Acórdão nº 878/13.8TBSSB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | V |
Data da Resolução | 14 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 878/13.8TBSSB-A.E1 Relatório (…) deduziu os presentes embargos de executado contra (…) Bank (…), Sucursal Portuguesa, concluindo que deve:
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Ser a presente oposição julgada procedente por provada e, em consequência, ser extinta a instância executiva, com reconhecimento da excepção de preenchimento abusivo, o que consubstancia a invalidade e ineficácia do título (livrança); b) Ou, assim não se entendendo, ser aceite a oposição por embargos de executado, por violação dos deveres de boa-fé e de transparência exigidas em toda a formação do contrato (artigo 227º, nº 1, do CC); c) Ser actualizado o valor do incumprimento em causa; d) Ser declarado proibido o anatocismo, artigo 560.º do CC, com todas as consequências legais; e) Mais se requerendo seja fixado oficiosamente o valor da acção, para efeitos do artigo 296.º do CPC; f) Outrossim, deverá a requerente ser condenada como litigante de má-fé e, consequentemente, em multa e indemnização, consistindo esta, por a ela ter dado causa, no reembolso das despesas judiciais e extrajudiciais do requerido, incluindo os honorários ao seu mandatário, de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, nos termos dos artigos 542.º e seguintes do CPC.
Os embargos foram recebidos.
O embargado contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Realizou-se uma tentativa de conciliação, sem êxito. Nessa diligência, o tribunal a quo comunicou às partes que o processo continha todos os elementos necessários para o conhecimento do mérito da causa. As partes prescindiram da realização de audiência prévia, tendo ficado com um prazo de 10 dias para exercerem, por escrito, o direito previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC.
Depois de as partes se terem pronunciado nos termos descritos, foi proferida sentença, julgando os embargos improcedentes.
O embargante recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. O acordo de 15Dez2010 é um contrato de adesão.
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Lendo os seus termos e os elementos facultados pelos autos, vê-se que houve uma entrada inicial provada por não impugnada de 10 mil euros para 84 mensalidades, a primeira de 3.900,83 euros e as seguintes de 464,26 cada uma.
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Existindo incumprimento como houve por falta de liquidez do embargante, só ficou previsto sobretudo o pagamento das prestações vencidas e não pagas, mais juros máximos e uma indemnização de 50% e, como se isso não fosse já suficiente, ainda um verba para cobertura da gama imensa de despesas ali discriminadas.
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Salvo resolução, a devolução facultativa do carro só foi equacionada na secção reservada à cessação do contrato.
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O automóvel foi restituído a 22Mar2014 em perfeito estado de conservação, já depois de o embargante ter liquidado 24 prestações (12.162 euros).
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A embargada vendeu o automóvel e recusa-se a dizer por quanto, presumindo-se naturalmente (cfr. artigo 349º do Código Civil) que o fez pelo seu preço de mercado estimado nuns 28 mil euros, pelo que, 7. Em boa verdade, nada mais devia pedir ao embargante, uma vez que ficou ressarcida de tudo e com uma confortável margem de lucro final.
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Face àquele incumprimento, foram preenchidas pela embargada as referenciadas livranças assinadas em branco e pela soma dos montantes acima especificados.
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Trata-se nitidamente de um contrato de adesão de carácter leonino, com uma série acumulada de importâncias escandalosamente exorbitantes e sem mostrar o mínimo atendimento a circunstâncias relevantes como a quantia global realmente satisfeita pelo embargante e a restituição do objecto, nesse ínterim alienado pela embargada com óbvio lucro suplementar.
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Sob o prisma do espírito do sistema (nº 3 do artigo 10º do Código Civil), estamos perante peças que comportam desde logo nulidade por contrariedade à lei, ofensa da ordem pública e ou dos bons costumes (artigos 280º e seguintes e ainda 809º, todos do mesmo Código Civil) e subsidiariamente um autêntico enriquecimento sem causa da embargada (artigos 473º e seguintes ibidem).
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São cláusulas que propiciam situações abusivas, injustas ou violadoras da boa-fé negocial, pelo que devem ser desaplicadas.
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Em obediência a interesses de ordem geral, nem sequer é preciso apurar qualquer grau de culpa do devedor.
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A embargada ultrapassou amplamente os próprios limites estabelecidos pelo sistema.
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A liberdade contratual do artigo 405º do Código Civil tem como restrição textual dentro dos limites da lei.
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Ainda supletivamente, parece que o ensaio de cobrança pela embargada traduz um verdadeiro abuso do direito, por isso que vem exercê-lo excedendo manifestamente os tais limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e ou pelo seu fim económico ou social (artigo 334º também do Código Civil).
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Acresce o teor de artigos como os 9º, 12º, 19º e 22º do referenciado Decreto-Lei nº 446 de 25Out1985.
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A interpretação das declarações negociais é matéria de direito e daí da competência das instâncias superiores em via de recurso.
