Acórdão nº 02499/14.9BELSB 0655/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…………, residente na Rua …………, ……, Oeiras, interpôs junto do TAF de Sintra contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, a presente acção administrativa especial de impugnação, da decisão de suspensão do pagamento da pensão e de restituição, peticionando a anulação da decisão do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça de 30/06/014 que decidiu que a A. teria de lhe restituir as pensões recebidas nos anos de 2011 e 2012, no montante líquido de 52947,62€, por cumulação indevida da perceção da remuneração paga pelo IGFEJ com a pensão paga pela CGA.

Alegou, para tanto, em síntese, que o acto de suspensão do pagamento da CGA, é ilegal, porque as funções de administradora de insolvências não se enquadram no conceito de funções públicas do regime de incompatibilidades constante dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação [com a redacção dada pelo DL 137/2010, de 28/12].

* O TAF de Sintra, por sentença datada de 21.04.2016, julgou procedente a presente acção, e, em consequência, anulou a decisão impugnada que suspendeu o pagamento da pensão da A. e determinou a restituição das pensões recebidas nos anos de 2011 e 2012 pela A. no montante líquido de 52.947,62€.

* Interposto, pela autora, recurso jurisdicional para o TCA Sul, este, por acórdão datado de 06.12.2017, confirmou a decisão do TAF de Sintra, negando provimento ao recurso jurisdicional.

* A CGA, inconformada, interpôs o presente recurso de revista, para o que alegou tendo formulado as seguintes conclusões: «1ª Verificam-se, no presente caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no artº 150º do CPTA, já que, com a sua interposição pretende-se obter uma melhor interpretação e aplicação da lei, designadamente do disposto no nº 1 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação, na redacção que a este preceito foi dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro.

  1. É essencial determinar qual o sentido e alcance da expressão “funções públicas remuneradas” constante do nº 1 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação cuja interpretação seguida na sentença proferida em 2016-04-21, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, posteriormente confirmada pelo TCA Sul através do acórdão de que se recorre, é diferente da seguida na Sentença proferida em 2016-11-28, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no âmbito do proc.º nº 878/14.0BEVIS em que foi Autor, B…………, confirmada posteriormente pelo TCA Norte através de acórdão de 3 de Novembro de 2017.

  2. Da redacção do artigo 78º do Estatuto da Aposentação resulta a impossibilidade de exercer funções públicas remuneradas junto de quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais e demais pessoas colectivas públicas.

  3. A lei não define o que são “funções públicas”, pelo que, recorrendo à jurisprudência, a título de exemplo ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17 de Junho de 2016, proferido no âmbito do processo nº 1287/11. BEPRT, podemos, com segurança, afirmar que o conceito de exercício de funções públicas é um conceito abrangente e que vai para além do conceito de função pública, considerado este como um conjunto de indivíduos que de forma subordinada e hierarquizada prestam o seu trabalho, como profissionais especializados, no desempenho de funções próprias e permanentes dos serviços e pessoas colectivas que integram a Administração Pública.

  4. O exercício de funções públicas, por contraposição com funções privadas, encontra-se ligado aos fins prosseguidos com o que se denomina por administração pública em contraponto com a administração privada. Exercício de funções públicas diferencia-se, assim, pelos fins que prossegue e pelos meios que utiliza.

  5. O exercício de funções públicas tem como objectivo essencial promover a satisfação das necessidades colectivas e terá como finalidade a prossecução de um interesse público.

  6. Os administradores judiciais exercem funções públicas, unicamente subordinadas à prossecução do interesse público. Estamos perante o exercício de verdadeiras funções públicas, não reguladas pelo direito privado, antes pelo direito administrativo, de onde resultam amplos poderes de autoridade para a prossecução de um interesse público geral e judiciário.

  7. Em termos de vínculo laboral, os administradores judiciais não estão integrados na função pública, não têm uma relação de emprego público, mas o conceito “exercício de funções públicas” não é utilizado pelo legislador no artigo 78º do Estatuto da Aposentação nesta acepção restrita, mas sim na acepção mais ampla em que o exercício de funções públicas, por contraposição com exercício de funções privadas, se encontra ligado aos fins prosseguidos.

  8. A análise da actividade do administrador de insolvência – designadamente através da análise dos estatutos previstos na Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, - permite concluir, contrariamente ao que decidiu o Tribunal Central Administrativo no acórdão recorrido, que os administradores judiciais exercem funções públicas e por isso estão abrangidos pelo regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação».

