Acórdão nº 414/07.5TBALR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA[1] e BB intentaram a presente ação contra CC[2] e mulher, DD, EE e marido, FF, e GG e marido, HH[3], pedindo: - a declaração de nulidade da escritura pública de justificação notarial outorgada em 08.03.2007, reconhecendo-se que os autores são os únicos e exclusivos proprietários do prédio urbano composto de dois alpendres e logradouro com 749,71 m2, sito na Rua Marechal …, nº …, em …, omisso na Conservatória do Registo Predial de … e inscrito na matriz em nome dos justificantes sob o artigo 8538, como parte integrante do seu prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 02028, e inscrito na matriz sob o artigo 832 da freguesia de ...; - a condenação dos réus a fecharem o muro que divide as duas propriedades.

Alegaram, em síntese, que os réus outorgaram em 08.03.2007 uma escritura de justificação, declarando serem os únicos donos e possuidores do prédio justificado, que é contíguo ao prédio que lhes foi doado por sua tia NN, já falecida, que o havia adquirido por doação verbal de OO, também já falecida, conforme escritura de justificação outorgada em 12.09.1997, juntamente com a parcela de terreno de 749,71 m2, destinada a logradouro, área que foi sempre usufruída desde 1961 pelos justificantes, sendo eles quem sobre tal área exercem a posse, desde há mais de 20 anos.

Ao contrário do que declararam na escritura, os réus são apenas proprietários do prédio inscrito na matriz sob o artigo 8537 (anterior 853), prédio que não tem, nem nunca teve qualquer logradouro, para além do que se encontra contíguo à casa e se mostra delimitado por um muro de alvenaria. Tal prédio confronta com o prédio dos AA., descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 02028 e inscrito na matriz sob o artigo 832, composto de casa de habitação e logradouro com a área de 5.682 m2. A área que os réus pretendem justificar faz parte do seu prédio e sempre foi por si usufruída e pelos seus antecessores, os seus pais PP e QQ, ambos já falecidos.

Os réus contestaram.

Alegaram, em síntese, que o muro existente nas traseiras da casa dos réus foi criado pelos autores no início do ano 2007. Nas traseiras do prédio destinado a habitação, sito na R. Marechal …, nº …, em …, existe um muro antigo com um pequeno portão, que dá acesso ao prédio em litígio, ao logradouro e alpendres, que sempre foram utilizados pelos moradores do prédio de habitação; que a mãe dos autores sempre reconheceu que o prédio composto pelo logradouro e pelos alpendres era de NN, tia dos réus, que as duas regadeiras nele existentes eram as extremas com o prédio dos autores e que as roseiras existentes junto a essas regadeiras ainda faziam parte do terreno de NN, ao qual se acedia pela serventia do portão do prédio dos autores; que NN, desde há mais de vinte anos, sempre usou esse terreno, pagando a manutenção dos alpendres e mandando podar as árvores existentes no logradouro; que os primitivos possuidores foram RR e mulher, SS, e TT, a que sucedeu OO, sucedendo-lhe depois a tia dos réus NN, por força do testamento daquela OO, deixando-lhe o prédio de habitação, o jardim e ainda um bocado de quintal, que corresponde ao prédio justificado.

Houve resposta dos autores.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu os réus do pedido.

Em apreciação de recurso de apelação interposto pelos autores, veio o Tribunal da Relação de … a proferir acórdão que, revogando a sentença, determinou “a ineficácia da escritura de justificação notarial outorgada 08/03/2007 pelos Recorridos no Cartório Notarial de UU, sito em …, com o consequente cancelamento do registo predial levado a cabo a partir dela.” Os réus, inconformados, interpuseram o presente recurso de revista, formulando as conclusões que passamos a transcrever: 1. No acórdão objecto da presente revista decidiu-se pela procedência do recurso, considerando que cabia aos RR.

S na acção de impugnação da escritura de justificação notarial em questão, o ónus de provar os factos que teriam levado à aquisição do direito de propriedade (por usucapião) sobre o prédio objecto dos autos, coisa que não teriam logrado fazer.

  1. Da base instrutória oportunamente elaborada nos autos não constam quaisquer factos essenciais directamente referentes à posse dos RR. sobre aquele prédio, posse boa para usucapião a favor deles, pelo que nunca poderiam ser dados como provados tais factos.

  2. Da contestação dos RR., em tal matéria, apenas consta o alegado nos arts. 57.°, 70.°, 71,° e 72.° daquela peça processual, o que corresponde a uma imperfeita alegação dos factos, de forma conclusiva e carecendo de concretização, dos factos materiais que permitissem, se provados, concluir pela aquisição por usucapião a favor dos RR. e assim pela eventual procedência da sua pretensão.

  3. Do art. 590.°,4 do C.P.C. resulta que era dever do julgador, em ordem à demanda da verdade material sobreposta aos excessivos formalismos, intervir activamente nestas circunstâncias, convidando os RR. a aperfeiçoar a sua contestação alegando os factos materiais necessários para suportar as conclusões que apresentaram nos arts, 57,°, 70.°, 71.° e 72,° daquela peça processual e assim a aquisição por usucapião que invocavam.

