Acórdão nº 00917/13.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelPedro Vergueiro
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 25-01-2018, que julgou procedente a pretensão deduzida por KMGP na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação de IRS e juros compensatórios do exercício de 2009, no valor de 30.022,11 €.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 366 a 370) nas quais enuncia as seguintes conclusões: “(…) 1 - Nos presentes autos está em causa a liquidação de IRS e juros compensatórios, do ano de 2009, efetuada em resultado da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.° 2 do art.° 38° da LGT, bem como da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), esta por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas (CIRS), com os fundamentos, de facto e de direito, explicitados no Relatório de Inspeção Tributária; 2 - No entanto, o Mm.° Juiz do Tribunal a quo julgou totalmente procedente a impugnação, nos autos identificados supra, determinando a anulação da liquidação em análise, com fundamento no facto de não se verificarem os pressupostos legais para aplicação da cláusula antiabuso, tal como foi aplicada pela Administração tributária; 3 - Com todo o respeito pela douta decisão, que é muito, entende esta RFP que sendo a sentença proferida pelo Mm.° Juiz do Tribunal a quo completamente omissa relativamente à apreciação da validade da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do CIRS, colocada em causa, estamos perante uma situação de omissão de pronúncia, que ocorre quando o tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver ou que deve apreciar, e que determina a nulidade da sentença proferida, nos termos do art.° 615°, n.° 1, al. d) do Código de Processo Civil, o que expressamente se invoca no presente recurso; 4 - Entende esta RFP, ainda, que existiu erro na interpretação efetuada pelo Mm.° Juiz, na análise efetuada ao art.° 38°, n.° 2 da Lei Geral Tributária, e que conduziu à decisão por tal procedência; 5 - A procedência da impugnação fundou-se no facto de não se verificarem os pressupostos legais para aplicação da cláusula antiabuso por, no entender do Mm.° Juiz do Tribunal a quo, "da prova aqui efetuada, tornou-se patente que a constituição da SGPS aqui em causa teve objetivos lícitos (...) Acresce que dos autos, não resultou que a SGPS (...) e atento os pressupostos de aplicação da cláusula anti-abuso referidos na doutrina enunciada, podemos concluir que inexiste aqui o elemento «meio»"; 6 - No entanto, e tendo em vista a aplicação da cláusula geral antiabuso, prevista no n.° 2 do art.° 38° da LGT, e da aplicação da medida antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, esta por remissão da al. b) do n.° 9 do art.° 10° do CIRS, não foi relevada qualquer consideração de que a constituição da SGPS se consubstanciasse num negócio elaboradamente artificioso e pelo qual se pretendesse ocultar outro ou outros negócios ou atos jurídicos efetivamente pretendidos, ou que esta constituição tivesse em vista objetivos não lícitos; 7 - Efetivamente, e muito resumidamente, poderemos dizer que a AT entendeu que as operações descritas no sobredito enquadramento, nomeadamente a transformação da forma societária das cinco sociedades, de sociedades por quotas em sociedades anónimas, e a sua posterior transmissão, através de uma permuta de participações sociais, visaram essencialmente evitar que as mais-valias realizadas pela impugnante, ora recorrida, na transmissão dessas participações fossem efetivamente tributadas em sede de IRS; 8 - Pois, com estas transformações societárias procurou-se a não tributação destas transmissões, por força do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 10° do CIRS, que excluía de tributação as mais-valias provenientes da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, isenção esta que não era aplicável às mais-valias realizadas na transmissão de quotas; 9 - Entendeu-se que foi igualmente com esse intuito, que a ora recorrida optou por transmitir as participações nas cinco sociedades acima identificadas via o aumento do capital da adquirente, a PSGPS, SA, realizando-o mediante entrada em espécie dessas ações, o que permitiu caracterizar essa operação com uma permuta de partes sociais abrangida pelo regime de neutralidade fiscal e assim de excluir de tributação as mais-valias realizadas na transmissão das sociedades cujas ações não tinham sido detidas há mais de 12 meses; 10 - E assim sendo, a AT, na convicção de que as operações realizadas, no seu conjunto, são abusivas, recorreu a duas normas antiabuso que lhe permitiram contrariar os efeitos fiscais normais da transformação da forma societária e a subsequente permuta das partes sociais realizada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal, desconsiderando, para efeitos fiscais, a referida transformação da forma jurídica das sociedades, ao abrigo do disposto no art.° 38°, n.° 2 da LGT, e, ao abrigo da norma antiabuso prevista no n.° 10 do art.° 73° do CIRC, a AT afastou os efeitos do diferimento de tributação previsto para as operações de permuta de partes sociais realizadas sob o regime de neutralidade fiscal, estabelecido nos artigos 73° e seguintes do CIRC; 11 - Atenta a factualidade apurada, não poderia ser retirada outra conclusão, senão a de que as operações desenvolvidas de alteração da natureza jurídica das sociedades, seguidas das transmissões de todas as participações sociais para a sociedade PSGPS, SA, foram manifestamente artificiais e abusivas, permitindo obter um resultado que, não obstante a sua conformidade com a letra da lei, é, no entanto, desconforme com o seu espírito, e visando, primordialmente, a obtenção duma mais-valia não sujeita a tributação; 12 - Nestes termos, será de concluir que a atuação da AT foi conforme à lei, justificando-se, assim, a manutenção da liquidação efetuada em resultado da autorização para aplicação da cláusula geral antiabuso (n.° 2 art.° 38.° da LGT), bem como da aplicação da medida antiabuso (n.° 10 do art.° 73.° do CIRC) cujos factos apurados se encontram expostos no relatório da ação inspetiva; Nestes termos e com o douto suprimento de V." Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença recorrida declarada nula, ou revogada, assim se fazendo JUSTIÇA”*A recorrida KMGP apresentou contra-alegações (cfr. fls. 373 a 425), nas quais enuncia as seguintes conclusões: “(…)

  1. No caso sub judice, apesar de ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, não é possível proceder à requerida reapreciação, uma vez que a recorrente, nas conclusões do recurso, não especificou quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que foram mal interpretados e que, em sua opinião, impunham, em relação a esses pontos, uma decisão diferente da que foi tomada, nem indicou onde se localizam, nessa gravação o início e o termo de cada um dos depoimentos a reapreciar e que, em seu entender, impunham a alteração da referida decisão.

  2. Tratando-se de gravação digital, a Recorrente não estava impossibilitada de fazer uma identificação precisa e separada dos depoimentos e de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, nos termos do nº 2 do art. 585º-B.

  3. Não o tendo feito, nem procedido à respectiva transcrição, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com esse fundamento, deve ser rejeitada de imediato.

  4. Acresce: contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão. De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (cfr. artº 653, nº 2, do CPC).

  5. Nessa perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

  6. A decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida deve, assim, manter-se inalterada, tal como foi decidida pela 1ª instância.

  7. Cabe à AT, tanto no recurso administrativo como na impugnação junto dos Tribunais, o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do acto de liquidação oficiosa, seja por correcções técnicas ou por métodos indiciários e presuntivos.

  8. A denominada "step transaction doctrine", teoria construída nos ordenamentos anglo-saxónicos e em que a Autoridade Tributária e Aduaneira alicerça a sua argumentação, consiste na consideração do conjunto complexo de actos ou negócios jurídicos que surgem numa arquitectura global, planeada, composta por actos ou negócios jurídicos preparatórios e complementares, para além do acto ou negócio...

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