Acórdão nº 406/17.6T8GDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.“Banco AA, S.A.

” instaurou acção declarativa de condenação contra BB, pedindo que:

  1. Se declare a A. como dona e legítima proprietária do prédio rústico denominado «...», sito no lugar de ..., composto por terreno de cultivo, com a área de 4.830,7 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 662, e inscrito na matriz predial sob o artº 2148º (com origem no artº 748º) da actual União das Freguesias de ... (...), ... e ...; b) Se condene a R. a restituir à A. o referido prédio, devoluto e desocupado de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; c) Se condene a R. ao pagamento de uma indemnização no montante de € 15.000,00, correspondente ao valor devido pela ocupação do imóvel desde Abril de 2013 a Fevereiro de 2017; d) Se condene a R. no pagamento das quantias vincendas até à efectiva restituição do mesmo livre e devoluto de pessoas e bens, no valor anual de € 5.000,00.

    Para tanto alegou, em resumo, que, por escritura pública de dação em pagamento e constituição de servidões, outorgada em 29 de Março de 1993 no 1º Cartório Notarial do Porto, a “CC, S.A.”, que posteriormente alterou a sua denominação para “Banco DD, S.A.” e que veio a ser incorporada por fusão com incorporação e transferência global do património na A., adquiriu, livre de quaisquer ónus ou encargos, à então proprietária “EE, Ldª”, o prédio que reivindica, para extinção da dívida já vencida no montante de € 909.998,58 (Esc. 182.436.732$40), que se encontra inscrito e registado a seu favor na matriz e registo predial respectivos; em meados do ano de 2013, verificou que o imóvel se encontrava a ser ocupado pela R., que não possui qualquer título que legitime a ocupação, a quem interpelou no sentido de desocupar e entregar o imóvel, o que ela recusou, enviando-lhe dois cheques alegando destinarem-se ao pagamento da renda devida ao abrigo de um contrato de arrendamento que teria celebrado com o anterior proprietário; porque aquando da aquisição do imóvel nunca lhe foi mencionado qualquer arrendamento, por diversas vezes solicitou à R. para que apresentasse os documentos de que se dizia portadora e que legitimassem a ocupação, documentação que nunca lhe remeteu, pelo que, por carta registada com a.r. de 26/9/2016, por ela recepcionada no dia 29, devolveu à R. os cheques que esta lhe enviara e insistiu para que desocupasse o imóvel, o que ela recusou; a ocupação do imóvel pela R. impediu que o tivesse dado de arrendamento pelo menos em Abril de 2013, com o que poderia obter um rendimento anual nunca inferior a € 5.000,00.

    1. Contestou a R. que, impugnando parcialmente a factualidade articulada na petição inicial, aduz que apenas em Junho de 2011, quando funcionários dela se deslocaram ao imóvel e a interpelaram verbalmente para proceder à sua entrega, aos quais comunicou que tinha um contrato de arrendamento rural desde 1983 e que sempre tinha pago a renda respectiva, teve conhecimento de que a A. era proprietária do imóvel, A. a quem entregou, em Agosto de 2013, os comprovativos do pagamento da renda desde 1996 a 2013 e a quem solicitara, em 1/7/2011, que reduzisse a escrito o contrato de arrendamento; a partir de Agosto de 2013, passou a pagar a renda através de cheque, tendo enviado à A. três cheques, nos meses de Abril dos anos de 2014, 2015 e 2016, no montante unitário de € 249,40, dos quais a A. apenas lhe devolveu dois deles; desde 1983 cultiva o prédio na qualidade de arrendatária, já que existe contrato de arrendamento verbal e a A. se recusa a reduzi-lo a escrito.

      Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

    2. Tendo a A. apresentado articulado a impugnar os documentos juntos pela R. com a contestação, designadamente o alcance que ela lhe atribui no sentido da existência de um contrato de arrendamento rural incidente sobre o prédio reivindicado, motivo pelo qual não descontou qualquer dos cheques que a R. lhe enviou, instando-a a juntar os comprovativos do pagamento da renda entre os anos de 1983 e 1996, foi, com dispensa de audiência prévia, proferido despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância e fixando o valor da causa, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova.

    3. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, a que se procedeu com gravação da prova produzida e observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença que, declarando os factos provados e os não provados, contendo a respectiva motivação, tem o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julgando parcialmente improcedente a presente ação, decido:

  2. Declarar o autor dono e legítimo proprietário do prédio rústico, denominado “...”, situado no lugar de ..., composto por terreno de cultivo, com a área de 4830,7 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ... e inscrito na matriz predial sob o n.º ... (com origem no artigo 748) da atual freguesia, União das Freguesias de ... (...), ... e ...; b) Condenar a ré a restituir ao autor o referido prédio rústico, devoluto e desocupado de pessoas e bens.

