Acórdão nº 01502/09.9BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - A……….. e B………, ambos com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5 de Julho de 2018, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgara procedente a impugnação judicial por eles deduzida do indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IRS do exercício de 2003, revogando a sentença e, em substituição, julgando improcedente a referida impugnação judicial.

Os recorrentes concluem a sua alegação nos seguintes termos: A) Vem o presente recurso excecional de revista interposto do, aliás, douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Secção do Contencioso Tributário, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Digna Representante do Ministério Público da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou totalmente procedente a impugnação judicial que os então Autores, ora Recorrente, tinham deduzido na sequência do indeferimento da reclamação graciosa que apresentaram, em tempo e com legitimidade, contra a liquidação adicional de IRS, feita oficiosamente pela administração fiscal, com referência ao ano de 2003, no montante de €33.275,03.

B) É profunda convicção dos ora recorrentes que o decisivo fundamento jurídico invocado para sustentar o provimento do recurso interposto da decisão de 1.ª instância é insubsistente face aos factos dados como provados e que não contestam, em virtude da norma jurídica em que se escora não poder suportar a interpretação subjacente à luz de nenhum elemento de interpretação fixados na lei, designadamente no artigo 9.º do Código Civil.

C) Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo a admissibilidade no contencioso tributário do recurso excecional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA, sem que tal admissão implique violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (v.g., Acórdão do STA, Processo n.º 0825/15, de 29-06-2016).

D) Por outro lado, que se saiba, a questão que vai suscitar-se nunca foi apreciada nesta perspetiva da clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito, que é o fundamento que se invoca para sustentar a admissibilidade deste recurso excecional.

E) Acresce que a questão subjacente, estritamente em termos de direito, apresenta, podendo ainda não ter suscitado controvérsia na doutrina, que dela se não terá apercebido, já provocou decisões contraditórias na jurisprudência.

F) E, no caso concreto, salvo melhor opinião e devido respeito, que é muito, a apreciação feita pelo Venerando Tribunal recorrido enferma de erro grosseiro na interpretação normativa, que degenera numa decisão ostensivamente errada ou, pelo menos, juridicamente insustentável, impondo-se, consequentemente, a admissão da revista como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Com efeito, G) O que se pretende ver apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo é se na noção de “lucros” ou de “ adiantamento por conta de lucros” constante da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS podem compreender-se importâncias comprovadamente recebidas por um acionista de uma sociedade, de um terceiro com que aquela celebrou um contrato de compra e venda, a título de pagamento de parte do preço da coisa vendida, como o, aliás, douto Acórdão recorrido entendeu.

Vejamos.

H) Segundo o discurso fundamentador da decisão, o “artigo 5.º do Código do IRS insere-se na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real)”, o que é um erro grosseiro face à sistemática do Código e pode gerar conclusões erradas no domínio da qualificação.

I) Incrementos patrimoniais, tout court, são, como escreveu Paulo de Pitta e Cunha, a propósito da Reforma Fiscal de 2000 que criou a Categoria com essa denominação (Categoria G), “todos os rendimentos tributados em IRS” (Revista de Finanças Públicas e Direito Financeiro, n.º 1, Abril de 2008, Os Ajustamentos Fiscais do Ano 2000 e o Sistema de Rendimentos Presumidos) e ainda aqueles aumentos de capacidade contributiva que são tributados noutros impostos (v. G., no imposto do selo) ou que não são tributados, seja por delimitações negativas de incidência expressas, seja por isenções legalmente consagradas, seja por lacuna legislativa.

J) A atual categoria que, em sentido estrito, tributa “incrementos patrimoniais” e tem essa denominação (vide artigo 1.º do CIRS), é a categoria G.

K) A categoria E, ainda de acordo com o artigo 1.º, abrange os rendimentos de capitais.

L) Acrescenta-se, porém, no mesmo discurso, que, para que tal suceda, é necessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, sendo que não existe qualquer presunção de que no caso de haver lucros estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.

M) Não podiam os recorrentes estar mais de acordo.

N) O que parece encerrar alguma obscuridade, excesso de pronúncia por nada ter a ver com o caso em apreço e degenerar em erro interpretativo grosseiro e todo o subsequente discurso fundamentador.

O) Dele, salvo melhor entendimento, tendo-se em conta a decisão final, parece querer dizer-se que, para o caso em apreço, a presunção consagrada no n.º 4 do artigo 6.º não tem qualquer utilidade.

P) É suficiente uma pretensa "presunção natural", isto é, uma presunção judicial ou de facto, fundada em regra prática da experiência e que permite que se estabeleçam factos desconhecidos a partir de outros conhecidos que com aqueles estão numa relação lógica necessária.

Q) Se assim é, daqui desponta a primeira questão de direito cuja clarificação, para melhor aplicação do direito, se impõe: trata-se da questão de saber se, estando para um determinado facto estabelecida uma presunção legal, é lícito ao julgador substituí-la por uma presunção natural.

R) E a segunda questão de direito a clarificar com o mesmo objetivo, intimamente conexa com a primeira, é a de saber se, por via de uma presunção natural, isto é, de ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a, se podem, mediante a operação dita, em direito tributário, de "qualificação", preencher normas de incidência tributária.

É que, S) Se é verdade que, perante a matéria de facto dada como provada, se pode sem dúvida afirmar que o beneficiário das importâncias auferidas teve na sua esfera patrimonial um "incremento", falta saber ou averiguar da legitimidade da AT ou mesmo do julgador de qualificar tal "incremento" como "adiantamento de lucros" (de modo a que caiba na previsão alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS).

T) Isto sem o apoio direto de qualquer norma que especificamente lhe permita a subsunção, já que se está perante matéria - a da incidência real ou objetiva - que só estritamente admite interpretação extensiva e nunca interpretação analógica.

U) E ainda que como “incremento...

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