Acórdão nº 67/17.2JABRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCLARISSE GON
Data da Resolução28 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO - 1.

No processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, com o nº 67/17.2JABRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no Juízo Central Criminal de Viana do Castelo – Juiz 1, foi proferido novo acórdão a 29.10.2018, com a seguinte Decisão (transcrição): “Pelo exposto, e na procedência parcial da pronúncia, os juízes que compõem o tribunal colectivo: - absolvem o arguido B. F.

da prática de um crime de roubo agravado; - condenam o arguido B. F.

, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º, 132.º, n.º 1 e n.º 2, g), 22.º e 23.º do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, e de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, f) e n.º 1, b), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, condenam o arguido na pena única de 9 (nove) anos de prisão; - mais condenam o arguido nas custas da parte crime, com 4 UC de taxa de justiça; - determinam o cumprimento do art. 186.º, n.º 3, Código de Processo Penal, na pessoa do arguido, quanto ao telemóvel “Samsung”, bateria e cartão, ao cartão de suporte e ao casaco de homem castanho escuro apreendidos nos autos.

Nos termos do art. 213.º, n.º 1, b), Cód. Proc. Penal, por se mostrarem inalterados – e até reforçados pelo teor do presente acórdão – os pressupostos de facto e de direito que deram lugar à aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, determina-se, sem necessidade da respectiva audição, que o arguido continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a tal medida (art. 215.º, n.º 1, d), e n.º 2, Cód. Proc. Penal).

Boletins à Identificação Criminal.

Notifique, deposite e, após trânsito, envie cópia à DGRSP.” - 2.

Não se conformando com essa decisão o arguido interpôs recurso oferecendo as seguintes conclusões (transcrição): “A)DA DESQUALIFICAÇÃO DO CRIME DE FURTO QUALIFICADO 1-No crime de furto deu o Tribunal como provado que, Facto 10- ….”tendo levado consigo a quantia de €90,00 e o telemóvel da empresa ao qual estava associado o cartão da operadora de comunicações NOS, com o nº. … e IMEI …, de valor não concretamente apurado mas superior a €12,00…” 2-Ora é desde logo incompreensível o valor atribuído ao telemóvel.

3-Nem na Acusação nem no douto Acórdão são sequer aludidas ou referidas as caracteristicas do telemóvel.

4-Aliás se algo que resulta da prova gravada é exactamente que o telemóvel não tem valor de mercado, não é um smarthphone mas sim um mero telemóvel com vários anos, que diz nos a experiência comum nem sequer tem valor de mercado, sendo que já não são sequer vendidos tais telemóveis nas lojas de artigos de 2º mão.

5-E assim bem andou o Tribunal face à ausência de outros elementos valorativos a referir que o telemóvel era de “valor não concretamente apurado”.

6-Ora sendo o telemóvel de “valor não concretamente apurado” não podemos tirar daí a conclusão de que este valia mais de 12 euros meramente para atingir os propósitos da unidade de conta.

7-Não resulta sequer da Acusação quanto mais da prova produzida as características do telemóvel usado que permitam sustentar que este valia x ou y quanto mais referir-se que este valia mais de 12 euros.

8-De resto sempre seria uma obrigação do Tribunal proceder a um exame ao telemóvel para lhe atribuir um valor especifico nos termos do artigo 171 do C.P.P sendo que não o fazendo e vindo mais tarde sem sequer se compreender porquê ou qual o raciocínio que teve por base, referir que o telemóvel valia mais de 12 euros, incorre o Tribunal em Erro notório sobre a apreciação da prova .

9-Entre outros Acórdãos cumpre chamar à colação aqui o Ac. da Relação de Évora de 21.10.2014,disponívelemhttp://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/c78d19e0c9f9a1b280257de10056ff28?OpenDocument “Erro notório na apreciação da prova” é o que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum.

Nos termos expressivos do acórdão do STJ de 12-11-1998, o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.

» BMJ481-325).

Erro notório na apreciação da prova é aquele de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.»(Ac.STJ,de9.12.98,BMJ482-68). Ocorrerá esse vício no caso em apreço? Parece-nos evidente a resposta afirmativa por mera leitura (e audição) da decisão recorrida.

Ou seja, os bens objecto de furto deveriam ter sido “avaliados” no decurso da realização de um “exame” que os descrevesse fisicamente e concluísse pelo seu valor para efeitos de integração jurídica.

Apesar da liberdade de prova e da liberdade de apreciação da prova, os meios de prova previstos pelo C.P.P. devem ser utilizados de forma vinculada, isto é, devem ter-se como obrigatórios em termos de necessidade e credibilidade probatória, quando a situação de facto o exige.

