Acórdão nº 433/11.7TVPRT.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO A autora “AA Group, Inc.”, com sede em …, Suite …, Wickham’s Cay 1, Road Town, …, British Virgin Islands, intentou acção de condenação com processo comum contra os réus “Banco BB, S.A.”, actualmente “Banco CC, S.A..”, “BB Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.”, e “BB C… Limited”, sociedade incorporada nas Ilhas Cayman, pedindo a condenação solidária dos réus na quantia de € 521.854,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 30.1.2008 no que concerne ao montante de 450.356,00€, e desde 19.10.2009 no que respeita à quantia de 71.498,00€, até efectivo e integral pagamento.

Pediu ainda a condenação nos honorários suportados com os seus mandatários e demais despesas incorridas com a propositura da acção, designadamente, as custas judiciais.

Em síntese, alegou que em Janeiro de 2000 procedeu à abertura da conta nº 35…. junto do BB C…, na qual foi depositando, ao longo dos anos, várias quantias, que eram aplicadas em depósitos a prazo, de acordo com as indicações do Private Banker do CC, em …, DD.

Aquando da abertura de conta a autora informou o BB, na pessoa de DD, que pretendia aplicar parte do seu dinheiro em depósitos ou aplicações a prazo, sempre com garantia do capital investido, ainda que os juros fossem mais baixos.

Deste modo, DD, enquanto funcionário do BB, foi aplicando, ao longo dos anos, parte do dinheiro pertencente à autora em várias aplicações a prazo, sendo certo que, pelo menos a partir de Julho de 2002, aplicou 300.000,00€ num depósito a prazo, por três meses renováveis.

Em virtude dessa aplicação financeira, passou a pagar à autora, regularmente, juros trimestrais, no início de cada trimestre.

O capital permanecia sempre o mesmo, só variando em consequência de alguns reforços de capital que foram sendo efectuados, quando havia algum levantamento de dinheiro, ou quando se dava ordem para incorporar os juros pagos.

Em Julho de 2007, a autora dispunha de € 450.291,08 aplicados no mencionado depósito a prazo, tendo sido pagos os juros acordados, trimestralmente, como vinha sendo usual.

Contudo, no início do trimestre seguinte, em Outubro de 2007, sem qualquer justificação, o BB deixou de pagar os juros que havia acordado relativamente a essa aplicação, pagando juros inferiores ao que vinha efectuando até essa data e, no início de Janeiro de 2008, deixou mesmo de pagar quaisquer juros à autora.

A autora solicitou então a devolução do seu capital para realizar outras aplicações, o que não ocorreu, sendo que sempre lhe foi transmitido que a administração do BB tinha decidido honrar os compromissos assumidos, pelo que iria proceder ao reembolso do valor aplicado.

A autora nunca fora informada de que a aplicação a prazo do seu dinheiro teria por objecto a compra de títulos com risco, o que nunca autorizara, sempre lhe tendo sido afirmado que o capital investido estava garantido.

Com a actuação dos réus, a autora, para além de perder os juros que lhe haviam sido prometidos, perdeu todo o capital que tinha aplicado, e que, segundo o que lhe havia sido transmitido, não corria qualquer risco.

Os réus, ao aplicarem aquele dinheiro da autora em produtos de elevado risco, sem o cuidado de a informar previamente, enganaram-na deliberadamente, violando os deveres legais, éticos e deontológicos básicos, sobretudo numa relação de “Private Banking”.

Para além disso, em 18.12.2008 o Banco procedeu, de forma unilateral, ao débito de uma quantia de 59.435,79€ na conta à ordem da autora, sob a descrição de “K2”, que por não estar provisionada representou um movimento negativo, equivalente a uma dívida ao Banco.

Essa pretensa dívida, que nunca foi explicada ou justificada à autora, gerou juros à taxa de 22% entre 18.12.2008 e 19.10.2009, a favor do Banco, perfazendo, assim, um total debitado à autora no montante de 71.498,00€.

Na sequência desse débito, de 71.498,00€, a autora viu-se forçada a vender os títulos que detinha no BB, em momento não previsto, por ser essa a única possibilidade que tinha de pagar ao Banco o valor que aquele injustificadamente reclamava.

Os réus “BB, S.A.” e BB Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, SA”, deduziram contestação conjunta, impugnando os fundamentos da acção, defendendo-se por impugnação e por excepção, sustentando a ilegitimidade da ré “BB Gestão de Activos, SA” e também a prescrição do eventual crédito da autora sobre todos os réus.

Por impugnação, alegaram que o departamento de “Private Banking” do réu BB foi procurado no início do ano de 2000 por um indivíduo de nacionalidade espanhola, chamado EE, legal representante da autora, que visava obter rentabilidades superiores às que eram oferecidas pelos produtos financeiros tradicionais, maxime depósitos a prazo ou obrigações emitidas por entidades nacionais.

