Acórdão nº 1070/17.8T8VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA AMORIM
Data da Resolução07 de Janeiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

CasoJulg-1070/17.8T8VFR.P1 - Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes Miguel Baldaia de Morais* * *Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível) I. Relatório Na presente ação que segue a forma de processo comum em que figuram como: - AUTORES: B... e C..., casados no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua ..., Lote ..., 1.º direito, ....-... ...; e - RÉU: D..., casado, engenheiro civil, residente na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., Santa Maria da Feira pedem os autores a condenação do réu no pagamento da quantia de €176.138,48 a título de danos patrimoniais, a quantia de €50.000,00 a título de danos não patrimoniais e ainda, a quantia a liquidar em execução de sentença referente a danos patrimoniais e não patrimoniais, juros de mora desde a citação, custas e procuradoria.

Alegaram para o efeito e em síntese que adquiriram, em 2002, uma fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma habitação de tipo T3, sita na freguesia ... à sociedade “E..., Lda”. A mesma, porém, padece de defeitos de construção e de vícios estruturais que impediam a sua normal utilização e que colocavam em perigo a integridade física e mesmo a sua vida e das demais pessoas que frequentavam a mesma fração. Os danos que a mesma apresenta resultaram da inadequação das obras efetuadas com o projeto aprovado, assim como a da não utilização dos materiais previstos quer em quantidade quer em qualidade e bem assim, das alterações efetuadas ao projeto inicialmente aprovado sem que fossem acompanhadas do prévio estudo de estabilidade.

Mais alegam que a Câmara Municipal ... emitiu a licença de utilização relativa à fração em causa pois que pelo aqui R. foi subscrito o respetivo termo de responsabilidade a assumir como verdadeiro estar a dita fração construída, concluída, tudo de acordo com o projeto aprovado e em obediência às regras legais.

Assim, o R. enquanto diretor de obra, e no exercício da sua atividade profissional, infringiu quer os dispositivos legais que devem ser observados no planeamento, direção e execução da construção, quer as boas práticas de construção, sendo que atuando desse modo, provocou danos irreparáveis na habitação dos AA. e nas contíguas, colocando-as em risco iminente de derrocada.

Mais alegou que no que diz à execução das obras, o réu D... era o seu Diretor Técnico e responsável por todos os projetos, motivo pelo qual tinha o dever de acompanhar a realização da obra e de verificar que a obra estava a ser executada dentro das regras da arte, tendo permitido, por ação e por omissão, que a obra fosse executada de forma deficiente e com recurso a materiais e técnicas desadequadas, mas no entanto não se coibiu de assumir a responsabilidade por tal, ao declarar falsamente perante a Câmara Municipal ... que a obra tinha sido executada corretamente, através do respetivo termo de responsabilidade com base no qual aquela edilidade, fazendo fé na declaração sob honra do aqui Réu, veio a conceder a licença de utilização.

Refere, ainda, que competia ao Réu D..., como subscritor do termo de responsabilidade, o dever de não prestar falsas declarações sobre a obra em causa. Sabia o Réu, que atuando do modo descrito causava perigo para a integridade física e até mesmo para a vida dos Autores, e seu agregado familiar, que adquiriam uma daquelas habitações, e bem assim das pessoas que ali passassem, ainda que como simples visita, pois que aquelas frações autónomas podiam e podem ruir a qualquer momento, fruto dos defeitos estruturais graves que apresentam.

O Réu atuou sempre, de forma conivente com os responsáveis pela construção, pois a última palavra a si cabia, ao subscrever o termo de responsabilidade, comprovativo (mediante essas falsas declarações) de que a obra estava construída de acordo com o projeto e de acordo com as regras legais da arte, no sentido de obtenção da licença de utilização e para assim acelerar a comercialização das referidas moradias.

O Réu, ao sufragar, através do termo de responsabilidade, factos falsos e bem sabendo que os mesmos não correspondiam à verdade, ainda assim conformou-se com tal declaração pois sabia que a mesma era imprescindível e necessária para a Câmara Municipal ... emitir a licença de utilização, pois sem esse documento, essa declaração da sua parte, a licença de utilização não seria emitida, já que é o documento com valor legal relevante no qual a entidade camarária competente faz fé no cumprimento de todas normas legais e técnicas supra mencionadas e emite o dito alvará sem o qual não é possível que o imóvel seja vendido.

O Réu atuou deliberada, livre e conscientemente, ao emitir falsas declarações, que sabia não corresponderem à verdade e bem sabendo que sem essas falsas declarações não seria possível obter a licença de utilização.

