Acórdão nº 5757/11.0TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, menor, representada por sua mãe BB, intentou a presente acção declarativa de condenação contra CC, DD, LDA, e EE.

Pediu a condenação solidária dos Réus a: a) Indemnizarem o falecido FF, na pessoa da Autora, enquanto representante legal da sua filha e única herdeira, no montante de € 70.000,00 (setenta mil euros), pelo dano de supressão do direito à vida e de € 20.000,00 (vinte mil euros) pelos danos morais decorrentes do sofrimento e agonia que antecederam a sua morte; b) Indemnizarem a AA no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por danos não patrimoniais passados, presentes e futuros, decorrentes da morte do seu pai; c) Indemnizarem a AA no montante de € 91.832,88 (noventa e um mil, oitocentos e trinta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), quantia que a Iara receberia do seu pai até completar os estudos universitários, e na qual se computam também despesas extraordinárias expectáveis, que habitualmente são tidas em conta à margem da pensão de alimentos; d) Pagarem os juros de mora incidentes sobre a quantia total reclamada, contados desde a citação.

Como fundamento, alegou que: é filha única de FF que foi vítima de homicídio doloso perpetrado pelo Réu CC, tendo este já sido condenado por decisão transitada em julgado na pena de 17 anos de prisão; esse crime foi perpetrado pelo Réu CC, quando ele e o DDD se encontravam no interior da discoteca DD, utilizando aquele uma navalha; essa navalha foi levada pelo Réu CC ou por outrem a seu mando para o interior daquele estabelecimento; o Réu DD não tinha accionados os dispositivos legais devidos ou não estavam em perfeito funcionamento, posto que, doutro modo, o Réu CC ou outrem não teriam conseguido penetrar no interior do estabelecimento com a referida arma e o crime não teria sido cometido; o 3.º Réu EE era o sócio gerente da sociedade que explora a discoteca, recaindo sobre ele a obrigação de dotá-la dos mecanismos de segurança previstos na lei, sendo pessoalmente responsável, como determina o Decreto-Lei n.º 101/2008, de 16.06.

Os Réus DD e EE apresentaram contestação conjunta, na qual, com excepção do sinistro, impugnaram a factualidade alegada, acrescentando que o estabelecimento dispunha do sistema de segurança privada, desenvolvido pela prestadora de serviços GG, Lda, onde era utilizada raquete de detecção de metais, cumprindo as normas regulamentares aplicáveis, tendo o Réu CC sido sujeito a revista.

Deduziram o incidente de intervenção da sociedade GG, Lda, por ter com ela celebrado o contrato de prestação de serviços de segurança, bem como da HH, SA, na qualidade de empresa seguradora da Ré.

O Réu CC contestou, impugnando que existisse entre a filha e o falecido uma relação de íntima convivência e que aquele tivesse expectativas de melhorar a sua condição salarial. Bem assim, questionou que a Autora tenha tido a noção da morte do pai e que a obrigação de alimentos perdure para lá da maioridade.

A Autora apresentou réplica.

Foi admitida a intervenção principal das sociedades GG, LDA e HH, SA.

A "HH" apresentou contestação, na qual aceitou a celebração dum contrato de seguro com a sociedade Ré DD, Lda, do ramo riscos múltiplos Protecção Total do Negócio, sendo o valor máximo garantido pela apólice de € 150.000,00. No entanto, quanto à cobertura de responsabilidade civil, acrescentou que o limite de indemnização ascende a 10% do capital da apólice, estando prevista uma franquia de 10% nos danos materiais com o mínimo de € 74,82. Para além disso, sustentou que o acto praticado não está coberto pelo seguro, pois que não decorreu da exploração normal do estabelecimento, não cobrindo aquele, ademais, a responsabilidade criminal, nem os danos não patrimoniais. Subsidiariamente, impugnou a matéria factual alegada na petição inicial.

A sociedade "GG" contestou, alegando que os seus funcionários usavam a raquete de detecção de metais, tendo sido revistado o Réu CC à entrada do estabelecimento. Após a entrada, os clientes do estabelecimento deixam de ser controlados pela Interveniente, pois os serviços não foram contratados para a área onde se servem refeições e existem, por conseguinte, objectos cortantes.

Os Réus "DD" e EE e a autora responderam às referidas contestações.

Após a realização duma audiência preliminar, vieram II e JJ deduzir o incidente de intervenção espontânea, com o argumento de, por serem pais do falecido, são titulares do direito a ser indemnizados pelos danos não patrimoniais causados pela morte de seu filho Repristinaram a factualidade invocada na petição inicial pela filha do falecido, quer quanto à descrição do evento causador da morte, quer quanto à ausência de dispositivos de segurança de detecção de metais, a permitir a entrada do Réu CC com a arma que vitimaria o pai da Autora, formulando o pedido contra os primitivos Réus e as Intervenientes HH e GG.