A autora começou por constituir junto do réu “BB C…” depósitos a prazo, mas pouco tempo depois, e insatisfeita com a rentabilidade que lhe era oferecida, solicitou a aplicação de algumas das suas economias em produtos diversificados, e com maior rentabilidade.

Foi nesse contexto que a autora adquiriu para a sua carteira de títulos o produto denominado de K2, tendo sido devidamente informada sobre as suas características.

Nunca foi garantido à autora o reembolso do capital por ela investido no produto K2.

Terminam, pedindo a improcedência da acção.

O réu “BB C… Limited” contestou, alegando que EE, representante da autora, era um experimentado homem de negócios e investidor financeiro, que sempre procurou rentabilizar o melhor possível os seus investimentos imobiliários, inclusive com recurso a produtos com risco associado.

Foi neste quadro que a autora procedeu à aquisição do produto financeiro denominado K2, depois de analisar e obter as informações que se consideraram pertinentes, o que se concretizou numa altura em que o produto se destacava pela elevada rentabilidade que proporcionava.

A autora conhecia bem as características do produto K2. O comportamento que agora adoptou é susceptível de consubstanciar abuso de direito, para além de, “in casu”, ocorrer prescrição do direito invocado.

Conclui pela improcedência da acção.

A autora apresentou réplica, respondendo às excepções suscitadas.

No despacho saneador, a Ré “BB Gestão de Activos – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.” foi considerada parte ilegítima e, consequentemente, absolvida da instância.

Foi relegando para final o conhecimento das excepções da prescrição e do abuso de direito, porque dependentes de prova a produzir.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou solidariamente os réus “Banco CC, S.A..” e “CC C… Limited” a pagarem à autora “AA Group Inc.” o montante global de 521.854,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 31.1.2008 no que concerne ao montante de 450.356,00€ e desde 19.10.2009 no que respeita à quantia de 71.498,00€ até efectivo e integral pagamento.

Os réus Banco CC, SA e BB C… Limited recorreram e a Relação …, no seu acórdão de 06.03.2018, julgou improcedentes os recurso e confirmou a sentença recorrida.

O acórdão foi sumariado nos seguintes termos: “I - Tendo-se provado que a autora, no âmbito da relação de confiança que tinha com o serviço de “private banking” do banco, procedeu, em 2002, à aquisição de um produto financeiro que lhe foi assegurado tratar-se de uma aplicação sem qualquer risco, com garantia do capital investido, garantia essa que foi depois confirmada pela sua administração quando esta transmitiu aos clientes afetados a informação de que iria honrar os compromissos assumidos, tal significa que houve da parte do banco a assunção de um compromisso contratual com vista ao reembolso do capital aplicado e ao qual este não se pode eximir.

II - O art. 324º nº 2 do Cód. dos Valores Mobiliários (CVM) prevê um prazo de prescrição de dois anos para a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade, salvo haja da sua parte dolo ou culpa grave.

III - Atua com culpa grave, para efeitos de não aplicabilidade deste prazo prescricional de dois anos, o banco que transmite ao cliente a falsa informação de que o produto financeiro por si subscrito não envolve quaisquer riscos, garantindo o reembolso do seu capital”.

Não se conformando com tal acórdão, o Banco CC, SA interpôs recurso de revista excepcional, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: I - QUANTO À ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO COMO REVISTA EXCEPCIONAL 1ª - A sentença proferida em primeira instância, na motivação apresentada sobre a decisão relativa à matéria de facto, faz uma referência genérica a todos os documentos juntos aos autos, sem qualquer critério ou grau de relevância de cada um deles, dessa forma todos colocados ao mesmo nível e com idêntico valor na formação da convicção do julgador.

  1. - O mesmo ocorre a propósito da prova testemunhal, sendo certo que o depoimento das testemunhas é apenas, selectiva e parcialmente, reproduzido, sem que sejam discriminados os factos para cuja prova esses depoimentos foram tidos como essenciais ou relevantes, e as razões que conduziram o julgador a assim decidir.

  2. - O douto acórdão recorrido tem por verificado e cumprido o dever de fundamentação por parte do tribunal de primeira instância, conformando-se com a ideia de que a motivação relativa à matéria de facto pode ser feita de forma genérica, englobando todas as questões fácticas em causa no julgamento, não tendo que ser discriminada por facto ou conjunto de factos objectivamente conexionados entre si.

  3. - Nem tem que ser ponderada e exteriorizada a razão ou razões pelas quais o tribunal deu mais credibilidade a algumas testemunhas em desfavor de outras, ou a razão ou razões pelas quais aceitou como boas algumas afirmações de determinada testemunha desvalorizando outras.

  4. - Esta decisão constante do douto acórdão recorrido está longe de ser unânime, já que o...

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