Acórdão nº 49/13.3GDCVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal coletivo) n.º 49/13.3GDCVL que corre termos na Comarca de Castelo Branco – Juízo Central Criminal de Castelo Branco – Juiz 2, em 29/5/2018, foi proferida Acórdão, cujo DISPOSITIVO é o seguinte: “V. Decisão Em face do exposto, o Tribunal Colectivo decide: - Julgar improcedente a pronúncia e, em consequência, absolver os arguidos (…), (…), (…) e (…) da prática, em co-autoria material, do crime de infracção de regras de construção agravado pelo resultado, p. e p. pelos artigos 277º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 285º, ambos do Código Penal, que lhes foi imputado.

- Julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual invocada pela demandada (…).

- Julgar parcialmente improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes civis e, em consequência, absolver os demandados (…), (…) e (…) do pedido de pagamento da quantia pelas mesmas peticionada.

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes civis (…) e (…) e, em consequência, condenar a demandada (…) a pagar a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a cada uma das demandantes civis, assim como a pagar a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) a ambas as demandantes, quantias essas a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data do presente acórdão até integral pagamento.

(…)”.

**** B) Inconformada com a decisão recorrida, dela recorreu, em 24/10/2018, a demandada civil (…) extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido absolveu a Recorrente da prática do crime violação das regras de construção civil agravada pelo resultado morte de um trabalhador.

  1. Todavia, o que serviu para a absolver da prática do crime – por ter ficado integralmente demonstrado que não foram incumpridas quaisquer regras de segurança e muito menos praticado qualquer crime – não foi suficiente para absolver a Recorrente do pedido de indemnização civil que foi formulado contra si pelas assistentes.

  2. Conforme demonstrado, a condenação civil impugnada tem como preliminar a instauração de um processo crime contra a Recorrente por alegada em obra, mas atenta a inexistência de qualquer crime, a Recorrente não se conforma, nem pode conformar com a condenação civil que lhe foi aplicada nos presentes autos.

  3. O Tribunal recorrido incorreu, portanto, em erros na apreciação da prova.

  4. Relevada a matéria de facto provada e não provada, outra não poderia ter sido a consequência que não a da absolvição da Recorrente relativamente ao pedido cível, ou caso assim não se entendesse (o que apenas à cautela se pode equacionar), sempre por valores muito inferiores àquele que foi arbitrado pelo Tribunal recorrido.

  5. Como adiantado, em sede criminal, a Recorrente demonstrou cabalmente que não tinha praticado qualquer crime de violação das regras de construção civil agravada pelo resultado morte.

  6. Aliás, em boa verdade, demonstrou que o que acidente aconteceu apenas e só devido a um infortúnio, a um evento de uma total imprevisibilidade, que se lamenta, mas que não é apto a desencadear a responsabilidade civil da Recorrente.

  7. O acidente que motivou a instauração do procedimento criminal de que a Recorrente foi absolvida consistiu no resvalo de uma máquina industrial pesada de grandes dimensões, cujo balde embateu num trabalhador que foi projectado, embateu num maciço de cimento e morreu no local.

  8. Porém, não obstante as consequências decorrentes do acidente o Tribunal concluiu que nada permitia determinar o modo como o acidente ocorreu, ou seja, qual foi a causa do resvalamento da máquina industrial.

  9. A factualidade provada e não provada (dada por reproduzida no corpo das alegações) aponta exactamente nesse sentido, pelo que mal se compreende a razão pela qual o Tribunal recorrido tenha decidido condenar a Recorrente no pedido de indemnização civil objecto do presente recurso.

  10. No facto provado nº. 16 escreve-se que “um dos trabalhos a executar na obra consistia na aplicação de parafusos de aperto dos flanges dos troços das condutas, enquadrando-se essa operação na categoria de montagem e desmontagem de condutas”.

  11. Seguidamente acrescenta-se que “o Plano de Segurança e Saúde elaborado pelo arguido (…) contém uma listagem de trabalhos com riscos especiais inerentes à empreitada, na qual se alude, relativamente à execução da acção consistente na montagem/desmontagem de condutas, entre outros, ao risco potencial de quedas ao mesmo nível, ao qual é atribuído um nível de risco alto, ao risco potencial de choque na movimentação de cargas e ao risco potencial de agressões mecânicas, ao qual é também atribuído um nível de risco alto” (facto provado nº. 17).

  12. No facto provado nº. 19 o Tribunal Recorrido deu como provado que das competentes fichas de segurança constavam diversas medidas de prevenção destinadas a evitar a ocorrência de acidentes de trabalho, acrescentando-se que do plano de segurança em obra foram ainda identificados “os condicionalismos locais identificados são os seguintes: condições topográficas do local e as condições geológicas e geotécnicas das suas vertentes; condições da envolvente do Estaleiro de Apoio; localização relativamente distante em relação às principais vias de acesso”.