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O que a embargante legitimamente espera é que, não sendo mera boca de lei, o julgador faça uma recensão crítica do circunstancialismo que presidiu à conclusão do contrato e procure aferir da existência das tais cláusulas excessivas e daí partir para a sua apreciação axiológica, à luz dos ditames que dão corpo àquele espírito do sistema e que abrange os respectivos preceitos não só na sua simples literalidade, mas também na sua ratio legis.
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Em boa verdade, a verba inicial de 10 mil euros aproxima-se mais de um sinal de promessa de alienação da viatura do que propriamente da mera hipótese de locação financeira.
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Assim sendo, então o cumprimento escrupuloso das mensalidades entretanto efectivamente convencionadas equivaleria à aquisição final do automóvel em apreço a benefício do embargante, ora recorrente, eventualmente com o acréscimo de igual modo combinado de um determinado valor adicional ou residual.
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O incumprimento que efectivamente sucedeu daria assim à empresa creditícia o direito de proceder à cobrança desse montante entretanto em falta, mais a das despesas inerentes ao processo e supostamente com a possibilidade de penhora do respectivo veículo.
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Mas a viatura foi entregue e vendida, pelo que, essa situação está ultrapassada.
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Só que o que resta igualmente é intolerável e revoltante.
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Em alternativa até se poderia admitir que a embargada cobrasse as prestações vencidas e não liquidadas e por isso sem juros, a não ser os correspondentes a alguma demora na reposição dessa quantia global.
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Em via de princípio os juros funcionam como substituto da privação de importâncias, pelo que, pretendendo a embargada cobrar estas, já não haveria lugar a juros, excepto aqueles por eventual atraso.
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Mas mesmo que se entenda que a embargada ainda tem direito a juros, é incrível que estes sejam fixados não à taxa comum, mas pela taxa máxima, o que implica o acréscimo anómalo ou extravagante de pontos percentuais.
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Acresce aquela indizível ou inominável indemnização dos 50% que parece corresponder a uma genuína cláusula penal e especialmente revoltante porque a embargada a acciona como se não estivesse já a proceder à cobrança das demais quantias e todas elas geralmente descabidas.
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Uma cláusula penal só pode em via de princípio assumir um carácter substitutivo, pelo que não é cumulável com qualquer obrigação tida como principal.
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Também foi violada a boa-fé que deve presidir a todos os instantes ou momentos do contrato sem excepção, desde a partida à chegada, quer nos preliminares ou na formação, quer ao longo de todo o cumprimento (artigo 227º e nº 2 do 762º do Código Civil).
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O caso sub judice justifica que nos louvemos no magnífico acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7Mar1991, in BMJ nº 405 - pp 465 e seguintes, a saber 31. Proibidas e nulas são as cláusulas que, concedendo à parte contratual economicamente mais forte a vantagem – ofensiva do equilíbrio contratual – de receber todas as quantias devidas, lhe outorgam ainda a possibilidade de agir contra a natureza do contrato e os direitos essenciais do devedor.
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Deste modo e se o embargante restituiu intacto o objecto do contrato, isso é susceptível de ser tomado afinal e na visão de conjunto de todos os elementos a ele inerentes como uma verdadeira resolução da sua parte.
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A prática jurídica racionalizou-se, as grandes empresas uniformizam os seus contratos de molde a acelerar as operações necessárias à colocação de produtos e a planificar, em diferentes aspectos, as vantagens que lhes advêm desta massificação, o que vale por dizer que o fenómeno das chamadas cláusulas contratuais gerais fez a sua aparição, estendendo-se aos domínios mais diversos.
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Sem dúvida, a padronização negocial favorece o dinamismo do tráfico conduzindo a uma racionalização ou normalização e a uma eficácia benéfica aos próprios consumidores.
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Não deve todavia olvidar-se que o predisponente pode derivar do sistema certas vantagens que signifiquem restrições, despesas ou encargos menos razoáveis ou iníquos para os particulares.
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A embargada – economicamente mais forte – fixou claramente a seu bel-prazer todo o clausulado e sem qualquer discussão da contraparte.
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A antiga forma simplista de pensar encontra-se ultrapassada, reconhecendo a lei a existência de desigualdade económica entre os contratantes e a sujeição a cláusulas injustas por necessidade de contratar para evitar mal maior e com assinatura resignada.
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Parece que perante as cláusulas de antemão fixadas pela embargada de maior força económica sem oferecer à contraparte economicamente mais fraca a possibilidade preliminar de análise e discussão, a fim de obter supressão ou modificação, consideradas gravosas as redacções originais, a única alternativa para a contraparte economicamente mais débil, face a esse circunstancialismo, é arguir a sua nulidade perante o tribunal, por serem proibidas ou atentatórias dos ditames da boa-fé ou afectarem o equilíbrio do sinalagma, ficando o julgador autorizado a socorrer-se do instituto da redução do negócio, segundo os...
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