Para além disso, deduziram o incidente de intervenção principal da sociedade KK, Lda, e respectivas seguradoras. Sustentaram, nesse particular, que um dos seguranças tinha vínculo contratual com esta Interveniente, tendo sido por omissão dos deveres de vigilância que o Réu CC penetrou no interior com a arma e se verificou o homicídio.

Pediram, em consequência, a condenação solidária dos Réus e Intervenientes no pagamento da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros).

Os Réus "DD " e EE apresentaram contestação contra o conteúdo do pedido formulado pelos Intervenientes pais, com os argumentos que já haviam invocado perante a Autora A Ré "HH" impugnou a legitimidade dos Intervenientes pais para a dedução do pedido, pois que, nos termos do artigo 496º do Código Civil, a titularidade do direito aí consagrado só lhes caberia no caso de inexistirem descendentes.

Quanto ao mais, a Ré HH reproduziu os fundamentos que já havia invocado na sua primitiva contestação.

Os Intervenientes/pais apresentaram articulado, que denominaram de réplica, onde se pronunciaram sobre as excepções arguidas pelas Rés e Intervenientes primitivas.

Foi admitida a intervenção espontânea, como associados da Autora, de II e JJ, e a intervenção principal, como associada dos Réus, da KK – …, LDA.

A KK – …, L.da, apresentou contestação, em que sustentou a sua ilegitimidade, por inexistir qualquer relação contratual entre a Interveniente e os Réus DD, Lda e EE. Disse ainda que LL era seu trabalhador, mas não prestava serviços ao Bar DD. Impugnou, subsidiariamente, a factualidade alegada e, por cautela, chamou à demanda a sua seguradora MM, SA.

Responderam a Autora e os Intervenientes pais à referida contestação.

Por falecimento de II, foram habilitadas, como suas sucessoras JJ, NN e a Autora.

Foi admitida a intervenção de OO, SA (que incorporou, por fusão, a MM, SA) que veio contestar, alegando que o seguro não abrange os danos decorrentes do evento, pois este não decorre, segundo sustenta, da actividade de segurança privada. Para além do mais, o trabalhador da KK, Lda., não se encontrava ao seu serviço quando estava no Bar DD. Impugnou, por fim, a factualidade que sustenta a acção.

A Autora e as Intervenientes responderam a esta contestação.

Já após o saneador, foi admitida a intervenção da PP, LDA com quem a GG, Lda celebrou contrato de seguro.

A PP, SA apresentou contestação, na qual sustentou que a morte do pai da Autora não pode ser imputada a qualquer actuação dos funcionários da GG; que os pais do falecido carecem de legitimidade substantiva para a dedução de pedido indemnizatório, dado que ele cabe unicamente à filha; que o Réu CC foi objecto de revista à entrada do estabelecimento; que o limite do capital seguro era de € 250.000,00.

A Autora e os Interveniente apresentaram articulados de réplica.

Realizado o julgamento foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência: 1. Condeno o Réu CC a pagar à Autora AA: a. A quantia indemnizatória de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, vencendo juros à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de posterior alteração legislativa; b. A quantia indemnizatória de € 80.000,00 (oitenta mil euros), a título de danos patrimoniais, vencendo juros, à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de posterior alteração legislativa.

  1. Absolvo o Réu CC do restante peticionado contra ele pela Autora e pelos Intervenientes pais; 3. Absolvo os Réus DD, Lda., EE, e as Intervenientes passivas dos pedidos contra eles formulados pela Autora e pelos Intervenientes pais.

    Inconformadas, a autora AA e as intervenientes JJ e NN apresentaram recursos de apelação, que a Relação decidiu nestes termos: Pelo exposto, na parcial procedência da apelação interposta pela Recorrente AA e na improcedência da apelação interposta pelas Intervenientes, acordam os juízes desta Relação em, mantendo a decisão relativa às Intervenientes/Recorrentes, revogar a decisão recorrida na parte correspondente ao primeiro dos aludidos recursos, decidindo, consequentemente: 1. Condenar os Réus DD e EE, em solidariedade com o já condenado Réu CC, a pagar à Autora AA: a. A quantia indemnizatória de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, vencendo juros à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de posterior alteração legislativa; b. A quantia indemnizatória de € 80.000,00 (oitenta mil euros), a título de danos patrimoniais, vencendo juros, à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de posterior alteração legislativa.

  2. Absolver os Réus DD, Lda. e EE do restante contra eles peticionado pela Autora; 3. Condenar a Interveniente HH, em solidariedade com os Réus, a pagar à Autora AA a indemnização fixada, até ao limite de 15.000 €, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento, sem prejuízo de posterior alteração...

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