Acórdão nº 673/17.5JAAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCRAVO ROXO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 673/17.5JAAVR.P1.

*Acordam em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:*No processo comum nº 673/17.5JAAVR.P1, do Juízo Central Criminal de Aveiro (Juiz nº 6), foi o arguido B… julgado em Tribunal Colectivo, sendo proferida a seguinte decisão: Condenar o arguido B…:

  1. Como autor de um crime de homicídio agravado na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 23º, nº 1 e 2, e 73º, nº1 als. a) e b) e 131º, todos do Código Penal e 86º, nº 3 do RJAM na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

  2. Como autor de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo art. 86º, nº 1 al. c) e nº 2 da Lei nº 5/2006 de 23.02, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.

Operando o cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenar o arguido B… na pena única de 5 (cinco) anos de prisão que se suspende na sua execução por igual período com regime de prova, impondo-se neste, nos termos do disposto nos arts. 54º, nº 3 e 52º, nº 1º, ambos do Código Penal, as seguintes obrigações e regras de conduta: Responder às convocatórias que lhe sejam feitas no âmbito deste processo por magistrado judicial e/ou técnico de reinserção social; Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; Informar o técnico de reinserção social e o Tribunal sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; Inscrever-se no centro de emprego ou em cursos de formação de modo a melhor se preparar para uma plena inserção no mercado laboral.

*Desta decisão, recorre o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do Art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):*1º O presente recurso vem interposto do acórdão proferido nos autos à margem referenciados, em 17/09/2018 (refª 103126388), pelo qual o Tribunal a quo, na sequência do julgamento a que o mesmo foi submetido, veio a condenar o arguido B…, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova, com as inerentes obrigações e regras de conduta ali melhor especificadas e em moldes a definir pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais no respectivo plano de reinserção social.

  1. Tal condenação teve como fundamento a prática pelo arguido, como autor material e em concurso efectivo, de: - Um crime de homicídio agravado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 23º, nºs 1 e 2, e 73º, nº 1, als. a) e b), e 131º, todos do Código Penal, e 86º, nº 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006 de 23/02, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c), e nº 2, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006 de 23/02, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.

  2. O Ministério Público discorda do acórdão sob recurso na parte atinente à suspensão da execução da pena única de prisão, porquanto se entende não estarem reunidos todos os pressupostos legais de que depende a aplicação do instituto da suspensão da pena.

  3. Das disposições conjugadas dos artigos 40º, nº 1, e 50º, nº 1, do Código Penal, resulta que, para que uma pena de prisão (igual ou inferior a 5 anos) possa ser suspensa na sua execução, o tribunal tem de concluir que ficam acauteladas as finalidades da punição, tanto na perspectiva das necessidades de prevenção especial (reintegração do agente na sociedade), como na perspectiva das necessidades de prevenção geral (protecção de bens jurídicos).

  4. Não basta, pois, um juízo de prognose positivo relativamente ao comportamento futuro do arguido, devendo a suspensão da execução da pena, cumulativamente, acautelar que não sejam postas em causa as expectativas comunitárias na efectiva validade e vigência das normas jurídicas violadas – por forma a que não se comprometa a imagem social da importância dos bens jurídicos postos em crise com a prática da(s) infracção(ões) que fundamentam a condenação, nem se promovam sentimentos comunitários de impunidade e/ou indulgência perante tais infracções.

  5. No caso ora em apreciação, verifica-se que o Tribunal a quo se ateve, por um lado, exclusivamente, a considerações de prevenção especial – formulando um juízo de prognose favorável ao arguido, do qual discordamos – e por outro lado, desvalorizou e desconsiderou de forma inaceitável a exigência legal de satisfação das exigências de prevenção geral.

  6. No que respeita às considerações de prevenção especial, os factos dados como provados, atinentes ao circunstancialismo que rodeou os factos, evidenciam traços de personalidade do arguido que não permitem fazer um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro - pois são reveladores de impulsividade por parte do arguido e de uma tendência para solucionar pela violência situações de conflitualidade em que se veja envolvido.