* A autora, ora Recorrida A…………, apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma: «1. Devem ter-se por não escritas, em nome do princípio do contraditório, as passagens da alegação do recurso de revista em que a recorrente cita um suposto acórdão proferido pelo TCA Norte em 3.11.17 no proc. 878/14, visto que não o junta com a alegação nem ele está consultável na internet.

  1. O acórdão, também citado pela recorrente, nas suas conclusões mas não na fundamentação do recurso, proferido pelo TCA Norte em 17.6.16 no proc. 1287/11, respeita a peritos avaliadores, cuja situação jurídica não é comparável à dos administradores de insolvência pelas razões explanadas em A) destas contra-alegações, ainda que a recorrida discorde da bondade da decisão aí tomada.

  2. O recurso de revista só será admissível pela relevância jurídica e social da questão nele posta, nos termos do art. 150-1 CPTA.

  3. É suficiente a fundamentação do acórdão recorrido, considerando que fez sua a fundamentação, cuidada e minuciosa, da sentença da 1ª instância, a que só acrescenta de substancial um argumento de interpretação histórica retirado do preâmbulo do DL 137/2010, de 28 de dezembro, quanto a ter-se visado, com a alteração dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, eliminar a possibilidade de cumulação de “vencimentos públicos” com pensões do sistema público de aposentação.

  4. É de inteiramente perfilhar, na decisão do recurso de revista, além deste, os fundamentos da sentença de 1ª instância, a que a 2ª instância aderiu.

  5. As funções do administrador de insolvência na vigência do Estatuto aprovado pela Lei 32/2004, de 22 de julho, caracteriza o seu exercício como uma atuação desenvolvida no interesse dos credores da insolvência e remunerada pela massa insolvente.

  6. O eventual pagamento pelo IGFEJ da remuneração devida ao administrador de insolvência, nos casos em que o ativo da massa insolvente não o permite, tem mera função de garantia, de natureza subsidiária semelhante à do Fundo de Garantia Automóvel, quando o responsável pelo acidente de viação não tem seguro obrigatório, ou à do Estado, quando este se substitui ao banco insolvente no reembolso dos depósitos até 100.000 euros, não cabendo no conceito de vencimento público ou de outras quantias pagas pelo Estado ou outra pessoa coletiva pública em remuneração direta de serviços que lhe são prestados.

  7. O administrador de insolvência não exerce função pública remunerada, pelo Estado ou outra pessoa pública, em sentido lato ou restrito, mas sim uma função ao serviço do coletivo dos credores da massa insolvente, que em princípio lhe paga, pelo que a sua atuação não se enquadra nos nºs 2 ou 3 do art. 78 do Estatuto da Aposentação.

  8. O nº 2 deste artº 78 aplica-se ao reformado da Caixa Geral de Aposentações que exerce uma função pública, entendido o termo função no sentido lato que lhe é dado pelo nº 3, mas sem prescindir da subsequente verificação da natureza pública dessa função, a qual só é dada pelo estabelecimento duma relação jurídica direta com o Estado que implique a prestação a este dum serviço por ele, em 1ª mão (e não só subsidiariamente), remunerado.

  9. É artificial, e não tem apoio na lei, a distinção entre a função pública e o seu exercício, não sendo conceitualmente defensável que o conceito de exercício de funções públicas extravase o de função pública.

  10. Nem a nomeação do administrador de insolvência pelo juiz nem a sua equiparação ao agente de execução, que, tal como o advogado, é um profissional liberal, remunerado pelo exequente e só em caso de apoio judiciário pelo Estado, nem a sujeição do administrador de insolvência, tal como do perito da lei processual civil ou do árbitro, ao regime de impedimentos e suspeições do juiz, nem o exame de admissão a que está sujeito, nem a sua inclusão numa lista oficial, constituem achegas válidas para a caracterização do conceito de exercício duma função pública remunerada pelo IGFEJ.

  11. A aplicação dos arts. 78º e 79º do Estatuto da Aposentação a reformados à data da sua entrada em vigor, nos termos do art. 8º do DL 137/2010, obriga, por imposição de princípios constitucionais, à interpelação do reformado para optar, com eficácia para o futuro, entre a pensão e o vencimento, o que implica que a situação de cumulação seja corretamente descrita no ato da interpelação, de modo a não se suscitarem dúvidas no aposentado sobre o entendimento da CGA quanto à aplicação dos arts. 78º e 79º à sua situação concreta.

  12. A exigência desta interpelação prévia não é satisfeita, ofendendo o princípio da confiança, quando a CGA declara que o aposentado exerce uma função diferente da real e de natureza diferente desta, o reformado...

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