Os factos - falsas declarações em documento relevante perante entidade pública - praticados pelo Réu causaram elevadíssimos danos, patrimoniais e não patrimoniais, aos Autores, porquanto o estado em que se encontra a fração adquirida pelos Autores está condenada a ser demolida, dada a insegurança que lhe é inerente e a inviabilidade económica para a sua reparação.

Alegam que se tivessem sido esclarecidos previamente pelo Réu, que a construção teria os defeitos e ónus, agora verificados, nunca teriam efetuado o negócio de aquisição da fração “A”. Os Autores destinaram a fração autónoma à sua habitação própria e permanente, bem como à das suas filhas, a F..., atualmente com dezassete anos de idade (nascida a 17.08.2000) e a G... atualmente com treze anos de idade (nascida a 19.10.2003), o que era do inteiro conhecimento do Réu - pois bem sabia que estava a prestar falsas declarações e que as mesmas eram relevantes e imprescindíveis para a obtenção da licença de utilização.

Mais referem que os graves defeitos de construção foram assumidos de forma dolosa, por ação e omissão, pelo Réu, que subscreveu o termo de responsabilidade sabendo e devendo saber que a obra não estava executada em obediência ao projeto, nem às regras da arte e muito menos em obediência às regras de segurança das construções, mas mesmo assim, com o fito de permitir que as frações habitacionais pudessem entrar no comércio, subscreveu, contra a verdade dos factos, os documentos idóneos a obter da entidade competente, a Câmara Municipal ..., a emissão da licença de utilização, a qual veio entretanto a declarar a cassação dos alvarás de utilização.

Alega um conjunto de danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da atuação do réu e cuja indemnização peticiona na presente ação.

-Citado o réu veio contestar, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Por exceção invocou a exceção do caso julgado, alegando para o efeito que os aqui AA. deduziram no âmbito dos autos de processo comum coletivo nº512/07.5TAVFR, pedido de indemnização civil, o qual foi já decidido com acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com trânsito em julgado, sendo que os factos são os mesmos, são os mesmos intervenientes, as mesmas imputações e o mesmo tipo de pedidos.

Alega ainda as exceções da prescrição e da ilegitimidade.

-Os AA. pronunciaram-se no sentido da improcedência de tais exceções e quanto ao caso julgado alegam que na presente ação, a causa de pedir e o pedido de indemnização nela consubstanciados assentam nas falsas declarações prestadas pelo R. e como tal, não se verifica o caso julgado.

-Realizou-se audiência prévia.

-Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: .....................................................

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-II. Fundamentação 1.

Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.

A questão a decidir consiste em saber se a decisão proferida no âmbito do Proc.512/07.5TAVFR – Comum Coletivo - que recaiu sobre o pedido cível ali formulado tem o efeito de caso julgado em relação à pretensão formulada na presente ação.

-2.

Os factos Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1) Os AA. em 27/09/2002, adquiriram à empresa E..., Ldª, pessoa coletiva nº ........., com sede na Rua ..., nº .., em ..., por escritura de compra e venda, num conjunto de moradia geminadas por tal empresa edificadas, uma Fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a habitação tipo T-3, com cave, rés-do-chão e andar, destinada a habitação, com entrada pela rua ..., nº..., do prédio urbano descrito na CRP de Santa Maria da feira sob o nº 01106 da freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira.

2) Em 10 de Outubro de 2006 ocorreu um estrondo no prédio com a placa de teto da fração dos AA. a abater cerca de 5 cm e um afundamento dos pilares, com o aparecimento de fissuras e fendas que puseram em causa a segurança da habitação.

3) Os AA. apresentaram em 10-04-2007, queixa-crime contra a sociedade vendedora, E... , Ldª e contra o aqui Réu D..., imputando-lhes a prática de crime de infração de regras de construção, dano em instalações, p.e p. no artigo 277º do CP, quando á denunciada empresa, e, quanto ao denunciado D..., um crime de Falsas Declarações, p. p. pelo artigo 256º do CP.

4) Os aqui AA., B... e C..., em 29/11/2007 deram entrada no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira de uma ação cível de condenação sob a forma de processo ordinária contra E..., Ldª, D... e Município ..., tendo sido proferido despacho a julgar extinta a instância face ao não pagamento prévio da taxa de justiça inicial.

5) No termo do inquérito, Proc. nº 512/07.5TAVFR, 3ª Subsecção dos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira, apurados os factos quer denunciados quer surgidos no decurso da...

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