Acórdão nº 95/14.0T8BGC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 95/14.0T8BGC.G1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, S.A.

, pedindo que a anulação das deliberações sociais tomadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da referida sociedade, realizadas nos dia 30/09/2014, pelas 10.30 horas e pelas 15.00 horas.

Para o efeito e, em síntese, referiu que, sendo accionista da sociedade, foi impedida de participar e votar nas referidas assembleias.

A ré contestou, invocando as excepções de erro na forma do processo, ineptidão da petição inicial, ilegitimidade da autora e impugnando parcialmente os factos articulados na petição.

Procedeu-se à realização de audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador e foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas.

Procedeu-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra: “Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência: Declaro nulas [anulo] as deliberações sociais tomadas das Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da sociedade BB, S. A., realizadas no dia 30 de Agosto de 2014, pelas 10.30 horas, e, no mesmo dia, pelas 15.00 horas.

Registe e notifique.

Custas a cargo da ré (artigo 527.º, números 1 e 2, do C. P. Civil).” Não se conformando com esta decisão veio a ré dela interpor recurso de apelação, com sucesso, já que a Relação julgou procedente o recurso e, consequentemente, revogou a decisão recorrida, absolvendo a ré do pedido.

De tal acórdão veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.

A recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: 1.ª A Autora não se conforma com a douta decisão proferida em 13-09-2018 pelo Ilustre Tribunal da Relação de Guimarães que, julgou procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e absolveu a Ré do pedido, considerando, salvo o muito devido respeito, que a factualidade provada nos autos e o direito vigente aplicável impunham a improcedência da apelação e a manutenção da decisão proferida na primeira instância, que declarou "...nulas [anulo] as deliberações sociais tomadas das Assembleias Gerais Extraordinárias de accionistas da sociedade BB, S. A., realizadas no dia 30 de Agosto de 2014, pelas 10.30 horas, e, no mesmo dia, pelas 15.00 horas".

  1. O Ilustre Tribunal a quo ao facto alterou a matéria de facto dada como provada na sentença proferida na primeira instância, tendo determinado que o ponto 14 dos factos provados passasse a ter a seguinte redação: "14º. No dia 30/08/2014 a autora era portadora de 10 500 (dez mil e quinhentas) acções ao portador da BB, S. A., no valor unitário de € 5, 00 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 52 500, 00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), a que corresponde uma percentagem de participação no capital de 52,5% (cinquenta e dois vírgula cinquenta por cento)." 3.ª Não obstante, considera-se que, da conjugação deste e dos factos dados como provados sob os nºs 15 e 21, resulta inequívoco que, na data das duas assembleias gerais realizadas (em 30-08-2014/cfr. factos dados como provados de 18º a 32º) a Autora era, pelo menos, portadora dos títulos originais das 10.500 ações ao portador em causa, que exibiu através do seu mandatário, tendo invocado tal facto como forma de ser admitida a participar nas mesmas enquanto acionista, por ser proprietária das mesmas, 4.ª Tal circunstância implica necessariamente que a Autora exerceu o respetivo poder de facto sobre as mesmas, o que presume a sua posse nos termos do artº 1252º, nº 2, do Código Civil.

  2. Ao ser portadora de tais ações e invocado a respetiva posse e propriedade, a Autora manifestou-se e atuou de forma correspondente ao exercício de tais direitos, o que lhe confere a posse dessas ações, nos termos do artº 1251º, CC, tendo praticado atos materiais correspondentes ao exercício do direito, de forma reiterada e com publicidade, nos termos do art 1263º, aI. a), do CC, posse essa que se mantém enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do direito, nos termos do art.1257º n.º 1 do CC.

  3. A existência de tal posse a favor da Aurora decorre também do disposto no artº 1253º, nº 1, al, a), à contrário, CC, que determina que são havidos como simples detentores ou possuidores precários os que exercem o poder sem intenção de agir como beneficiários do direito, o que, manifestamente, não é o caso da Autora, que invocou e pretendeu exercer os seus direitos de posse e de propriedade sobre as ações.

  4. Tendo exercido o poder de facto sobre tais ações e, por via disso, presumindo-se a respetiva posse, que efetivamente tinha, a Autora goza também da presunção da titularidade do respetivo direito de propriedade sobre tais ações, nos termos do artº 1268º nº 1 do CC.