  7. A factualidade dada como provada - nomeadamente aquela convocada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão de suspensão - não permite concluir que a pena suspensa seja suficientemente intimidadora para o agente e que, com elevado grau de probabilidade, ele não voltará ao cometimento de crimes, nomeadamente crimes contra a vida e integridade física.

  8. No tocante às exigências de prevenção geral, há que ter em consideração, em primeiro plano, estar em causa, além do mais, a prática de um crime de homicídio, ainda que na forma tentada - ou seja, actos atentatórios de uma vida humana, bem jurídico que a nossa Lei Fundamental alcandora ao primeiro lugar em matéria de direitos, liberdade e garantias (artigo 24º da Constituição da República Portuguesa) - sendo nesta matéria elevadíssimas as exigências de prevenção geral.

    10 º Levando em conta que está em causa a prática de um crime de homicídio,ainda que na forma tentada, ocorrido no seio familiar, com recurso a arma de fogo, e com as concretas motivações pelas quais o arguido se determinou – o que se pode concluir é que a comunidade em geral dificilmente suportará, em contraponto às expectativas jurídico-sociais vigentes quanto à efectiva prevenção, punição e repressão de tal tipo de actos, que a condenação redunde numa pena de prisão cuja execução fica suspensa.

  9. A imagem comunitária que tal concreta sanção (pena suspensa) acarreta é, por um lado, de grande indulgência na determinação da sanção perante factos de particular gravidade, e por outro lado, de que na perspectiva das entidades jurisdicionais a violação das normas proibitivas pressupostas pela incriminação é de algum modo aceitável - não ficando suficientemente acauteladas as finalidades de protecção dos bens jurídicos e de reafirmação da efectiva validade e vigência das normas jurídicas violadas.

  10. Aliás, no acórdão sob recurso, o Tribunal a quo, depois E APESAR DE afirmar que no caso concreto as exigências de prevenção geral são elevadas, não tem uma única palavra para justificar em que medida, com a pena suspensa, essas mesmas exigências ficarão acauteladas – mantendo a tal respeito um absoluto e ensurdecedor silêncio.

  11. No caso concreto dos autos, a execução da pena de prisão fixada mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na efectiva validade e vigência das normas jurídicas violadas – sendo que, em contraponto, a opção pela suspensão da execução da pena de prisão redunda in casu, inexoravelmente, numa efectiva defraudação das finalidades de prevenção, mormente das exigências de prevenção geral.

  12. Pelo exposto, entende-se que ao suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido B…, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 40º, nº 1, e 50º, nº 1, do Código Penal.

  13. Deve, portanto, ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se o acórdão recorrido no sentido de: a) Revogar a decisão de suspender a execução da pena única de 5 (cinco) anos de prisão; b) Manter-se a condenação na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, determinando que a mesma seja de execução efectiva.

    *Respondeu o arguido, tecendo considerações contra a tese do recurso e concluindo que estão reunidos todos os pressupostos para manter a suspensão da execução da pena de prisão, até pelo “perdão” do ofendido, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente.

    *No seu parecer, o Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto acompanha o recurso do Ministério Público, incluindo a justificação do alarme social e assim propendendo para o provimento do recurso.

    *Ainda respondeu o arguido, mantendo a mesma tese já explanada na sua resposta e concluindo do mesmo modo.

    *Do acórdão recorrido, são estes os factos e a respectiva motivação:*1. Pelas 19h00m do dia 9 de Outubro de 2017, no acantonamento de indivíduos de etnia cigana sito na Rua …, …, em …, no município C…, área desta Comarca de Aveiro, no exterior das casas ali existentes, D… e o seu filho E…, ambos residentes naquele acantonamento, envolveram-se em discussão com o arguido B…, ali também residente, irmão do referido D… e tio do referido E….

    1. Tal discussão foi motivada pelo facto de, no dia 8 de Outubro de 2017, F… ter voltado a residir naquele acantonamento, em comunhão de mesa, cama e habitação com o ofendido E…, contra a vontade...

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