Acórdão nº 3845/16.6T8VIS.C2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.

AA e marido, BB intentaram a presente acção contra o Banco CC, S.A., alegando, em resumo: Eram clientes do R., tendo em Maio de 2006 o gerente do balcão do R. onde se encontrava sediada a conta dos AA. proposto à A. mulher a subscrição de um produto financeiro em tudo semelhante a um depósito a prazo, sem qualquer risco, com uma boa rentabilidade, sendo o capital garantido pelo Banco.

Convencida de se encontrar a subscrever um produto seguro, como um depósito a prazo, a A. mulher investiu € 50.000,00 nos termos propostos pelo funcionário do R., convicta que não corria qualquer risco, e que o capital era garantido pelo R., convicção que se manteve até Novembro de 2015, data em que o R. deixou de pagar os juros da aplicação, recusando-se a pagar o capital investido aos AA.

Os AA. não foram informados sobre o tipo de aplicação que estavam a subscrever, não sabiam quem era a DD, e que caso soubessem da existência de qualquer risco ou que o produto não era garantido pelo Banco nunca o teriam subscrito, não lhes tendo sido entregue qualquer documentação explicativa do produto financeiro subscrito.

Em consequência dos factos, invocam ter sofrido danos de natureza patrimonial e não patrimonial que discriminam. Concluem pedindo que seja o réu condenado: a) a pagar aos AA. o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 57.000,00 €, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento; Ou, assim não se entendendo: b) ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 50.000,00 € que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas EE; c) ser declarado ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes; d) condenar-se o R. a restituir aos AA. 57.000,00 € que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; E, sempre, e) ser o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de € 3.000,00, a título de dano não patrimonial.

  1. O R. contestou invocando a ineptidão da petição inicial, alegando não ser perceptível a causa de pedir, para além de contraditórias, bem como a excepção de prescrição, por ser do conhecimento dos AA. o tipo de investimento efectuado.

    Em sede de impugnação, alegou que os AA. tinham experiência em investimentos bancários, sabendo o tipo de produto que subscreviam, tendo sido informados de todas as condições.

    O produto financeiro em causa era, à data da sua emissão, seguro, tendo o seu incumprimento tido origem num facto imprevisível e anormal: a nacionalização do banco e a insolvência da DD.

    Nunca foi referido aos AA. que o banco garantiria o capital, sabendo caber tal obrigação à DD.

    Impugna ainda terem os AA. subscrito um contrato de adesão, tendo antes aceite a subscrição de títulos.

    Conclui pedindo que a acção seja julgada totalmente improcedente, por não provada, e o Réu absolvido do pedido. 3.

    Os autores responderam às excepções, refutando-as.

  2. Após a normal tramitação dos autos, dispensada a audiência prévia e saneado o processo, procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal e, a final, foi proferida sentença a «Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar o Réu “Banco CC, S.A.”, a pagar aos AA. AA e BB, as seguintes quantias: a) € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde 9.5.2016 até integral pagamento. b) € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação da presente decisão até integral pagamento.

    Custas da ação por Autores e Réu, na proporção dos respetivos decaimentos. Registe e notifique».

  3. Inconformado o Réu Banco CC, S.A. interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação de …, por Acórdão de 15 de Maio de 2018, decidiu «em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida».

  4. O Réu Banco CC, S.A.

    interpôs Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: Da admissibilidade do recurso de revista ao abrigo do art.º 672 do CPC Da alínea a) do n.º 1 do art.º 672 do CPC I.

    Tendo o Banco-R. sido condenado ao abrigo da responsabilidade civil do intermediário financeiro, o âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não dizer completamente opostas.

    II.

    Pontifica a este propósito a divergência quanto à necessidade de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de "capital garantido".

    III.

    Tem igualmente variado a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de "capital garantido" ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida - como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras vêem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento.

    IV.

    Cabe estabilizar a aplicação do direito em face deste cenário de tamanha incerteza e face a tal dimensão de contencioso essencialmente na concretização de cláusulas abertas como as previstas no âmbito do Código de Valores Mobiliários a propósito da intermediação financeira, principalmente em período anterior à referida crise do final da primeira década deste século.

    VI.

    A questão reveste-se assim de relevância jurídica que a torna necessária a uma melhor aplicação do direito.

    DO RECURSO DE REVISTA VII.

    Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até - em alguns casos - quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

    VIII.

    A menção do art.º 312 n.º 1 al. a) do CdVM aos "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar" refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição - essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

    IX.

    A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

    X.

    Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de "capital garantido"), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso.

    XI.

    Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital... basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

    XII.

    O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! XIII.

    A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação! XIV.

    Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! XV.

    É que a este respeito, impõe-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

    XVI.

    E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo! XVII.

    O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

    XVIII.

    O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

    XIX.

    Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-r. devesse ter advertido a A.

    XX.

    A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no art.º 314.º e 312.º do CdVM.

    XXI.

    A ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à segurança do produto tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/ cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros, bem como teve em conta a aparente robustez financeira da entidade emitente.

    XXII.

    Ora, esta explicação do funcionário do Banco Réu tem também que ser vista no contexto em que foi proferida. De facto, no início do 2008 ainda não tinha deflagrado a crise financeira de Setembro de 2008 (com a falência do EE). Nessa altura não era vulgar o incumprimento das obrigações assumidas em títulos, ou a insolvência dos emitentes.

    XXIII.

    Por isso, esse risco não era algo que o...

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