Acórdão nº 144/09.3JABRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | LOPES DA MOTA |
Data da Resolução | 10 de Outubro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que, negando provimento ao recurso do acórdão do tribunal colectivo da comarca de Braga, confirmou a decisão de condenação nos seguintes termos: «A) Quanto à parte crime julgar parcialmente procedente a acusação pública, por parcialmente provada e, em consequência: 1.º - Absolver o arguido AA da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, al. f), e 2, alínea e), ambos do Código Penal; 2.º - Condenar o arguido AA, em coautoria, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de três anos de prisão; 3.º - Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 2, alínea g), ambos do Código Penal, na pena de dezasseis anos de prisão; 4.º - Condenar o arguido AA, em coautoria, pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão; 5.º - Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de coação agravada, previsto e punido pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão; 6.º - Em sede de cúmulo jurídico das penas parcelares de 2 a 5 deste dispositivo, condena-se o arguido AA na pena única de dezanove anos de prisão.» 2.
Pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que o absolva da prática dos crimes por que vem condenado, apresenta motivação de recurso de que extrai as seguintes conclusões (transcrição): «a) Questão prévia: da condenação do arguido com base na valoração de prova proibida (artigos 128.º e 129.º do CPP) 1 - Para que seja valorado, o depoimento de “ouvir dizer” exige-se a confirmação, com a consequente audição das pessoas de quem se ouviu dizer.
2 - O legislador é inequívoco quando prescreve que, se o julgador o não fizer, “o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova…” (art. 129º, nº 1, do CPP).
3 - Se o Tribunal não chamar as ditas pessoas, o depoimento indireto da testemunha não pode ser valorado (salvo os apontados casos de impossibilidade).
4 - Por isso, o depoimento “por ouvir dizer” só após confirmação será eficaz como meio de prova”.
5 - E compreende-se que assim seja, até porque se não houver a confirmação da alegada conversa, nada nos diz que a mesma tenha de facto ocorrido.
6 - Por outro lado, o arguido pode remeter-se licitamente ao silêncio e, como determina o artigo 61.º, isso não o pode prejudicar, não podendo o tribunal extrair conclusões desse silêncio (veja-se a este respeito os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.12.2014, proc. nº 155/13.4PBLMG.C1 e do Tribunal da Relação do Porto, processo nº 26/03.2TASJP.P1, de 28.10.2009, relator Ernesto Nascimento, ambos disponíveis em in http://www.dgsi.pt); 7 - Entender-se que o princípio do contraditório está respeitado, nos casos em que o arguido opta por não falar, exercendo o seu direito ao silêncio, admitindo que se o arguido não falou foi porque não quis, constituiria uma forma de coação intolerável e inadmissível, para que o arguido prestasse declarações, sendo que tinha o direito de não as prestar.
8 - No caso concreto, cremos, que não pode deixar de aqui interceder – decisivamente – o apontado limite, para valorar a prova testemunhal de BB, ex-mulher do arguido/recorrente como meio de prova, que deu a conhecer, sobre as conversas mantidas com o arguido a respeito dos factos em apreciação.
9 - Para que um tal depoimento seja valorado é essencial que seja confirmado pela pessoa que disse, confirmação que tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, já que o mérito de uma testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha.
10 - Assim, não tendo o arguido/recorrente confirmado a versão dos factos engendrada pela dita testemunha, o depoimento indireto desta, não pode valer como prova, sobre o que ouviu dizer ao arguido, reportado à autoria dos factos, por ser prova proibida.
b) Do erro de julgamento por violação do princípio in dubio pro reo 11 - Importa, porém, não olvidar um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade. Na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição) e a regra, seu corolário, in dubio pro reo.
12 - Há que notar, além do mais, que não existe prova direta, nomeadamente por alguém ter visto o arguido a cometer os factos principais que lhe são diretamente imputados.
13 - Aliás, feita uma análise pormenorizada por toda a prova vigente, constatamos que os factos vertidos no libelo acusatório e que alicerçaram a convicção do Venerando Tribunal da Relação resultaram essencialmente daquilo que a testemunha BB, ex-mulher do arguido/recorrente, diz que o arguido/recorrente lhe contou.
14 - Toda a demais prova, é vaga e dúbia, de tal modo, que se torna irrazoável considerar a existência de fortes indícios que apontem no sentido da condenação do arguido.
