendendo a improcedência da acção, tendo, para tanto, impugnado parte da factualidade vertida na petição e, ainda, argumentado que os AA., apesar da caducidade do contrato, continuaram a reter as chaves do locado, o que, para si, significa não entrega do locado, facto este que agravou o seu estado de degradação. Nesta base, deduziu pedido reconvencional, a pedir a condenação dos AA. no pagamento de uma indemnização, cujo montante relegou para liquidação.

Seguiu-se a réplica, aproveitada pelos AA. para arguirem a excepção de prescrição do invocado direito indemnizatório, por parte da R., e a tréplica e, no saneador, a acção foi julgada totalmente procedente e a reconvenção improcedente.

Mediante apelação da R., o Tribunal da Relação do Porto confirmou in totum o julgado na 1ª instância.

Continuando inconformada, pede, ora revista. Para tanto, apresentou a sua minuta e concluiu do seguinte modo: - Vem o presente recurso de revista interposto do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o qual julgou totalmente improcedentes as pretensões deduzidas pela aí apelante.

- O thema decidendum da presente revista é saber se, como acordou o Tribunal a quo, o disposto no artigo 1045º do Código Civil pressupõe a utilização da coisa locada por parte do locatário, após a cessação do contrato, não sendo de aplicar quando, tendo ocorrido extinção do contrato de arrendamento por caducidade, o locatário não mais usou ou fruiu o imóvel arrendado.

- E, ainda, se a argumentação gizada pela recorrente no seu recurso de apelação consubstancia uma “questão nova”, insusceptível de apreciação em sede de recurso.

ORA, - A invocação em sede de recurso de uma regra de direito olvidada pelas instâncias e que tem completo cabimento na causa de pedir e na factualidade dada como provada, não constitui uma questão nova, antes deve ser apreciada e acolhida ao abrigo do poder discricionário (mas vinculado) que assiste à Magistratura Judicial na interpretação e integração do direito aos factos alegados (no caso provados), cfr., maxime, artigo 664º do Código de Processo Civil.

- A aplicação do direito aos factos é uma prerrogativa e um dever do juiz (artigo 664º do Código de Processo Civil), competindo-lhe aplicar o regime jurídico que julgue adequado, o que se consubstancia numa actividade própria (oficiosa) do juiz, pelo que não deveria o tribunal a quo ter julgado que a interpretação dos artigos e aplicação dos artigos 1081°,1051°, 1043° e 1045° do Código Civil se tratava de uma “questão nova”.

- O recorrente, ao fazer corresponder determinada consequência jurídica aos factos do processo suscitou no Tribunal a quo uma mera questão de interpretação jurídica e, assim, nem a questão é nova no processo, nem a interpretação que dela o A. defendeu nas alegações de recurso constituiria qualquer espécie de questão nova, na medida em que a interpretação jurídica nunca constitui para o Tribunal uma “questão nova”.

POIS BEM - No caso dos autos, a causa de pedir deduzida na reconvenção consubstanciava-se no facto (à saciedade provado) de que, findo o contrato, os AA., ora recorridos, não entregaram, como lhes competia por lei, o imóvel dos autos, i.é., a reconvenção ancorava no mesmo facto que subjaz à mens leges do artigo 1045° do Código Civil: a impossibilidade de exercício das diversas manifestações do direito de propriedade sobre o imóvel que a recorrida, apesar de findo o contrato, não devolveu ao recorrente.

- Assim, e provado que está que o contrato findou em Outubro de 1998 e que os recorridos não entregaram voluntariamente o locado – tanto assim que a recorrente teve de recorrer à via judicial para obter o despejo – houve violação dos artigos 1081° e 1043° do Código Civil, a significar a aplicação do artigo 1045° do Código Civil.

- O artigo 1045º, tanto pelo seu teor literal como pela sua inserção sistemática, aplica-se sempre que (“por qualquer causa”) a coisa locada não for restituída ao seu proprietário, ex-senhorio.

- A ratio legis da norma convocada prende-se com o incumprimento contratual e explica-se pela privação do exercício do direito de propriedade, de forma plena e integral do imóvel, por parte do seu proprietário, sendo que tal exercício pleno e integral foi obstaculizado pelo recorrido, ao não aceitar a extinção do contrato.

- Daí que, ao contrário da teleologia subjacente ao acórdão em recurso, não seja decisivo (antes despiciendo) saber se, e em que condições, terá o (ex) arrendatário gozado o prédio.

- Ora, é requisito da existência de enriquecimento sem causa, para além do enriquecimento de alguém e correlativo empobrecimento de outrem, a inexistência de qualquer facto que constitua causa justificativa da apropriação de valores, obtida à custa de quem pede a restituição, e a quem, segundo o ordenamento jurídico, deveriam pertencer.

- Está assim encontrada a causa justificativa para o recebimento das rendas e, consequentemente, demonstrado o erro de direito em que incorreu a condenação que decorre da sentença a quo, a determinar, desde logo, a absolvição da apelante.

ACRESCE QUE - Por aplicação do nº 2 do artigo 1045° do Código Civil, deverá também a sentença ser revogada na parte em que absolveu os AA. reconvindos e serem estes condenados no pagamento da indemnização devida pela mora na entrega do locado.

- Para tanto, atenda-se que o artigo 1053° do Código Civil estabelece que, verificada a caducidade (nomeadamente pela perda da coisa locada), o inquilino tem uma moratória de 3 meses para a restituição do prédio, a contar da “verificação do facto que determina a caducidade”.

- Razão pela qual, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1053° e 1045°, nº 2, ambos do Código Civil, os AA. reconvindos, ora apelados, deverão ser condenados no pagamento da diferença da renda paga e da renda devida (o dobro da contratualmente estipulada), desde o momento em que entraram em mora na entrega do locado, i. e., desde o mês de Janeiro de 1999 até à efectiva entrega do locado.

ASSIM -...

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