Acórdão nº 654/13.8TBPTL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO[2] 1. AA instaurou a presente ACÇÃO DECLARATIVA COM PROCESSO ORDINÁRIO contra BB e esposa, CC, pedindo que: a) se declare a resolução do contrato-promessa de trespasse celebrado em 30 de Abril de 2001, entre o A. e os RR.; b) se declare a culpa dos RR. no incumprimento definitivo do referido contrato-promessa; c) os RR. sejam condenados a pagar ao A., a quantia de € 192.618,01 acrescida de juros à taxa legal a partir da citação e até integral pagamento; d) Os RR sejam condenados a pagar aos AA., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 47.550,00 acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que os RR. incumpriram definitiva e culposamente o contrato promessa de trespasse que com eles celebrou tendo por objecto mediato um bar, porquanto os mesmos negligenciaram e incumpriram a obrigação de obtenção da respectiva licença de utilização, que sobre eles impendia, necessária quer à própria exploração do estabelecimento, quer à realização do contrato prometido.

Em consequência deste incumprimento, para além do direito à restituição em dobro do preço já pago pelo trespasse, uma vez que ele, A., sofreu igualmente prejuízos, danos patrimoniais e não patrimoniais na sua esfera jurídica, impetra igualmente a correspondente indemnização.

  1. Contestaram os RR alegando a excepção dilatória do caso julgado – posteriormente apreciada em sede do saneamento do processo -, e no mais impugnando, também em suma, os factos pelo A. invocados.

  2. Posteriormente, o A. intentou uma nova acção– Acção apensa - , tendo como RR., além dos acima referenciados, os filhos destes, DD e EE, a qual ao caso em absoluto desinteressa – por isso ora nos dispensando de mais lata referência -, como o seguimento da vertente exposição melhor permitirá aferir.

  3. Seguindo esta acção [principal] e a dita apensa, em conjunto, os seus normais trâmites, foi proferida sentença julgando ambas as acções totalmente improcedentes, em consequência absolvendo os RR. dos correspondentes pedidos.

  4. Inconformado, o A. interpôs o competente recurso de apelação para a Relação de Guimarães, a qual, por Acórdão de fls. 841 e ss., lhe negou provimento confirmando as decisões recorridas.

  5. De novo irresignado, o A. interpôs para este Supremo Tribunal recurso de revista normal, no tocante à parte relativa à acção principal, e recurso de revista excepcional quanto à outra parte.

  6. A Formação a que alude o art. 671.º, n.º 3, do CPC, por douto Acórdão de fls. 1038 e ss., não admitiu o recurso de revista excepcional [parte respeitante à acção apensa], determinando quanto ao mais a distribuição como revista normal.

  7. No remate da sua douta alegação quanto à revista normal, o A. formulou as seguintes conclusões: Io - 0 recorrente intentou a presente acção contra os recorridos tendo formulado o seguinte pedido: "...deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, por via disso, deve: A) declarar-se a resolução do contrato-promessa de trespasse celebrado em 30 de Abril de 2001, entre o A. e os RR; B) declara-se a culpa dos RR, no incumprimento definitivo do referido contrato-promessa; C) os RR serem condenados a pagar ao A., a quantia de € 192.018,01 acrescida de juros à taxa legal a partir da citação e até integral pagamento; D) os RR. serem condenados a pagar ao A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 47.550,00 acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até integral pagamento"; 2o - Por sentença proferida no dia 30 de Janeiro de 2017, foi julgada "improcedente a acção principal absolvendo os Réus de todos os pedidos contra si formulados nesta acção" e ainda, foi julgada "Improcedente a acção apensa de impugnação pauliana, absolvendo todos os réus dos pedidos contra si formulados nessa acção"; 3o - No acórdão recorrido, foi acrescentado "a finalidade da vistoria no n° 28 dos factos provados e aditar um novo ponto nos factos provados alinhados na sentença, na sequência lógica dos que já lá constavam, a saber: 28.

    No referido dia 20 de Agosto de 2012, o Ilustre Mandatário do R. comunicou à aqui Ilustre Mandatária do A., a data agendada pela Câmara Municipal de … para a vistoria do estabelecimento comercial - 22/08/2012 - "...para verificação das condições higio -sanitárias de segurança contra incêndios exigíveis a este tipo de estabelecimento.doc. de fls. 111 (Doe. n° 18).