  3. Absolver a ré do demais peticionado.

  4. Condenar autor e ré em custas em partes iguais”.

    1. Inconformada, apelou a R., suscitando as questões relativas à alteração da matéria de facto e consequente improcedência da acção.

    2. O TRP concedeu provimento ao recurso, alterando a matéria de facto não provada (em parte) e revogou a sentença na parte em que mandou entregar o prédio ao A.

    3. Inconformada com a decisão, dela apresentou a A. revista, na qual indica as seguintes conclusões (transcrição): I. Vem o presente recurso de revista interposto pelo Autor do Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Setembro de 2018 que, julgando procedente a apelação interposta pela Ré da sentença proferida em 11 de Julho de 2017, pelo Juiz 3 do Juízo Local Cível de ..., alterou a matéria de facto e revogou a sentença proferida em primeira instância, absolvendo a R. do pedido de restituição à A do prédio de que é proprietário.

      II. No Ac. recorrido, os Ilustres Juízes Desembargadores que integram o referido colectivo, acordaram em julgar a apelação procedente, aditando novos factos provados e, nessa conformidade, revogaram a decisão recorrida, decidindo pela improcedência da acção e procedência da apelação da Ré Recorrida.

      III. A Douta decisão ora recorrida, salvo sempre o devido respeito, está ferida por violação clara da lei substantiva, nomeadamente do artigo 364.° do Código Civil, conjugado com o disposto no Decreto Lei n.° 385/88 de 25 de Outubro, por erro de interpretação e de aplicação de determinadas normas e princípios, bem como padece de violação e errada aplicação da lei de processo, estando, assim, configurados fundamentos para a sua revista, ao abrigo do artigo 674.°, n.° 3 e do 682.°, n.° 3 do Código de Processo Civil.

      IV. O n.º 4 do art.º 662.° do CPC estatui que das decisões da Relação previstas naquele artigo não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

      V. Excepcionando o n.° 3 do artigo 674.º do CPC, dispondo que pode haver recurso de revista em, pelo menos, duas situações (i) com fundamento em violação ou errada aplicação de lei de processo (ii) com fundamento em "ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a forca de determinado meio de prova" VI. Em qualquer dos casos estamos perante uma violação de normas de direito, campo, por excelência, da competência do Supremo Tribunal de Justiça.

      VII. Deste modo, pode ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça decisão da relação que modifica a matéria de facto, com base na violação dos limites à modificabilidade, ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a forca de determinado meio de prova.

      VIII. Veja-se ainda este respeito o Ac. do STJ de 02.06.2015 "(..,) Sendo que, nos termos do preceituado no referido n° 2, "a decisão proferida peio tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n° 3 do art. 674° "Ou seja, havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova." Ac. STJ proc. 414/12.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

      IX. Nos presentes autos, a Relação, com base na factualidade aditada (factos provados de M) a T), concluiu pela existência da celebração verbal do contrato de arrendamento rural desde 1983.

      X. Constituindo tal arrendamento o título que, nos termos previstos no n.° 2 do art.º 1311.° do CC, obviou ao decretamento da restituição do reivindicado prédio ao ora Recorrente. O que salvo o devido respeito, não podia ser reconhecida a existência de tal título, como iremos demonstrar.

      XI. O Tribunal de 1a Instância julgou não provados os factos ora aditados pelo Ac. Recorrido, tendo criado a sua convicção e decidindo nos termos em que o fez com base "(…) no conjunto da prova documental junta aos autos e na produzida em audiência de julgamento, conjugada e analisada criticamente (...)." XII. Decidindo ainda, "Por tudo quanto foi referido afigura-se que não se produziu prova com o rigor suficiente, cabal e imparcial quanto à celebração do aludido contrato de arrendamento rural verbal no ano de 1983." XIII. Contudo, o Tribunal da Relação do Porto, no Ac. recorrido, veio a aditar os seguintes factos provados: " M) A ré só teve conhecimento que a autora era proprietária do imóvel em Junho de 2011, data que teve conhecimento através de funcionários de uma empresa contratada pela autora para fazer o levantamento topográfico e que se deslocaram ao local do prédio objecto da presente acção.

      1. Funcionários esses que interpelaram em junho de 2011 de uma forma verbal a ré o sentido de esta entregar o prédio em causa, O) À data foi-lhes comunicado pela ré, que tinha um arrendamento rural desde 1983, e que...

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