Acórdão nº 80/19 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 80/2019

Processo n.º 366/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Conselho Superior da Magistratura, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele tribunal, de 28 de fevereiro de 2018.

2. A recorrente, juíza de direito, foi colocada no juízo central criminal de Vila Nova de Gaia, em 1 de setembro de 2014. O Conselho Superior da Magistratura deliberou, em plenário, a 3 de novembro de 2015, atribuir-lhe a classificação de serviço de Bom, pelo seu desempenho funcional no período compreendido entre 2008 e 2013.

Por deliberação do Plenário do mesmo órgão foram definidos os termos e condições da realização do movimento judicial ordinário de 2017. Determinou o Conselho Superior da Magistratura que, «[a]s notações a considerar no âmbito do processamento do presente movimento judicial, são as que estiverem em vigor, forem deliberadas ou homologadas, sem reclamação ou impugnação dos interessados, à data da sessão do Conselho Plenário e Permanente Ordinário de 6 de junho de 2017, sendo igualmente esta a data a considerar nos termos e para os efeitos previstos no artigo 183.º da LOSJ, designadamente para contabilização da antiguidade e da aferição da perda de requisitos a que alude o n.º 5 deste artigo». Estabeleceu ainda que, «[o]s juízes que se encontrem na situação a que alude o n.º 5 do artigo 183.º da LOSJ deverão apresentar requerimento ao presente movimento judicial.» [n.os 20 e 21 do Aviso (extrato) n.º 5332/2017, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 93, de 15 de maio de 2017, retificado através da Declaração de Retificação n.º 337/2017].

Por conseguinte, a vaga em que a recorrente se encontrava colocada foi incluída no movimento judicial, ao qual a recorrente deveria apresentar requerimento. A recorrente impugnou esta deliberação junto do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, na sua redação atual, e referido adiante através da sigla «EMJ»), requerendo que esta fosse declarada nula ou anulada. Por acórdão de 28 de fevereiro de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.

3. Foi desta decisão que a recorrente interpôs recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«A., A. nos autos à margem referenciados, notificada do douto acórdão de fls., e não se conformando com o mesmo, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de novembro) e com os fundamentos seguintes:

1. A A. impugnou a decisão do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de que não podia permanecer no lugar do Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia em que se encontrava colocada como juíza efetiva e que por isso - devia concorrer ao Movimento Judicial Ordinário de 2017- cf. Aviso (extrato) n º53321/17, publicado no Diário da República, 2ª série, de 15.05.2017, págs. 9248-9253, e retificado pela Declaração de Retificação nº 337/2017, publicada no Diário da República, 2ª série, de 26.05.2017, pág. 10526.

2. Invocou (quer na sua p. i. quer depois nas alegações), como fundamento para a sua impugnação, que:

(i) Tal decisão se baseava no nº 5 do artigo 183º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, na redação dada pela Lei nº 40-A/2016, de 22 de dezembro, norma que viola

(a) O princípio da unicidade estatutária dos Juízes, consagrado no nº 1 do artigo 215º da Constituição da República Portuguesa (CRP);

(b) O princípio da inamobilidade dos juízes, consagrado no nº 1 do artigo 216º da CRP;

(c) O princípio da independência dos tribunais, princípio basilar de um Estado de Direito Democrático, de que são componentes necessários a inamobilidade dos magistrados judiciais, a par da irresponsabilidade e da dedicação exclusiva.

(ii) Tal decisão violava o princípio constitucional da tutela da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático uma vez que, tendo-lhe sido, por deliberação de 04.10.2016 do Conselho Permanente do CSM, atribuída a classificação de serviço de “Bom”, pelo seu desempenho funcional entre 16.12.2008 e 31.12.2013 e, embora a achasse injusta, tivesse decidido não a impugnar já que a mesma em nada afetava a permanência no lugar em que estava colocada como efetiva, o referido nº 5 do artigo 183º - introduzido pela Lei nº 40-A/2016, de 22 de Dezembro, ou seja, muito mais tarde - lhe veio a ser aplicado.

3. O douto acórdão recorrido desatendeu todas as invocadas inconstitucionalidades,

Requer-se, assim, a V. Ex.cia se digne admitir o recurso, seguindo-se os demais termos.»

4. Sobre a questão de constitucionalidade enunciada na alínea (ii) do requerimento, concluiu-se não ser possível conhecê-la, por estar em causa a inconstitucionalidade da própria decisão e não de qualquer norma legal que pudesse constituir objeto idóneo de recurso, tendo nesse sentido sido proferida a Decisão Sumária n.º 383/2018. Quanto à questão enunciada em (i), foram as partes notificadas para apresentar alegações.

