Acórdão nº 114/12.4TRPRT.S3 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Junho de 2018
Magistrado Responsável | SOUTO DE MOURA |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
AA, ..., juíza ..., nascida em ..., em ..., residente em ..., e BB, seu marido, advogado, nascido em ..., em ..., igualmente residente em ..., foram julgados no Tribunal da Relação de ..., em primeira instância, e absolvidos do crime de difamação agravada p. e p. pelos arts. 180 nº 1, 182, 184 e 132, nº 2, al. l), todos do CP, bem como do pedido cível de € 200 000, formulado pelo assistente nos autos, CC, juiz ..., por acórdão de 13/2/2017 (fls. 6 348 a 6 459). Desta decisão recorreram o assistente, solicitando a realização de audiência, bem como o Mº Pº.
O assistente interpôs ainda recurso, julgado extemporâneo, do despacho do Sr. Juiz ... Presidente do Colectivo, lavrado a 5/12/2016 (fls. 6 199), que transitou em julgado (fls. 6 496 e segs.), e do despacho do mesmo Sr. ..., de 23/1/2017 (fls. 6 304 e segs.), que foi recebido (fls. 6 304 e ainda 6 587). Também os arguidos interpuseram recurso subordinado do acórdão, em matéria de custas, o qual foi rejeitado.
A - FACTOS Deram-se por provados os seguintes factos: “1 - Em Novembro de 2010, a arguida AA exercia funções como Juiz ... no Círculo Judicial de ....
2 - É casada com o arguido BB, Advogado, com escritório na ....
3 - O assistente CC, é juiz ..., tendo tido o seguinte percurso profissional: a) - estagiário na comarca de ... de 29-9-1982 a 5-5-1983; - Tribunal da Comarca de ... de 6-5-1983 a 28-9-1984; - Tribunal da Comarca de ... de 29-9-1984 a 30-9-1985; - Tribunal da Comarca de ... (auxiliar) de 30-9-1985 a 30-9-1986; - 1º Juízo da Comarca de ... de 1-10-1986 a 9-9-1992; - Círculo de ... de 10-9-1992 a 14-9-1998; - Tribunal da Relação de ... (auxiliar) de 15-9-1998 a 14-9-2000; - Tribunal da Relação ... de 15-9-2000 a 13-9-2003; - Tribunal da Relação ... de 14-9-2003 a 31-3-2005; - Tribunal da Relação ... (auxiliar), de 1-4-2006 a 31-8-2006: - Tribunal da Relação ... de 1-9-2006 a 30-5-2010, regressando após comissão de serviço no CSM a 18-11-2011, onde se mantém em exercício de funções.
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em 1 de abril de 2005, quando exercia funções de juiz ... no Tribunal da Relação de ..., iniciou o gozo de uma licença sem vencimento de longa duração, que se prolongou até 31 de março de 2006.
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entre 31 de maio de 2010 e 18 de novembro de 2011 esteve em comissão de serviço como inspetor judicial do C.S.M.
Foi-lhe atribuída a 4ª área de Inspeção, que abrangia, entre outros, os seguintes tribunais: ... – Círculo; ... – Comarca; ... – Trabalho; ...; .../...; e ....
4 - Na sessão do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, realizada em 16.11.2010, face ao teor de uma informação elaborada pelo Inspetor Judicial, Sr. Dr. DD, tida por suscetível de configurar a prática, pela Arguida AA, da infração disciplinar prevista no n.º 10 do artigo 3.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, aplicável “ex vi” dos artigos 32.º e 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, foi deliberado instaurar processo disciplinar à identificada arguida.
5 - Na sequência daquela deliberação, por despacho de 12.01.2011 do Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, o ora Assistente, como Inspector Judicial, foi nomeado instrutor do processo disciplinar a que coube o registo n.º 333/2010.
6 - Realizada a instrução, em 13.03.2011, o Assistente deduziu acusação no processo n.º 333/2010 contra a ora Arguida AA, imputando-lhe, por violação do dever de correção, a prática de uma «infração disciplinar prevista e punida pelas disposições conjugadas dos art.ºs. 82.º, 87.º e 92.º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (E.M.J.), 3.º n.º 2, alínea h) e n.º 10, e art.º 16.º, alínea c) da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, ex vi do disposto nos art.ºs. 32.º e 131.º do E.M.J. - violação do dever de correção», que entendeu dever ser punida «com pena de multa, nunca inferior a 20 dias, atendendo a que agiu com negligência consciente, grave…».
7 - No decurso do processo disciplinar n.º 333/2010, o Assistente veio a apurar que determinada testemunha, o Juiz de Direito, Sr. Dr. EE, - que a Arguida AA arrolara como tendo ouvido o telefonema que ela fizera para o Inspetor Judicial, Sr. Dr. DD, cujo conteúdo era um dos objetos essenciais do processo disciplinar - havia prestado um depoimento que não correspondia à verdade, pois que, contrariamente ao que declarara no processo disciplinar e em diligência presidida pelo instrutor nomeado, não havia assistido ao referido telefonema.
