Acórdão nº 372/17.8PBLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | RAUL BORGES |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
No âmbito do processo comum colectivo n.º 372/17.8PBLRS, da Secção Criminal da Instância Central – Juízo Central de …, da Comarca de Lisboa Norte – Juiz …, foi submetido a julgamento o arguido AA, natural de …, de nacionalidade portuguesa, nascido em 27-03-1958, divorciado, …, com domicílio na Praceta …, n.º …, 8.º C, em ….
*** Pela acusação deduzida pelo Ministério Público, constante de fls. 100 a 105, vinha imputada ao arguido, a prática, em autoria material, concurso real, e na forma consumada, de: - Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, do Código Penal, e com pena acessória de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de violência doméstica, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do citado preceito legal; - Um crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal; - Um crime de violação de domicílio agravado, p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 202.º, alínea f), ii), ambos do Código Penal.
*** Pelo Ministério Público foi então requerido que, em caso de condenação do arguido, fosse arbitrada indemnização à ofendida BB, nos termos do disposto no artigo 82.º-A do CPP, aplicável ex vi do artigo 21.° da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
*** Realizado o julgamento, por acórdão do Tribunal Colectivo da Secção Criminal da Instância Central – Juízo Central de … – Juiz …, da Comarca de Lisboa Norte, datado de 12 de Janeiro de 2018, constante de fls. 181 a 253, depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 255, foi deliberado:
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Absolver o arguido AA do crime de violação, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a), agravado pelo artigo 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal, pelo qual se encontrava acusado; b) Condenar o arguido AA, pela prática de: - Um crime de violência doméstica, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2 do Código Penal, com a pena aplicável ao crime de violação, previsto e punido pela alínea a) do n.º 1 do artigo 164.° do Código Penal (parte final do n.º 1 do citado art. 152.º), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Um crime de violação de domicílio, agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão; d) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contacto - presencial, telefónico ou por quaisquer outros meios de comunicação -, com a vítima, pelo período de 4 (quatro) anos, nos termos do n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal; e) Condenar oficiosamente o arguido AA, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima e do artigo 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, a pagar à ofendida BB, a título de indemnização pelos danos morais avaliados até à presente data, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, vencidos desde a presente data e vincendos até integral pagamento; (…).
*** Inconformado com o assim deliberado, o arguido, a fls. 256, veio interpor recurso, dirigido ao Tribunal da Relação de …, apresentando a motivação de fls. 258 a 265, que remata com as seguintes conclusões (realces do texto): 1 - O presente recurso tem como objecto toda a matéria de direito do douto acórdão proferido nos presentes autos e que condenou o arguido AA pela prática, na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2 do C.P., com a pena aplicável ao crime de violação, previsto e punido pela alínea a) do nº1 do artigo 164º do Código Penal (parte final do n.º 1 do citado art. 152°), e de 1 (um) crime de violação de domicílio, agravado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 190°, nºs 1 e 3, do C.P, na pena única de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão.
2 - Discorda-se da decisão proferida por não exclusão de todas as outras penas não privativas da liberdade e por uma errónea fundamentação da medida da pena e da aplicação de uma pena de prisão efectiva.
3 - Andou mal o douto tribunal a quo ao condenar o arguido AA na pena efectiva de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pena manifestamente desproporcionada e desadequada.
4 - Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados; as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
5 - Ora o douto tribunal a que não teve em consideração o facto de nada constar do seu certificado de registo criminal do arguido AA e que este demonstrou, durante os presentes autos respeito e obediência, cumprindo e continuando a cumprir com as medidas de coacção que lhe foram impostas, nomeadamente não mais contactou, nem procurou a ofendida.
6 - Resulta provado que o Arguido apresenta um baixo limiar de tolerância à frustração e de forma gratuita, reage, num registo de impulsividade e agressividade sendo que, de acordo com o relatório social de 12/12/2017 a fls., beneficiaria com a frequência do PAVD - Programa para Agressores de Violência Doméstica, de molde a promover a consciencialização face à responsabilidade em condutas violentas, bem como a aprendizagem de estratégias alternativas ao comportamento violento.
7 - Um dos fins primordiais das penas é o da prevenção, o de impedir o Arguido de fazer novos danos aos seus concidadãos e de dissuadir os outros de fazer o mesmo, pelo que, se tem que escolher as penas e o método de as infligir de modo a se conseguir atingir este fim.
8 - Pelo acima exposto, mais do que o cumprimento de uma pena de prisão efectiva, é assaz importante que o Arguido seja reeducado para o direito e, concretamente, para o reconhecimento da violência doméstica como um problema social com o consequente interiorizar do desvalor das suas condutas e o respeito pela pessoa da ofendida.
9 - Portanto, a aplicação ao Arguido de uma pena de prisão efectiva de 5 (cinco) anos e (6) seis meses terá um efeito contrário à pretendida finalidade da pena de “protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, pois que nada fará para mudar o seu modo de pensar e agir mais impulsivo, pelo contrário, poderá até o potenciar.
10 - Ficou demonstrado que o Arguido cumpre com as obrigações e deveres que lhe são impostos pelo que este irá cumprir com a aplicação de uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, e suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento de deveres e à observância de regras de conduta, nomeadamente a frequência do “Programa para Agressores de Violência Doméstica”, e acompanhada de regime de prova, e assim a finalidade da pena de protecção do bem jurídico e a reintegração do agente na sociedade ficará assegurada.
11 - Em conclusão, e com o devido respeito, o douto Tribunal a quo, ao não ter considerado todas as circunstâncias que abonam a favor do arguido e da sua ressocialização, com vista a reparar a sua atitude e tomar um novo rumo na sua vida, violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal.
12 - Não podemos olvidar que segundo o legislador a “aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” segundo o n.º 1 do artigo 40.° do Código Penal. Ora é o próprio legislador que nos diz que uma das finalidades das penas é a “reintegração do agente na sociedade”, o que não foi tido em consideração pelo tribunal a quo quando escolheu aplicar uma pena efectiva em detrimento de uma pena suspensa na sua execução, quando podia e devia ter optado por uma pena suspensa.
13 - Assim sendo, podia e deveria ao douto tribunal a quo ter aplicado uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, aplicando assim o disposto no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
14 - O arguido AA encontra-se socialmente inserido, tem cumprido com as medidas de coacção que lhe foram impostas, nomeadamente não mais contactou, nem procurou a ofendida, não existindo notícias de qualquer ilícito criminal que lhe seja associado pelo que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente a finalidade da punição, pelo que o Tribunal a quo deveria ter optado pela pena prisão suspensa na sua execução conforme art. 50.° n.º 1 do Código Penal.
15 - No que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, com o devido respeito, violação do disposto nos artigos 40.º, 50.º,70.º e 71.º do Código Penal.
16 - Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção geral, sobre a possibilidade de ressocialização do arguido deverá deixar de decretar a execução da pena.
17 - Acresce que, o Tribunal pode, se entender conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar...
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