  13. A factos provados nº. 21.º a 28.º o Tribunal Recorrido descreveu, e bem, os contornos do acidente.

  14. Mais à frente, deu como provado (e esta circunstância é essencial) que “a máquina escavadora utilizada para a execução da tarefa a que se aludiu encontrava-se em perfeitas condições de utilização” (facto provado nº. 34; destaque e sublinhado da Recorrente).

  15. O Tribunal entendeu ainda que – e porque existe aqui uma razão de grande conexão entre o facto provado nº. 34 e o facto provado nº. 57.º – “por causa das características do terreno onde foi executada a obra, a arguida (…) decidiu utilizar uma máquina de grandes dimensões, com rastos cuja superfície de contacto com o solo é maior e com uma capacidade de carga superior à necessária para a operação de carga e descarga que iria ser realizada, afastando a utilização de uma máquina com rodas e, consequentemente, com um centro de gravidade mais alto” (destaque e sublinhado da Recorrente) – ou seja, para garantir a segurança! 17. O Tribunal deu ainda como provado que “os trabalhadores que se encontravam na obra sabiam quais eram as posições que deviam ocupar e tinham instruções expressas no sentido de se aproximarem da máquina apenas quando esta se encontrasse devidamente estacionada e estabilizada, tal como aconteceu” (facto provado nº. 62; destaque e sublinhado da Recorrente).

  16. Demonstrou-se ainda que “a máquina utilizada tem uma capacidade de carga superior à da carga que nela foi transportada (…), logo acrescentando que “o limite máximo de carga da referida máquina é de milhares de toneladas” (facto provado nº. 64) e concluiu que “no local onde decorreu a obra foi efectuada a terraplanagem necessária para estacionar a máquina e para a fazer contactar com o solo na base de horizontalidade” (facto provado nº. 65; destaque e sublinhado da Recorrente) 19. Que “as pedras de menor dimensão que se encontravam no local foram desviadas para outros lugares” e que “a máquina resvalou, no máximo, 50 cm” (factos provados nº. 66.º e 67.º).

  17. No que respeita aos factos não provados o Tribunal recorrido entendeu que “os arguidos não tinham procedido à avaliação de todos os riscos associados à execução da obra e respectivas medidas de prevenção, não assegurando, por consequência, as condições de segurança e de saúde em todos os aspectos relativos ao trabalho do ofendido e dos demais trabalhadores” (facto não provado nº. 11).

  18. Que “a sociedade arguida e os restantes arguidos não cumpriram as boas práticas de segurança ao não proibir a permanência e movimentação de trabalhadores junto da máquina escavadora e da área ao redor da mesma após a respectiva imobilização em segurança (facto não provado nº. 13).

  19. A factos não provados 15 e 16, o Tribunal foi considerou, peremptoriamente, que não tinha ficado provado que “o acidente que vitimou o ofendido (…) ocorreu por não terem sido adoptadas logo desde o início da obra as novas medidas implementadas pela sociedade arguida, em conjunto com os arguidos que actuavam sob a sua direcção, no que respeita à descarga do material com recurso à escavadora e aproximação dos trabalhadores somente após o afastamento da máquina do local” e que “antes de ter ocorrido o acidente, a sociedade arguida e os restantes arguidos não avaliaram o risco de resvalamento da máquina (destaque e sublinhado da Recorrente).

  20. O Tribunal recorrido foi mais longe, considerando que não tinha ficado provado que “a máquina resvalou por não se encontrar devidamente estabilizada e estacionada num local seguro, dada a existência de pedras e a forte inclinação do terreno” (facto não provado nº. 16) e ainda que [não ficou provado que] “a existência de pedras soltas no solo onde essa máquina se encontrava, associada à forte inclinação do terreno e à presença de trabalhadores nas proximidades da máquina escavadora contribuiu de forma decisiva para que o acidente de trabalho que vitimou o ofendido (…) fosse fatal” (facto não provado 26).

  21. Seguindo de perto a matéria de facto, o Tribunal entendeu ainda que não tinha ficado provado que “a sociedade arguida e os arguidos (…) e (…), actuando de forma consciente, não asseguraram que a obra não começasse sem que tivesse sido aprovado um Plano de Segurança e Saúde apto para impedir a verificação desses riscos” (facto não provado nº. 28) e que “era exigível aos arguidos (…), (…), (…) e (…) que tivessem previsto o perigo de resvalamento de uma máquina e embate da mesma no trabalhador (…), provocando-lhe as lesões atrás descritas e, em consequência, a morte, atenta a proximidade do trabalhador relativamente à máquina e o apoio desta em solo pedregoso e sem a...

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