8 - Por deliberação e iniciativa do Conselho Superior da Magistratura, aquela atuação (falsidade de testemunho), levou à instauração do processo disciplinar n.º 179/2011 PD e do inquérito criminal n.º 218/11.0TRPRT. (acrescentou-se “deliberação”, relativamente à redação da pronúncia) 9 - Tais processos tiveram os seguintes desfechos: 1. No âmbito da ação disciplinar (PD n.º 179/2011), por acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 11.10.2011, pela prática «de uma violação do dever de honestidade, p. e p. pelo art.º 82.º e 95.º/1 al. b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e art.º 3.º/2, al. g) e n.º 9, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei 58/2008 de 9 de Setembro) ex vi art.º 131.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais», foram condenados:
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A Arguida AA, na pena disciplinar de 100 dias de suspensão de exercício (art.º 89.º e 104.º do mesmo Estatuto); b) O Senhor Juiz de Direito EE, na pena disciplinar de 120 dias de suspensão de exercício (art.º 89.º e 104.º do mesmo Estatuto); 2. No identificado inquérito criminal (n.º 218/11.0TRPRT), em 03.10.2012, o Senhor Juiz ... EE foi acusado da prática de um crime de falsidade de testemunho da previsão do n.º 1 do artigo 360.º do Código Penal. Tendo requerido a instrução, encerrado o debate instrutório, foi proferida decisão de não pronúncia, que foi objeto de recurso do Ministério Público para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o recurso sido julgado improcedente.
10 - Depois de notificada a arguida AA da acusação disciplinar contra si deduzida no PD n.º 333/2010, mas antes da apresentação da sua defesa, o seu marido e advogado constituído, o Arguido BB, através do requerimento por si assinado que dirigiu, em 16.03.2011, ao instrutor do processo, o Assistente, informou-o – requerendo, em ordem à concretização dos seus propósitos, as pertinentes peças processuais –, nos seguintes termos: 1. «…ser sua intenção intentar ação de responsabilidade civil contra o Estado, no exercício da sua função administrativa, por atos praticados por V. Ex.ª. no âmbito dos presentes autos de procedimento disciplinar;»; 2. «…ser sua intenção deduzir incidente de suspeição de V. Ex.ª. para o exercício das funções de Instrutor no âmbito dos presentes autos de procedimento disciplinar;».
11 - Consta dos “factos apurados” do acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 10.04.2012, proferido no Processo Disciplinar 269/2011, que em 18.03.2011, a Arguida AA deslocou-se ao Tribunal Judicial da comarca de Amarante, onde o Assistente se encontrava em exercício de funções.
Mais consta dos “factos apurados” daquele acórdão que, tendo sido recebida pelo assistente, num encontro a sós, a arguida AA: a) declarou que se sentia responsável pela situação do seu colega (dr. FF), já que fora ela quem o arregimentou; Por isso propunha-se: b) desistir da impugnação do facto constante do telefonema; c) desistir da sua estratégia de defesa.
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Como contrapartida pedia que o sr. juiz EE não fosse perseguido disciplinarmente.
12 - A arguida, efetivamente, no dia 18-3-2011 deslocou-se ao Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde o assistente se encontrava em exercício de funções, tendo sido recebida pelo assistente num encontro a sós.
Nesse encontro os dois falaram sobre as consequências do facto do assistente ter apurado que a testemunha juiz EE não assistira ao telefonema feito pela arguida para o Inspetor Judicial DD.
Durante esse encontro a arguida AA não pediu ao assistente CC para retirar do PD 333/2010 quaisquer elementos, nomeadamente a notificação para o envio de uma certidão.
13 - De acordo com o anteriormente comunicado aos autos de processo disciplinar nº 333/2010, em 29.03.2011, o arguido BB, na qualidade de advogado da arguida AA, apresentou nesse Processo Disciplinar, o incidente de recusa do instrutor – que designou por «INCIDENTE DE SUSPEIÇÃO» – estribado nos fundamentos que foram titulados do modo e com os dizeres que se passam a transcrever: A. DA AUSÊNCIA DE GARANTIAS DE INTEGRIDADE E AUTENTICIDADE DOS AUTOS E DOS INDÍCIOS DE MANIPULAÇÃO DOS TERMOS E ACTOS PROCESSUAIS; B. DA ARREVESADA CONCEPÇÃO DO EXMO INSTRUTOR ACERCA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DA ARGUIDA; C. DO ESTADO DE NECESSIDADE DA ARGUIDA, CRIADO POR AQUELA INVERSÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA; D. DA TENTATIVA DE CONDICIONAR A ARGUIDA NA SUA DEFESA, por via da ameaça de consequências criminais e disciplinares para uma das testemunhas de defesa; E. DA CONCERTAÇÃO DE ESFORÇOS ENTRE O INSTRUTOR E O PARTICIPANTE, em ordem a atingir um objectivo que transcende as finalidades do próprio processo disciplinar; F. DO EFEITO DE CONTÁGIO PROVOCADO POR AQUELA CONCERTAÇÃO; G. DA MANIPULAÇÃO DO OBJECTO DO PROCESSO, PELO EXMO INSTRUTOR; H. DAS ABERRAÇÕES JURÍDICAS QUE OS AUTOS OSTENTAM; 1. DO ANÚNCIO DA SEGUNDA ACUSAÇÃO, LOGO NO DESPACHO QUE ANULOU A PRIMEIRA; 2. DEDUÇÃO DE SEGUNDA ACUSAÇÃO, ANTES DO RESULTADO DAS DILIGÊNCIAS OFICIOSAS QUE O PRÓPRIO INSTRUTOR DETERMINOU; 3. A CONSIGNAÇÃO NOS AUTOS DE UMA CONVERSA SOLICITADA E AUTORIZADA, A TÍTULO PARTICULAR; 4. Subsunção jurídica.
14 - Por considerar que o requerimento de recusa continha afirmações ofensivas da sua honra e consideração, por despacho proferido a 09.04.2011 no referido Processo Disciplinar 333/2010, «a fim de apresentar participação disciplinar e criminal contra a Arguida e seu Ilustre Mandatário», o Assistente ordenou que fossem extraídas e lhe fossem entregues 4 certidões das peças processuais que indicou.
15 - Em 10 de abril de 2011, o assistente deduziu pedido de escusa de...
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