15 - Aliás, é importante realçar que não deixa de ser razoável a dúvida de que tenham sido outros os autores dos crimes, aliás, não podemos dizer que está, razoavelmente, de todo afastada essa hipótese.
16 - Assim, de uma leitura conjugada de toda a prova, existe e persiste dúvida razoável sobre a autoria do arguido da prática dos factos tal como foram dados como provados.
17 - Como é bom de ver, o Venerando Tribunal, ditou a sentença penal do arguido tendo por base o depoimento da ex-mulher, BB, que não presenciou os fatos dados como provados, mas, limitou-se a contar, no dizer dela, o que o arguido lhe confessou, não sendo de descurar, ainda que o seu depoimento fosse admissível, a posição de inimizade que claramente demonstrou em relação ao arguido com o intuito de prover à condenação do mesmo.
18 - Constata-se, deste modo, que os indícios não são suficientemente seguros e inequívocos, de forma a fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foi o arguido o autor dos crimes.
19 - O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo.
20 - Na verdade, a prova indiciária não tem a virtualidade de afastar a presunção de inocência do arguido, e constituir prova bastante do facto probandum uma vez que os indícios são ambíguos e a inferência é ilógica e de tal modo aberta que em si mesmo comporta uma tal pluralidade de conclusões alternativas que nenhuma delas pode dar-se por provada.
21 - Portanto, a dúvida que a esse respeito se suscita não pode prejudicar o arguido, deve beneficiá-lo.
22 - E não é sobre o arguido que recai o ónus de dissipar essas suspeitas, dando uma justificação para o facto. Se as suspeitas nunca deixam de ser apenas suspeitas, daí não pode retirar-se alguma certeza.
23 - A autoria dos crimes por parte do arguido, não é mais do que uma das várias hipóteses possíveis a qual, para além de ser a mais prejudicial para o arguido, carece da segurança exigida pela observância do princípio in dubio pro reo.
24 - O douto Venerando Tribunal da Relação deveria ter absolvido o Arguido, ora Recorrente, em face da falta de prova bastante, segura, firme, validamente produzida, em obediência do Princípio "in dubio pro reo", uma vez que, do Julgamento, e de todo o mais, nenhuma certeza resultou de que o Recorrente tivesse praticado, ou participado na factualidade por que veio a ser condenado, não podendo concluir-se, em face dos factos, pela culpa, para cuja prova nada existe.
Contudo e sem prescindir, 25 - O direito ao silêncio do arguido circunscreve-se a uma dimensão positiva que lhe confere a faculdade de se manter em silêncio ao longo de todo o processo e, em especial, na audiência de julgamento (arts. 61.º, nº1, al. d) e 343.º, n.º 1, in fine), sem tal comportamento possa ser interpretado em seu desfavor.
26 - Todavia, entender como entendeu o Venerando Tribunal da Relação, que o arguido seria beneficiado, se não valorasse o depoimento da aludida testemunha BB (depoimento indireto), pois tendo oportunidade de o contraditar não o fez, é irrazoável.
27 - Ainda que, o arguido falasse em audiência de julgamento, sempre seria para desmentir a aludida testemunha, e portanto, era a palavra de um contra a palavra de outro.
28 - É notória a prejudicialidade resultante da valoração do dito depoimento, sem a existência de quaisquer outras provas bastantes e seguras que permitiriam ao douto Tribunal asseverar para além de qualquer dúvida razoável, de que foi efetivamente o arguido o autor dos crimes, pois o dito depoimento, foi suficiente, por si só, para ditar a sua condenação.
29 - Mesmo que assim não se entenda, e a entender-se lícito valorar o depoimento indireto da testemunha BB, nos moldes gerais, em conformidade com as regras estabelecidas no artigo 127º do CPP, forçosamente se teria de concluir por decisão diversa à proferida pelo Venerando Tribunal, uma vez que o depoimento da dita testemunha é despojado de qualquer autenticidade, consistência e coerência.
30 - Atente-se que esta testemunha prestou depoimentos totalmente contraditórios perante os OPC, em fases diferentes do processo.
31 - À data dos factos a testemunha BB, era casada com o arguido, e encontrava-se numa boa fase do relacionamento, e afirmou aos OPC não ter notado qualquer alteração de comportamento...
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