  5. Acresce que, na resposta à contestação apresentada em 7-11-2015, a Autora INVOCOU no respetivo artº 35º que "A verdade é que as 9.940 ações que foram da titularidade da D. CC foram transmitidas, ainda em vida daquela e com o acordo do seu marido, DD, que transmitiu 560 ações da sua titularidade, a favor da Autora.” 9.ª Estando em causa ações ao portador (cfr. facto provado sob o nº 14° e Livro de Registo de Ações junto aos autos/cfr. douto acórdão a fls. 28), os requisitos para a respetiva transmissão e exercício de direitos encontravam-se previstos no Código dos Valores Mobiliários, cujo artº 101º, n.º 1, estabelecia que "1 – Os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado", e nos termos do respetivo artº 104º, nº 1, "O exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador depende da posse do título ou de certificado passado pelo depositário, nos termos do n.º 2 do artigo 780” (preceitos entretanto revogados pela Lei n.º 15/2017, de 03/05, mas em vigor à data dos factos).

  6. Por sua vez, nos termos do disposto no artº 1263º, aI. b), CC, a posse adquire-se pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo seu possuidor, e o artº 408º, nº 1, CC, determina que a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada opera por mero efeito do contrato.

  7. O que ocorreu com a Autora, que não pode deixar de considerar-se, também por esta razão, legítima possuidora e proprietária das ações, por ser legítima transmissária das mesmas, e que, por isso, tinha legitimidade para exercer o seu direito de acionista nas aludidas assembleias gerais.

  8. De qualquer forma, beneficiando a Autora das presunções legais da existência dos seus direitos de posse e da propriedade sobre aquelas 10.500 ações ao portador (nos termos dos artºs 1252º, nº 2 e 1268º, nº 1, CC), aproveita-lhe o disposto no artº 350º, nº 1, CC (por dispensada de provar o facto a que elas conduzem), donde decorre que a prova em contrário da existência daqueles direitos incumbia à Ré, nos termos do nº 2 do artº 350º e 344º, nº 1, CC, que não logrou cumpri-lo.

  9. Neste sentido, acresce, tendo em conta que a Autora era portadora das ações e invocou a sua qualidade de respetiva possuidora e proprietária, considera-se que invocou e provou os factos constitutivos necessários do seu direito, pelo que a pretensa ilegitimidade no porte e posse das ações constituiriam sempre factos impeditivos, modificativos ou extintivos de tal direito, cuja prova incumbiria à Ré nos termos do nº 2 do artº 342º, CC.

  10. Tendo em conta também o invocado no artº 35º da resposta à contestação apresentada em 7-11-2015 (cfr. conclusão 8ª), também não se pode concordar com o douto acórdão quando, a fls 28, expressou que "No livro de registo de acções, cuja cópia se mostra junta aos autos, consta que a mesma era titular das acções ao portador nos 9941 a 19880. Ora, são exactamente estes títulos (e não só) que surgem nas mãos da autora sem que esta alegue. nem o negócio translativo da propriedade dos mesmos por parte de CC para si ou de outrem (que as tenha adquirido daquela) para si, nem quem lhas entregou, sendo que também não alegou factos dos quais pudesse resultar que se encontra de boa fé.” 15.ª O douto acórdão considerou ainda a fls. 29 que (sublinhado nosso) "Por outro lado, o contrato de sociedade em apreço impôs, nos termos do art. 328º do CSC, limitações à livre transmissibilidade das acções na medida em que estipulou, no art.º 7º, um direito de preferência a favor dos accionista no caso de alienação a título oneroso ou gratuito de acções nominativas e previu no art.º 10º que os accionistas com direito de voto na assembleia geral são os que têm as suas acções averbadas ou depositadas numa instituição de crédito ou registadas nos termos legais até 10 dias antes da mesma." 16.ª. Ocorre que do Livro de registo de ações junto aos autos (mencionado a fls. 28 do "douto acórdão) resulta que as ações da Ré foram todas emitidas ao portador e do facto dado como provado sob o n.º 14 resulta que a Autora era portadora de ações ao portador, pelo que, verifica-se, estão sempre em causa ações ao portador.

  11. Inexiste por isso qualquer limitação à respetiva transmissão de tais ações, uma vez que as restrições previstas no artº 328º, n.ºs 1 e 2, als. a), b) e c), do Código das Sociedades Comerciais e do invocado número 1 do Artigo Sétimo do Pacto Social da Ré são previstas exclusivamente para as ações nominativas 18.ª No que diz respeito à referida alusão ao disposto no artigo Décimo do Pacto Social, afigura-se evidente que tal referência só poderá ter por objeto as ações de natureza nominativa, por só estas permitirem conhecer a todo o tempo a identidade dos respetivos titulares, nos termos previstos no n.º 1, do artº 52º, do Código dos Valores Mobiliários, entretanto revogado pela Lei n° 15/2017.

  12. Desta forma, tendo a Autora provado e presumindo-se a sua qualidade de legitima detentora, possuidora, proprietária das ações (e, por isso, acionista da Ré), e na ausência de prova em contrário por parte da Ré (que lhe incumbia), era legítima a sua...

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