Acórdão nº 2951/16.1 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório ELVIRA ............................................... (Recorrente) não se conformando com a sentença do TAC de Lisboa que, na acção por si proposta contra a Caixa Geral de Aposentações para restituição das quantias descontadas mensalmente na sua pensão de aposentação desde maio de 2016, bem como de todas as quantias que venham a ser descontadas pelo mesmo motivo (parcela da prestação periódica já remida), até que os descontos cessem, acrescidas de juros de mora, julgou improcedente a acção, vem interpor recurso da mesma decisão, concluindo a sua alegação como segue: 1 – A decisão recorrida interpreta e aplica o artigo 41º, nº 3 do RAS, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 11/14 de 06.03, em violação dos artigos 59º, nº 1 alínea f) e 13º da CRP; 2 - Com efeito, a justa reparação a que alude o mencionado artigo 59º alínea f) tem um cariz indemnizatório que não se pode circunscrever à perda do ganho, resultante do acidente (ou da correspondente pensão de aposentação), visando reparar todos os efeitos da lesão; 3 - Os trabalhadores com vínculo de direito privado e os reformados da segurança social não vêm as suas pensões de reforma diminuídas por terem recebido ou estarem a receber indemnizações por acidentes de trabalho. Assim dispensando tratamento diverso aos trabalhadores com vínculo de direito público e e aos pensionistas da CGA é violado o principio da igualdade a que alude o art.º 13º da CRP; 4 - A recorrida já tinha pago a indemnização à recorrente, cuja devolução lhe está a exigir, o que viola o principio da confiança, pois com o pagamento tinha gerado na recorrente a convicção que o mesmo lhe era devido. Também nesta ótica a decisão recorrida, com a sua interpretação do artº 41º, n.º 3 acima referido, viola o art.º 266º, n.º 2 da CRP.

Foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida, pugnando pela improcedência do recurso • Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não se pronunciou.

• Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.

• I. 2.

Questões a apreciar e decidir: A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduz-se em apreciar se a sentença recorrida errou ao não ter condenado a CGA a reconhecer à Autora o direito a receber a pensão de aposentação na sua totalidade, considerando o facto de ter recebido pensão por incapacidade permanente parcial, sob a forma de capital de remissão e, em consequência, a restituir-lhe os montantes que foram descontados à sua pensão de aposentação.

• II.

Fundamentação II.1.

De facto A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

• II.2.

De direito A Recorrente, no recurso interposto, sustenta que os trabalhadores com vínculo de direito privado e os reformados da segurança social não vêm as suas pensões de reforma diminuídas por terem recebido ou estarem a receber indeminizações por acidentes de trabalho, pelo que é dado tratamento diverso aos trabalhadores com vínculo de direito público e aos pensionistas da CGA (conclusões 1. e 3.). Mais alega que a justa reparação a que alude o artigo 59º alínea f) do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública tem um cariz indemnizatório que não se pode circunscrever à perda do ganho, resultante do acidente (ou da correspondente pensão de aposentação), visando reparar todos os efeitos da lesão (conclusão 2.). E, por outro lado, que tendo-lhe já sido paga a indemnização, cuja devolução lhe foi exigida, o pagamento da indemnização gerou-lhe a convicção que o mesmo lhe era devido (conclusão 4.). .

A sentença recorrida, na parte aqui relevante, assentou a sua decisão na seguinte fundamentação: “(…) Alega a Autora que recebeu a indemnização pelo acidente de trabalho em dezembro de 2015, antes de se ter aposentado, pelo que não há lugar à aplicação do n.º 3 do artigo 41.º do DL 503/99, de 20 de novembro, que contém o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas, pelo que deve a Ré ser condenada a restituir-lhe as importâncias que vem descontando à sua pensão de aposentação com fundamento naquela norma.

Mais alega que a indemnização por incapacidade de trabalho visa compensar o trabalhador pela diminuição física com que fica, razão pelo que não se vislumbra que possa ser deduzida na pensão de aposentação, pois a natureza de tais pensões é diversa.