E aqui exige a realização de exame com avaliação já que esse é o meio de prova mais adequado para a prova de factos – valores – essenciais à subsunção jurídica, é uma necessidade que não pode ser substituída.

Desta forma, a convicção judicial é, no caso concreto, criticável em sede de erro de apreciação factual.

10-Assim temos que o arguido furtou 90 euros e um telemóvel de valor não concretamente apurado.

11-Nos termos do artigo 204 nº. 4 do Código Penal “ Não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor.” 12-Valor diminuto é aquele que que não exceder uma unidade de conta no momento da prática do facto nos termos do disposto no art.202 c) do C.P. , ora a unidade de conta para 2017 é de 102 euros e realmente apurado nos autos resulta que o arguido furtou 90 euros e um telemóvel de valor não concretamente apurado.

13-Desta forma temos que o crime deve ser desqualificado e punido o arguido com a pena prevista para o furto simples.

14-Como bem refere a este respeito, entre muitos outros, o Ac. da Relação de Coimbra de 02.04.2014disponívelemhttp://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/816f76d5c3070ad480257cb7004b990f?OpenDocument “Não se apurando em concreto os valores dos bens que os arguidos tentaram furtar, tem que em seu favor funcionar o benefício da dúvida e não concluir, como na sentença que os arguidos não queriam bens de valor inferior a 1UC.

Embora haja entendimento diferente sufragamos o expendido no acórdão do STJ de 10.12.1997 (www.dgsi.pt/jstj) onde se entendeu que deve beneficiar-se o arguido e considerar diminuto o valor da coisa: “Não se conseguindo determinar o valor dos objetos subtraídos pelo arguido, tem de concluir-se, em benefício daquele, que o mesmo é insignificante e diminuto, o que exclui a qualificação do furto, nos termos do disposto pelos artigos 297 nº 3 do CP de 1982 e 204 n. 4 e 202 alínea c) do CP de 1995”.

Na mesma linha seguiu o STJ de 12.11.1997 (www.dgsi.pt/jstj) E ainda nesse entendimento podemos citar o acórdão da Relação do Porto de 15.04.2009 (www.dgsi.pt) que onde é dito: “Desconhecendo-se o valor dos bens objeto de tentativa de furto, a dúvida sobre se o valor de tais bens é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao princípio “in dubio pro reo”, considerando-se ser esse valor diminuto e, em consequência, a tentativa de furto simples”.

E o Ac. da Rel. de Évora de 12-06-2012, no processo nº 330/10,3GDPTM.E1, refere, “Desconhecendo-se o valor dos bens objecto de tentativa de furto, a dúvida sobre se o valor de tais bens é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto e o reenvio do processo para novo julgamento nada alteraria, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao princípio “in dubio pro reo”.” B) DA NÃO EXISTÊNCIA DA TENTATIVA DE HOMICIDIO QUALIFICADO 15-Vem o arguido condenado pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada tendo para o efeito usado de dolo eventual afirmando o Tribunal que “Este comportamento deve ser censurado com uma pena severa”(3º Parágrafo in fine , da penúltima página do Acórdão).

16-Desde logo temos que em muitos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental nem sequer existe crime de homicídio qualificado na forma tentada quando está em causa o dolo eventual pelo que razão temos para colocar uma pena menos severa do que aquela que caberia com dolo directo ao inverso daquilo que pretende o Tribunal.

17-No nosso próprio ordenamento jurídico nem sequer é unânime na jurisprudência e na doutrina que exista crime de homicídio qualificado na forma tentada quando está em causa o dolo eventual.

18-Como nos refere Maia Gonçalves, “Não há tentativa no contexto do dolo eventual, porque o art. 22 do Código Penal português expressamente se refere à prática de atos de execução de um crime que decidiu cometer, logo, não pode o agente ter assumido o risco.” 19-Como resultou provado o arguido desferiu um único golpe no ofendido, (Facto provado nº.5) 20-E em consequência da actuação do arguido , não resultou , em concreto , perigo para a vida do ofendido.

(Facto provado nº.27) 21-Arguido e ofendido, passageiro e taxista estão sentados lado a lado nos bancos da frente de um automóvel.

22-Como ficou provado o arguido desferiu um golpe com um objecto tipo navalha/canivete que acabou por atingir o pescoço do ofendido que no mesmo momento da acção do arguido colocou um braço em frente tendo em resultado dessa acção o arguido sido atingido de...

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