    28.1 Consta da informação técnica da Câmara Municipal de … datada de 2/04/2007 que "o presente projecto de arquitectura, referente à alteração de destino de r/c do Prédio Urbano n° 427, sito no Largo … n°s 12 a 15, e legalização de um estabelecimento de Bebidas -Bar, de que em principio se considera não haver inconveniente, deve, no sentido de se emitir parecer técnico final, proceder à rectificação do documento da C.R.P., no que se refere à área de construção e destino, e indicai- a "despensa do dia" e "zona de armazenagem".

    Na impossibilidade de criação dos 8 lugares de estacionamento público, de acordo com a alínea d) do n°s 1 e 2 do artigo 41° do regulamento, é devida a compensação em numerário nos termos do n° 3 do artigo 26 o regulamento do R.M.E, no valor de 9 576.006 C = K.AlxV 15.0m2 x 8 lugares x 4 x 19.956 = 9 576.006 Dado que o estabelecimento em causa se localiza dentro do perímetro da Zona de protecção à Casa …., está o projecto condicionado a parecer favorável do I.P.P.A.R" (fls. 125)".

    No demais foi confirmado as decisões recorridas.

    4o - Consideramos que o pedido formulado pelo recorrente deveria ter sido julgado inteiramente procedente sobretudo tendo em conta a sentença proferida no processo n° 1195/07.8TBPTL que correu seus termos pelo 2o Juízo do extinto Tribunal Judicial de …; 5o - Também deveria ter sido julgada inteiramente procedente, a acção de impugnação pau liana; 6o - O fulcro da questão consiste em saber se o tribunal da primeira instância pode voltar a pronuncíar-se sobre um facto que já foi apreciado na acção declarativa n° 1195/07.8TBPTL devidamente transitada em julgada; 7º - Na acção n° 1195/07.8TBPTL, quer a primeira instância quer a segunda, ambas declararam na fundamentação da sentença e do acórdão, respectivamente, de que competia aos recorridos, obter a licença de utilização do estabelecimento comercial, objecto do contrato-promessa de trespasse; 8o - Todos os factos, em termos camarários (processo n° 100/07 da Câmara Municipal de …), foram praticados em data anterior ao encerramento da audiência de discussão no processo n° 1195/07.8TBPTL; 9o - Os Senhores Desembargadores entenderam não ter havido violação da autoridade de caso julgado emanado da sentença n° 1195/07.8TBPTL; 10° - No processo n° 1195/07.8TBPTL ficou demonstrado na fundamentação quer da sentença quer do acórdão, que era aos recorridos que competia obter a respectiva licença de utilização; 11° - Segundo o professor Miguel Teixeira de Sousa, "o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica" (Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 568).

    Salienta que o "caso julgado das decisões dos tribunais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (art. 113°, n° 1, CRP). Neste enquadramento, o art. 208°, n° 2, CRP estabelece que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas (nomeadamente, outros tribunais e entes administrativos) e privadas, prevalecendo, por isso, sobre as de quaisquer outras entidades. Aquela obrigatoriedade e esta prevalência são conseguidas, em grande medida, através do valor do caso julgado dessas decisões (ob. Cit. p. 568). Esclarece que "a relação de prejudicial idade entre objectos processuais verifica-se quando a apreciação de um objecto (que é o prejudicial) constitui um pressuposto ou condição do julgamento de um outro objecto (que é o dependente). Também nesta situação tem relevância o caso julgado: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial vale como autoridade de caso julgado na acção em que é apreciado o objecto dependente.

    Nesta hipótese, o tribunal da acção dependente está vinculado à decisão proferida na causa prejudicial. Assim, por exemplo, o reconhecimento da propriedade na acção de reivindicação vale como autoridade de caso julgado num processo posterior em que o proprietário requer a condenação da contraparte no pagamento de uma indemnização pela ocupação indevida do imóvel" (Ob. Cit. p. 575).

    E, Que "o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos que pode ser, por exemplo, a condenação ou a absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. (...) O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada. Excluída está, desde logo, a situação contraditória: se, por...

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