Acórdão nº 396/16.2PBSXL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelCLEMENTE LIMA
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, precedendo conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, AA, filho de ... e de ..., [...], agora submetido à medida de coacção de prisão preventiva, e detido no Estabelecimento Prisional Regional de ..., foi acusado, pelo Ministério Público, da prática de factos consubstanciadores de «- 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e 2, alíneas e) e h), do Código Penal, em autoria material; - 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, n.º 1, e 145º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea h), do Código Penal, em co-autoria material; - 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, n.º 1, e 145º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea h), do Código Penal, em autoria material; e - 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006 de 23/02, em autoria material.» 2 – A assistente, «BB, em nome próprio e em representação da sua filha menor, deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido peticionando a condenação deste no pagamento da quantia total de €436.000,00 (quatrocentos e trinta e seis mil euros), relativos a €100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano morte (onde inclui o sofrimento da vitima e os danos morais sofridos pela demandante e pela sua filha) e €336.000,00 (trezentos e trinta e seis mil euros) a título de danos patrimoniais (na modalidade de lucros cessantes), sofridos em consequência da conduta do arguido.» 3 – Precedendo audiência de julgamento, os Mm.os Juízes do Tribunal recorrido, por acórdão de 15 de Maio de 2018, decidiram nos seguintes termos: «Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo, em julgar parcialmente procedente a acusação pública e o pedido de indemnização civil e, em consequência:

  1. Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal.

  2. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio agravado, previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, e artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) e nº 3, da Lei nº 5/2006 de 23/02, na pena de 14 (catorze) anos de prisão.

    c) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea a) e nº 2, 132º, nº 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

  3. Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

    e) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

    f) Condenar o arguido AA em taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC, e nas custas do processo.

  4. Condenar o demandado AA no pagamento às demandantes das seguintes quantias: - À demandante BB a quantia total de €105.000,00 (cento e cinco mil euros); e - À Demandante CC da quantia total de €98.750,00 (noventa e oito mil setecentos e cinquenta euros).

  5. Custas do pedido cível a cargo da demandante e do demandado, na proporção do decaimento (artigo 523º do Código de Processo Penal e artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à demandante a fls. 731 a 733.» 4 – O arguido interpôs recurso daquele acórdão.

    Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1 – O Douto Acórdão condenatório de que ora se recorre condena o arguido pela prática do crime de homicídio agravado p. e p. pelo art.º 131.º do CP e 86.º n.º 1 als c) e d) e n.º 3 da lei 5/2006 de 23/02, na pena de 14 anos de prisão; pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. 143.º n.º 1 e 145.º n.º 1, al. a) e n.º 2 e 132.º n.º 2 al. h); na pena de 1 ano e 4 meses de prisão; pelo crime de detenção de arma proibida p. e p. 86.º n.º 1 al. c) da Lei 5/2006 de 23/02 na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; operando o cúmulo na pena única de 15 anos de prisão.

    1 – Resumidamente o Douto Acórdão dá como provado que o arguido “5 - A certa altura surge o arguido, oriundo do interior da discoteca, onde nesse dia estava a exercer as funções de segurança, e de imediato perseguiu DD em passo de corrida, empunhando uma pistola de características não concretamente apuradas, mas municiada com um projéctil de calibre 7,65mm Browning (.32 ACP ou .32 Auto), apontou na direcção deste, premiu o gatilho e efectuou um disparo com essa arma na direcção de DD, atingindo-o com o projéctil de calibre 7,65mm Browning na região dorsal esquerda, no quarto espaço intercostal.

    6 - Logo de seguida, o arguido voltou em passo de corrida para junto do EE, que permanecia caído no solo, e efectuou um disparo com a mesma arma na direcção do mesmo, atingindo-o no joelho direito.(…) 11 - O arguido ao agir do modo descrito em 5) e mediante o uso de uma arma de fogo de calibre 7,65mm Browning (instrumento perfurocontundente), agiu com o propósito concretizado de tirar a vida a DD, de o atingir no seu corpo, nomeadamente na zona do tórax que aloja órgãos vitais, zona para a qual direccionou o disparo, e, assim, lhe tirar a vida, o que quis e concretizou.

    12 - O arguido agiu, igualmente, com o propósito concretizado de molestar a integridade física de EE, conhecendo as características do objecto que usou para efectuar o disparo e o atingir, designadamente pela capacidade perfuro-contundente e de lhe diminuir a capacidade de defesa, bem como sabia tratar-se de objecto susceptível de lhe conferir superioridade e de lhe garantir maior eficácia no resultado, o que alcançou.

    13 - O arguido não era titular de licença de uso e porte de arma, não obstante agiu com a intenção de usar a pistola e as respectivas munições para os fins descritos, conhecedor das características desta arma e das munições que deflagrou e que não podia detê-las sem licença.

    14 - O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.” 2 – Com o presente recurso pretende-se unicamente discutir a dosimetria das penas aplicadas ao ora arguido, entendendo-se as mesmas excessivas face ao que se deu como provado no Douto Acórdão condenatório.

    3 – Cumpre aqui dizer que, entendemos que o arguido não deveria ter sido condenado, porquanto a prova efetuada em sede de audiência de julgamento não permitia a condenação do mesmo.

    4 - No entanto e por dever de patrocínio, impera que façamos o que o nosso constituinte nos solicita, pelo que, o presente visa apenas e tão só, requer a redução da pena aplicada ao recorrente.

    5 - É sabido que «só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas.

    6 - A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena.

    7 - Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.

    8 - Mas «em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa» (princípio da culpa), «princípio que não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal.

    9 - A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização».

    10 - No caso, as exigências (art.º 40.º n.º 1 do CP) de «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida» - na consideração, além do mais, de que o arguido, ao disparar na direcção do ofendido DD, atingindo-o mortalmente, remete para uma «moldura de prevenção» (não contrariada pelo «princípio da culpa», sendo certo que o arguido agiu com dolo eventual de morte.

    11 - Neste espaço - de incidência da «ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» - é que haverá que, enfim, individualizar/concretizar a pena.

    12 - Ora, neste contexto, a idade do arguido, todo o seu percurso sócioprofissional, e a primariedade do mesmo.

    13 - A circunstância de ter uma companheira e 3 filhos a seu cargo, sendo um recém-nascido.

    14 - A circunstância de, antes de preso, sempre ter trabalhado e de ter sido este, livremente a entregar-se às autoridades policiais, quando soube que o procuravam.

    15 - A circunstância de o arguido já ter «adiantado», durante o tempo que se prolongou a sua prisão preventiva, a sua «pena», concitam que a vertente ressocializadora das penas conduza à fixação da pena por homicídio, se fixe muito próximo do mínimo daquela «moldura de prevenção» («onze anos de prisão»).

    16 - Assim, a questão da medida da pena pelo homicídio deverá ser apreciada no quadro da qualificação jurídica operada e que se deve manter, ou seja, com referência à moldura abstracta de prisão de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses.

    17-Tendo em conta que no que concerne à questão da “medida da pena”, as finalidades da punição, quer dizer, as...

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