A Ré por sua vez afirma a legalidade do desconto que efetua à pensão da Autora, pois entende que resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que as prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente na capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional Mais entende que se a Autora mantém o exercício de funções, ainda que eventualmente adaptadas à sua condição de saúde, e aufere a correspondente remuneração de acordo com o seu estatuto remuneratório habitual, sem reconversão profissional, a verdade é que lhe falha o pressuposto do direito à reparação da redução na capacidade de ganho, o qual sustenta o abono da pensão, sendo de todo inviável a acumulação de remuneração pelo exercício efetivo de funções em simultâneo com a prestação que visa reparar a incapacidade para esse mesmo exercício.

Cumpre decidir.

Interpretado o pedido na sua conjugação com o articulado na petição inicial, designadamente nos seus artigos 10.º, 14.º e 15.º, resulta que a Autora pretende que a Ré seja condenada a reconhecer o seu direito a receber a pensão de aposentação na sua totalidade, por a isso não se opor o facto de ter recebido a reparação por incapacidade permanente parcial, sob a forma de indemnização em capital de remissão e, cumulativamente, que a Ré seja condenada a restituir-lhe os montantes que foram descontados.

Começamos por fazer um breve enquadramento jurídico do caso.

O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, contém o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (doravante RAS).

Nos termos do disposto na alínea l) do n.º 1 do artigo 3.º do RAS, considera-se incapacidade permanente parcial, a situação que se traduz numa desvalorização permanente do trabalhador, que implica uma redução definitiva na respetiva capacidade geral de ganho.

Por sua vez o artigo 4.º do mesmo diploma, no seu n.º 1, dispõe que os trabalhadores têm direito, independentemente do respetivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma. O n.º 4 alínea b) deste artigo estatui que o direito à reparação em dinheiro compreende indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente.

Sob a epígrafe “Acumulação de prestações”, dispõe o artigo 41.º do RAS, na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março: «1 - As prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis: a) Com remuneração correspondente ao exercício da mesma atividade, em caso de incapacidade permanente absoluta resultante de acidente ou doença profissional; b) Com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente ou doença profissional; c) Com remuneração correspondente a actividade exercida em condições de exposição ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida. 2 - O incumprimento do disposto no número anterior determina a perda das prestações periódicas correspondentes ao período do exercício da atividade, sem prejuízo de revisão do grau de incapacidade nos termos do presente diploma.

3 - São acumuláveis, sem prejuízo das regras de acumulação próprias dos respetivos regimes de proteção social obrigatórios, as prestações periódicas por incapacidade permanente com a pensão de aposentação ou de reforma e a pensão por morte com a pensão de sobrevivência, na parte em que estas excedam aquelas.

4 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, às indemnizações em capital, cujo valor fica limitado à parcela da prestação periódica a remir que houvesse de ser paga de acordo com as regras de acumulação do presente artigo.» Diga-se que a constitucionalidade das normas constantes da alínea b) do n.º 1 e dos n.ºs 3 e 4 deste preceito, foram já confirmadas pelo Tribunal Constitucional pelo acórdão 786/2017.

Por sua vez o artigo 23.º n.º 4 do RAS contém uma norma que assegura a intangibilidade da remuneração do trabalhador sinistrado quando da sua reintegração profissional, a qual não pode, em caso algum ser reduzida.

Resulta deste quadro normativo que, no caso de infortúnio laboral de que resulte incapacidade permanente parcial, o trabalhador tem direito a receber reparação em dinheiro correspondente à redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho. Esta reparação pode assumir duas formas, a saber (1) uma indemnização em capital recebida de uma só vez, ou (2) recebendo o mesmo montante através de pensão vitalícia.

Mais resulta que, recebendo o trabalhador qualquer uma destas formas de reparação em dinheiro, a mesma não pode ser acumulada com a parcela da remuneração...

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