Acórdão nº 1633/12.8TBBNV-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

P. 1633/12.8TBBNV-B.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…), como credora, ex-trabalhadora e representante dos trabalhadores na Comissão de Credores designada nos autos de insolvência de (…) – (…), Indústrias Gráficas, S.A., inconformados com a sentença de verificação e graduação de créditos, na parte em que não reconheceu aqueles trabalhadores reclamantes o privilégio imobiliário especial pelo produto da venda dos imóveis correspondentes às verbas 89 e 90 (graduando os respectivos créditos em primeiro lugar), vieram apelar de tal decisão, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: I – Na Douta Sentença recorrida a Mmª Juiz reconhece e gradua em primeiro lugar apenas o crédito do trabalhador (…) pelo produto da venda dos imóveis descritos nas Verbas 89 e 90 do Auto de Apreensão.

II – No momento da declaração de insolvência, os restantes trabalhadores prestavam actividade em instalações sitas no (…), Samora Correia, Benavente, detidas pela empresa em regime de locação financeira, sendo que os imóveis descritos nas Verbas 89 e 90, sitos na (…), Amadora, estiveram e estavam no momento da declaração de insolvência afectos à actividade da empresa.

III – Até final de 2009, data da fusão da (…) e da (…) Júnior e Filhos, os imóveis da (…), Amadora constituíram a sede desta empresa, sociedade incorporante, sendo neles que estava instalada a unidade produtiva e onde tinham posto de trabalho dezenas de trabalhadores.

IV – Depois da fusão, os imóveis da (…), Amadora eram utilizados como armazém, para embalamento de produto acabado, ou para depósito de maquinaria.

V – Os imóveis da (…), Amadora constituíram, assim, local de trabalho de grande parte dos trabalhadores reclamantes até final de 2009/início de 2010.

VI – Nos termos do artigo 333º/1, a), do Código do Trabalho, os trabalhadores têm privilégio creditório imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual presta a sua actividade.

VII – O conceito de “imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade” deverá ser interpretado de forma ampla, integrando todos os imóveis que integram o património da empresa, desde que afectos à actividade.

VIII – É esta a solução preconizada pela jurisprudência dominante, designadamente, Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 23-02-2016 e Acórdão da Relação de Évora de 20-10-2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

IX – Os imóveis da (…), Amadora, além de estarem afectos à actividade da empresa na data da declaração de insolvência, constituíram, durante décadas, a sede da empresa antes da fusão e o local de trabalho de grande parte dos trabalhadores reclamantes.

X – Deve, assim, sobre o produto da venda dos imóveis correspondentes às Verbas 89 e 90, ser reconhecido privilégio imobiliário especial a todos os trabalhadores reclamantes.

XI – Esta interpretação é a mais consentânea com a razão de ser do privilégio creditório dos trabalhadores: a especial protecção que estes créditos merecem, pela sua relevância social e económica, constitucionalmente consagrada no que diz respeito ao Direito à Retribuição.

XII – Uma interpretação restrita ou puramente literal implicaria um injustificável tratamento desigual entre trabalhadores da mesma empresa.

XIII – E deixava à mercê de actos de gestão da administração da empresa o afastamento da especial protecção que os créditos laborais merecem por força da deslocalização da produção de um imóvel próprio para um detido em locação financeira pouco tempo antes da declaração de insolvência.

XIV – Isto perante uma realidade (a deslocalização do posto de trabalho para um imóvel em leasing) que a maior parte dos trabalhadores nem sequer conhecia.

XV – Os trabalhadores, nas suas reclamações de créditos, invocaram o privilégio imobiliário especial.

XVI – Mesmo que não o tivessem feito, o juiz, em face dos elementos constantes dos autos, deveria sempre reconhecer tal privilégio sobre os imóveis apreendidos, dado os mesmos estarem afectos à actividade da empresa e terem constituído, até pouco tempo antes da declaração de insolvência, a sede e unidade produtiva da insolvente.

XVII – Em suma, a Douta Sentença de Graduação de Créditos, na parte em que reconhece apenas ao trabalhador (…) privilégio imobiliário especial sobre o produto da venda das Verbas 89 e 90 viola a jurisprudência constante do AUJ citado.

XVIII – Devendo ser revogada nesta parte e substituída por outra que reconheça a todos os trabalhadores reclamantes privilégio imobiliário especial pelo produto da venda dos imóveis correspondentes às Verbas 89 e 90, a graduar em primeiro lugar.

XIX - Nestes termos, requer que o presente recurso seja julgado procedente, fazendo-se assim a habitual Justiça.

Pelo Banco (…), S.A., na qualidade de ser também credor reclamante, foram apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.

Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelos apelantes que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se os créditos que lhes foram reconhecidos, como trabalhadores da insolvente, gozam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 333º, nº 1, alínea b), do Código do Trabalho, sobre os imóveis de que aquela foi proprietária e que vieram a ser apreendidos à ordem dos autos (cfr. verbas 89 e 90 do auto de apreensão).

Antes de mais, com interesse para a decisão a proferir, resulta da análise dos autos principais e seus apensos (nomeadamente, do relatório a que alude o artigo 155º do CIRE e da certidão permanente da insolvente), que se mostra apurada a seguinte factualidade: 1 - A sociedade (…) – (…), Indústrias Gráficas, S.A. foi declarada insolvente por sentença proferida em 21.11.2012, transitada em julgado em 10.12.2012.

2 - Os trabalhadores da referida sociedade, à data da declaração de insolvência, prestavam a sua actividade nas instalações do (…), Samora Correia, Benavente, as quais eram detidas pela insolvente a título de locação financeira.

3 - Os imóveis descritos nas verbas 89 e 90 do auto de apreensão, sitos na (…), Amadora, eram usados, no essencial, para o armazenamento de produto acabado, o seu embalamento e como estaleiro de máquinas.

4 - Os referidos imóveis, sitos na (…), Amadora, constituíam – até à fusão da (…) Júnior e Filhos, SA (incorporante) e da (…) – Sociedade Tipográfica, SA (incorporada), ocorrida em 02/12/2009 – a sede da empresa e o local onde estava centralizada a produção, no qual os trabalhadores exerciam o seu posto de trabalho.

5 - Só depois de se ter sido efectuada a fusão acima referida – ou seja, no início do ano 2010 – é que a produção foi deslocada, tendo sido centralizada no (…), Samora Correia, Benavente, em instalações que foram adquiridas em regime de locação financeira.

Ora, do circunstancialismo fáctico supra transcrito, podemos verificar que os imóveis em causa – entretanto vendidos e que correspondem às verbas 89 e 90 do auto de apreensão – representavam, afinal, o local de trabalho da generalidade dos trabalhadores aqui reclamantes, pelo menos até ao início do ano 2010 (altura em que foram deslocados para o imóvel sito no Porto Alto).

E, por outro lado, não obstante o imóvel em locação financeira – sito no (…), Samora Correia, Benavente – ter constituído o local de trabalho da generalidade dos trabalhadores aqui reclamantes (a partir de 2010), a verdade é que os imóveis...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT