Acórdão nº 30/15.8TRLSB.S1-D de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelJÚLIO PEREIRA
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório 1.1 - AA, arguida nos autos supra identificados, em que é Assistente BB, veio nos termos do art. 43º/1, 3, 45º/1 b) do C.P.P., deduzir incidente de recusa, invocando para tal os seguintes fundamentos: 1.º Correm termos nesse Venerando Supremo Tribunal de Justiça os autos de Instrução nº 27/16.0YGLSB, na qual é Assistente a aqui arguida, AA (e outro) e arguido o aqui Assistente, BB.

  1. Nesses autos, o Exmo. Juiz Conselheiro, CC, a quem foram inicialmente distribuídos, solicitou escusa de intervir nos mesmos, nos termos do art.º 43.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, no pretérito dia 2 de Novembro de 2017, invocando os seguintes fundamentos (vide documento único, que se junta): “(…) o signatário já se cruzou, profissionalmente, duas vezes com o aqui denunciado, Dr. BB: a primeira vez, como Procurador da República no Círculo Judicial de ..., onde exerceu funções desde Setembro de 1993 até Julho de 2001, e onde conheceu o denunciado, que era então o Juiz de Círculo de .... Era o signatário que assegurava todo o serviço do Tribunal de Círculo, incluindo os julgamentos. Tal relacionamento profissional com o Dr. BB terminou na altura em que o mesmo foi promovido a Juiz ..., em finais da década de 1990 e, consequentemente deixou o Círculo de .... A segunda vez, na Relação de ..., onde o denunciado foi Juiz Desembargador em período que se situa na primeira metade da década de 2000 (a Relação de ... começou a laborar em Abril de 2002) e o signatário Procurador-Geral Adjunto (entre Setembro de 2002 e 2017).

    - O Trajeto entre ..., onde o depoente tinha residência, e ..., onde ambos trabalhavam, durante aquele período era feito pelos dois numa só viatura.

    - Durante esses períodos, que se estenderam ao longo de vários anos, estabeleceram-se, naturalmente, relações pessoais de proximidade e de amizade entre o denunciado e o signatário.

    - O signatário, por força das suas funções profissionais (Coordenador do M.P., da Relação de ... desde Março de 2010 até 2017), teve conhecimento do contencioso entre o denunciado e a queixosa Dra. AA, por força do qual corriam vários processos naquela Relação ( v.g. Proc 114/2.4TRPRT, e que é denunciante BB e denunciados a Dra. AA e seu marido, Dr. DD; proc. 5/13.1TRGMR, em que é denunciante o Dr. BB e denunciada a Dra. AA).

    - O referido contencioso está na base de recíprocos e diversos processos de índole criminal e disciplinar; - Também por virtude das relações pessoais e de amizade com o Dr. BB, o signatário já foi ouvido como testemunha em processos cuja matéria fáctica está directamente relacionada com a dos presentes autos, que é um desenvolvimento do mencionado contencioso; - Foi indicado, pelo arguido, Dr. BB, e ouvido como testemunha nos seguintes processos: processo nº 284/12.1TABGC-02 DIAP de Lisboa (queixoso Dr. BB e denunciados EE e Dr. DD); Processo nº 5/13.1TRGMR, no âmbito do pedido cível, (onde é referenciada matéria atinente aos processos nº 593/11.7PBBGC, 269/11 e 114/12.4TRPRT); Processo Disciplinar 85/2012, instruído pelo Sr. Conselheiro Santos Cabral, ouvido no dia 18/05/2012, por aquele Conselheiro, no Tribunal da Relação de ...” - realces nossos.

  2. Concluiu o Exmo. Escusante que, “(…) quer do ponto de vista subjectivo (relação de amizade), quer do ponto de vista objectivo (intervenção como testemunha em processos cuja matéria está relacionada com a dos presentes autos), a intervenção do signatário é susceptível de ser considerada suspeita e de levantar dúvidas sérias e graves sobre a sua imparcialidade ( cfr. nº1 do art. 43º do CPP), sendo fundamento de escusa nos termos do nº4 do referido normativo” - mesmo doc.º único.

  3. Como não poderia deixar de ser, tal pretensão foi atendida, tendo sido concedida escusa ao Requerente, considerando-se que: “perante os fundamentos de facto invocados como fundamento da escusa requerida, é de admitir a susceptibilidade, do ponto de vista do cidadão médio da comunidade onde se insere o julgador, face à motivação apresentada, de ocorrer desconfiança sobre a imparcialidade do Exmo. Conselheiro Requerente como juiz de Instrução no processo principal, tendo de admitir ou não admitir a abertura de instrução, realizar atos de instrução, presidir a debate instrutório e proferir decisão instrutória de pronúncia ou de não pronúncia. Concluindo, ocorre, pois, no caso concreto, da decorrência do multifacetado e prolongado relacionamento entre o arguido e o requerente, legítimo fundamento para a escusa requerida” (mesmo documento único) 5.º Teve a Recusante conhecimento, no passado dia 26 de Setembro de 2018, na sequência de deslocação do seu mandatário a esse Venerando Tribunal e consulta dos processos aí pendentes que, também estes autos de recurso foram distribuídos ao Exmo. Senhor Juiz Conselheiro, Dr. CC, que neles também solicitou a sua escusa, a qual, todavia, foi indeferida, por motivos que concretamente se desconhecem já que tal decisão nunca foi notificada à aqui Requerente, Arguida nos autos.

  4. Seja como for, os fundamentos que justificaram que fosse concedida a escusa naqueles autos de Instrução nº 27/16.0YGLSB – onde estava em causa a relevância criminal de um insulto gratuito protagonizado pelo aqui Assistente em nota de rodapé numa queixa que apresentou contra a aqui Arguida – devem fundamentar a recusa do mesmo nestes autos de Instrução nº 30/15.8TRLSB, no âmbito da qual se discute a relevância criminal de alguns segmentos do depoimento prestado pela aqui recusante numa acção cível em que é Ré/Reconvinte – Acção ordinária n.º 704/12.5TVLSB -, onde se discute, precisamente, a mesma matéria que foi discutida nos processos nos quais o recusante foi indicado como testemunha pelo aqui Assistente (processos nºs 284/12.1TABGC, 5/13.1TRGMR e Processo Disciplinar nº 85/2012-CSM).

  5. Também nestes autos – e até por maioria de razão – não pode deixar de se concluir que a relação de proximidade, que o próprio recusado qualificou como sendo de “amizade” e o conhecimento que assumiu ter dos contornos do contencioso entre a aqui arguida e o Assistente (que, além de advir do seu desempenho funcional, também advém, por certo, de conversas entre ambos havidas em período contemporâneo com o deflagrar do conflito e das intervenções processuais do recusado como testemunha, arrolada pelo aqui Assistente, em vários processos onde a aqui Arguida e o Assistente são parte e onde se discutem matérias conexas ou até mesmo iguais àquelas em discussão nestes autos) permite concluir que o Exmo. recusado - até porque conhece a versão que o Assistente lhe relatou, sem qualquer contraditório, no que respeita aos contornos do conflito que assume conhecer – não poderá reunir as condições subjectivas e objectivas de imparcialidade para apreciar os presentes autos.

  6. O que constituí motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do Exmo. Recusante, a quem cabe apreciar o recurso interposto pelo Assistente, decidindo, sem possibilidade de recuso, da sujeição ou não da aqui Arguida a julgamento.

  7. Com efeito, o artigo 43.º, do Código de Processo Penal, ao dispor sobre...

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