Acórdão nº 406/08.7JDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

No âmbito do processo comum n.º 406/08.7JDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 11, foi submetido a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, o arguido SS.., filho de ZZ… e de II…, natural da China, nascido em … 1969, casado, empresário por conta própria, residente na C……………., e condenado, por sentença proferida e depositada em 12 de julho de 2018, pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelos artigos 255.º, alínea a), e 256.°, n.ºs 1, alínea a), e 3, ambos do Código Penal, pelo qual estava acusado, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de €7,00, no montante total de €1.540,00, susceptíveis de conversão em 146 dias de prisão subsidiária.

  1. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: “1- O Tribunal a quo errou ao dar como provada a existência de dolo por parte do arguido, o que consta dos factos nº 6 e nº 7 da matéria de facto dada como provada; 2- O juízo probatório do Tribunal a quo é errado por falta de fundamento.

    3- O dolo pode ser provado por meio directo, seja através de confissão, prova testemunhal ou documental, das quais resulte expresso que o arguido sabia da ilicitude e se acomodou a ela.

    4- Ou pode ser provado por meio indirecto, através de inferências lógicas e de regras de bom senso, face aos factos dados como provados.

    5- No caso sub judice, o tribunal a quo considerou que o arguido sabia da falsidade da carta de condução chinesa (e, por conseguinte, da falsidade contaminada à portuguesa) pelo facto de considerar como provado que o arguido participou no processo de pedido da carta de condução chinesa e no processo de emissão da guia de substituição portuguesa; 6- Sucede que, no nosso entender, o Tribunal a quo errou ao não distinguir a participação no processo de obtenção da carta da produção da carta e ao não considerar como razoavelmente plausível a hipótese de a carta ter sido produzida de forma fraudulenta, mas com aparência de legalidade, à revelia do arguido.

    7- O silêncio do arguido não o beneficia no sentido de que tornar mais prováveis as hipóteses que não implicam dolo, mas, por outro lado, não o prejudicam no sentido de tornar mais provável a hipótese de dolo.

    8- Ademais, a plausibilidade de hipóteses em que o arguido tenha participado no processo convencido da existência de legalidade é exponencialmente aumentada pelo facto de se tratar de uma falsidade com raiz num processo sobre o qual existe um desconhecimento absoluto, não tendo sido feita qualquer produção de prova que permitisse aferir qual o processo normal de obteção de uma carta de condução na República Popular da China, que permitisse concluir pela maior ou menor razoabilidade da existência de dolo.

    Termos em que, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser parcialmente revogada a douta Sentença, na parte recorrida, assim se fazendo A costumada Justiça!” (fim de transcrição).

  2. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 460.

  3. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: 1. Em audiência de julgamento foram analisados os documentos carreados para os autos, não só os que constavam da acusação, assim como os que foram apresentados pelo arguido em sede de contestação. Foram ainda ouvidas as testemunhas apresentadas pelo arguido.

  4. O bem jurídico que se pretende tutelar com a presente incriminação legal reconduz-se à segurança e credibilidade do tráfico jurídico probatório, pretende-se salvaguardar a confiança pública na autenticidade e veracidade dos documentos.

  5. O elemento objectivo do tipo de ilícito reconduz-se ao uso de documento que foi fabricado ou alterado indevidamente na sua essência, modificado o seu conteúdo, sendo propósito do agente causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, daí que seja considerado um crime intencional.

  6. Trata-se de um crime doloso, impondo-se que o agente tenha conhecimento de que está a usar um documento falso, e apesar disso decida utilizá-lo.

  7. Salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova deve ser apreciada no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (cfr. artigo 127.º do Código do Processo Penal).

  8. Todo o pedido para a formalização do pedido de troca de carta chinesa para portuguesa mostra-se devidamente instruído com os dados relativos ao arguido (mais precisamente com uma fotografia sua, um atestado médico emitido em seu nome e com os seus dados identificativos, o seu cartão de autorização de residência do SEF, carta falsa e reconhecimento consular falso).

  9. Só mesmo o arguido poderia e teria interesse em obter tais documentos, apresenta-los perante a DGV, com vista a obter a emissão de carta de condução.

  10. Analisando toda esta prova, e no que concerne ao elemento subjectivo inerente à conduta do arguido, o Tribunal a quo, e bem a nosso ver, concluiu pela sua verificação, de acordo com um juízo de verosimilhança, assente nas regras da experiência comum, no confronto com a demais factualidade objectiva apurada.

  11. Tendo resultado apurado que a carta de condução entregue para troca na DGV era falsa, sendo certo que para obter um título de condução autêntico teria o arguido necessariamente de ter sido aprovado em exame de condução pelas autoridades do país onde a mesma teria sido emitida, o que certamente não fez, pois no quadro de normalidade que deve pautar a vida em sociedade não se afigura verosímil que uma pessoa que obtém aprovação em exame de condução venha a ser portadora de uma carta de condução falsificada.

  12. Muito menos se compadece com o facto de juntar documento referente a certificação consular que, de igual modo, se veio a confirmar ser falsa.

  13. Impunha-se concluir que o arguido sabia que tal documento não era verdadeiro, o que não obstou a que fizesse uso de tal carta falsificada perante um organismo público em Portugal, o que fez com o propósito de obter a vantagem decorrente da obtenção de um título de condução válido e autêntico.

  14. A prova recolhida mostra-se suficiente para dar como provado, com a segurança que se impõe em matéria penal, que foi o arguido, pois apenas este tinha interesse no uso desse documento falsificado, de molde a obter a troca de uma carta de condução falsificada por uma carta autêntica emitida pelas autoridades portuguesas competentes, pelo que se concorda com a factualidade dada como provada e, nessa conformidade, com a condenação do arguido pela prática do crime de que vinha acusado.

  15. Nesta conformidade, não assiste qualquer razão ao ora recorrente, pelo que nos parece ser de manter na íntegra a decisão ora recorrida nos mesmos termos em que foi proferida.

    Face ao exposto, deverá o recurso interposto pelo arguido ser considerado improcedente, mantendo-se in totum a sentença ora recorrida.

    Contudo, V. EXAS farão, como sempre, JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

  16. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs o seu “Visto” e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido (cfr. fls. 481 a 486).

  17. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta.

  18. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

  19. Colhidos os vistos legais, cumpre agora...

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