  4. Este dever, salvo o devido respeito, impunha-se também ao Tribunal a quo, embora Tribunal de recurso, que em vez de julgar procedente o recurso interposto pelos ora Recorridos deveria sim ter revogado a sentença proferida pela l.

    a Instância na parte em que se refere à posse exercida pelos RR. sobre o prédio objecto dos autos e portanto à usucapião a favor destes, substituindo-a nessa parte por convite aos RR. para aperfeiçoarem a contestação oportunamente apresentada, alegando os factos materiais necessários para suportar as conclusões que apresentaram nos arts. 57.°, 70.°, 71.° e 72.° daquela peça processual e assim a aquisição por usucapião que invocam e podendo requerer as provas referentes a tais factos, seguindo-se nessa parte os demais termos até final, com contraditório pelos Recorridos e eventual produção de prova com realização de audiência final (cfr. art. 590.°, 4 e 5 do C.P.C). Deveria além do mais ter-se levado em conta que os factos em questão foram referidos em depoimentos prestados na audiência final conforme supra explanado (« No seu depoimento registado na sessão da audiência de 9/1/2017 das 10h.50m.09s. às 11h.29m.45s., GG (uma das RR.) refere que nós utilizávamos o terreno, que eu utilizava o terreno, que a sua tia NN faleceu há uns 19 ou 20 anos, ou seja entre 1998 e 1999, levando em conta que em 1997 comprovadamente ainda estava viva conforme resulta do Doe. 1 junto à réplica dos Apelantes (cfr. as passagens de tal depoimento registadas dos 2m.2s. aos 2m.21s.

    y dos 4m.58s. aos 5m,20s. e dos 33m.37s. aos 35m.30s.) e «No seu depoimento registado na sessão da audiência de 14/11/2016 das 16h.29m.t0s. às I6h,54m.l7s,, a testemunha VV refere que depois da morte da NN, acto contínuo, a cunhada (a GG) e o irmão é que ficaram a amanhar e cuidar o terreno, fazendo o que podiam e pagando a terceiros para o fazerem quanto àquilo que não podiam fazer (cfr. a passagem de tal depoimento registada dos 11m. aos 12m. 16s.).»).

    Para lá de também a eles se referir o Doc, 19 junto pelos RR à sua contestação: era manifesto que havia uma verdade material a apurar para lá dos factos vertidos na base instrutória, 6. No sentido do alegado na conclusão 5 supra confiram-se os seguintes arestos de Tribunais Superiores (todos disponíveis em www.dgsi.pt): da Relação de … proferido em 15-05-2014 no processo n.° 26903/13. 4T2SNT.

    Ll-2 e da Relação …, um proferido em 26-02-2015 no processo n.° 5807/1 3.6TBMTS.P1 e outro em 30-04-2015 no processo n.° 5800/13.9T8MTS.P1, bem como a doutrina naqueles arestos citada.

  5. Uma vez que a Digníssima Relação não procedeu nos termos referidos nas conclusões 4 a 6 supra, o acórdão ora recorrido padece de nulidade que aqui se vem arguir, uma vez que o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões de que deveria ter tomado conhecimento nos termos do art 590,°, 4 do C.P.C., nulidade essa resultante do art. 615.°, l, d), primeira parte do C.P.C., ou quando assim não se entenda resultante sim da segunda parte da alínea d) daquela mesma disposição (seguindo-se em tal caso a tese de Miguel Teixeira de Sousa: o Tribunal a quo conheceu de questões de que não deveria ter tomado conhecimento sem o prévio convite para aperfeiçoamento da peça processual em questão).

  6. Deverá pois ser declarada a nulidade do acórdão recorrido, mandando-se baixar o processo para se fazer a reforma da decisão anulada nos termos do art. 684.°, 2 do C.P.C, ou, caso se siga o entendimento de Miguel Teixeira de Sousa acima explanado, modificando a decisão nos termos do art. 684.° C.P.C., em qualquer caso no sentido de ser feito aos RR. convite para, em 10 dias após o trânsito da respectiva decisão, aperfeiçoarem a contestação oportunamente apresentada, alegando os factos materiais necessários para suportar as conclusões que apresentaram nos arts. 57.°, 70.°, 71.° e 72.° daquela peça processual e assim a aquisição por usucapião que invocam, seguindo-se os demais termos até final, com o que se fará JUSTIÇA! Contra-alegando, os autores formularam, por seu turno, as conclusões que passamos a transcrever: 1a- Os presentes autos tiveram início no dia 1/5/2007, data da recepção da Petição Inicial na Secretaria.

    2a- Estiveram sujeitos às normas do Código do Processo Civil aprovado pelo DL. 44.129, de 28 de Dezembro de 1961 em vigor até 1/9/2013.

    3a- Até 1/9/2013 o Juiz detinha uma mera faculdade de convidar as partes a aperfeiçoar os articulados, não tendo um poder-dever de convidar ao aperfeiçoamento da matéria de facto alegada, como actualmente.

    4a- Nos presentes autos, à fase do Saneamento hão-de ser aplicadas as normas então em vigor, nomeadamente, a do n° 3 do art.° 508° do CPC61.

    5a- De acordo com esta norma...

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