5. A recorrente não contestou a Decisão Sumária n.º 383/2018 e apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«A. A destituição da Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 183.º, n.º 5, da LOSJ é ilegal e inconstitucional por violação do princípio da unicidade estatutária porque esta norma, sendo uma norma de cariz estatutário, não é uma norma instrumental à norma do artigo 45º do EMJ;

B. Na verdade, trata-se de uma norma que não tem por desígnio complementar ou densificar o regime jurídico vertido no artigo 45º do EMJ, mas sim estatuir um novo regime jurídico, até então inexistente no ordenamento jurídico nacional, que é precisamente um regime de destituição dos juízes dos lugares efetivos;

C. Neste âmbito, sendo certo que a norma em causa contem um regime jurídico novo, e, sendo certo ainda que o EMJ não prevê a sua aplicação a título de direito subsidiário, atento o estatuto único e estatuto específico que conforma o EMJ, a sua aplicação in casu é inconstitucional visto que determina uma quebra no EMJ, impondo a violação do estatuto único e estatuto específico;

D. Com efeito, sendo inequívoco que o EMJ [é] matéria que tem necessariamente de se considerar integrada na reserva absoluta da competência da Assembleia, e sendo claro que a LOSJ foi aprovada no âmbito da reserva relativa da Assembleia da República, para que a sua aplicação in casu não estivesse ferida de inconstitucionalidade, deveria o EMJ prever a sua aplicação a título subsidiário, porém tal assim não sucede;

E. Por isso, numa interpretação conforme à CRP, a perda de lugar da Recorrente como juíza efetiva determinada pela aplicação da norma vertida no artigo 183.º, nº 5 da LOSJ, resulta da aplicação de um regime estatutário divergente do EMJ, o que conflitua com a regra constitucional da unicidade estatutária que é o EMJ;

F. Por outro lado, ainda numa perspetiva de instrumentalidade e violação do princípio da unicidade estatutária, importa frisar que os requisitos de nomeação previstos no artigo 45º do EMJ, servem também como requisitos para destituição do lugar nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 183.º n.º 5 da LOSJ.

G. Ora, considerando que nomeação e manutenção do lugar são institutos diferentes e que não se confundem entre si, também os requisitos que hão-de justificar a sua respetiva aplicação, além de terem de constar do EMJ, forçosamente terão que ser diferentes;

H. Deste modo, sendo certo que não obstante serem realidades diferentes, o EMJ apenas prevê e regula uma delas, a nomeação, pelo que a consagração de um regime de manutenção do lugar como previsto no nº 5 do artigo 183º da LOSJ, fora, portanto, do EMJ e sem que este preveja a aplicação de qualquer regime subsidiário nesta matéria, temos in casu, a aplicação, uma vez mais, de um duplo Estatuto, o que atenta naturalmente também contra a consagração constitucional do estatuto único e estatuto específico.

I. Por outro lado ainda, a aplicação à Recorrente do disposto no nº 5 do artigo 183º da LOSJ, viola também o princípio da inamovibilidade dos juízes e independência dos tribunais.

J. Se é certo que o princípio da inamovibilidade dos juízes não tem um carácter absoluto, admitindo exceções (cf. artigo 216º da CRP), por outro lado não deixa de ser certo e claro que a destituição de lugar de que a Recorrente foi alvo não cabe na previsão legal das exceções ao princípio da inamovibilidade;

K. De facto, à luz dos ditames constitucionais, as únicas exceções legais ao princípio da inamovibilidade que podem ocorrer – e, note-se mediante o respetivo procedimento disciplinar, o que não foi o caso – é a transferência (artigo 88º do EMJ), a suspensão do exercício de funções (artigo 89º do EMJ) e a aposentação compulsivamente ou demissão (artigo 90º do EMJ);

L. Depois, considerando que o princípio da inamovibilidade tem subjacente uma ideia protecionista, quer ao nível da proteção da estabilidade pessoal do juiz, quer ao nível da proteção do próprio princípio do juiz natural (cf. artigos 32º, n.º 9, e 203º da CRP) e que a independência dos tribunais significa igualmente a independência dos titulares destes órgãos, os juízes, e que, para garantir a independência dos juízes, a Constituição determina e consagra a sua inamovibilidade, é justamente em...

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