Acórdão nº 1551/18. 6T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução24 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – Relatório Recorrente(s): CELINA (..) Recorrido/a(s): RUI (…)*O Recorrido instaurou providência cautelar de arrolamento, contra a Recorrente, formulando o seguinte pedido: 1. Seja julgado procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, seja decretado o arrolamento dos bens constantes da relação que se junta; 2. Que a providência seja decretada sem audiência da requerida, para não comprometer a sua finalidade; 3. A requerida, na qualidade de detentor dos bens, seja nomeada depositária dos montantes que se encontram nas contas bancárias.

Suscitada a questão da competência territorial do Tribunal, após pronúncia do Requerente, foi emitido, em 9.8.2018, despacho que o declarou competente.

Designada data para produção da prova pessoal, foi em 5.9.2018, e considerando dispensado o contraditório prévio, proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo procedente o presente procedimento cautelar, e, em consequência, determino o arrolamento dos seguintes bens/direitos: Os saldos das contas bancárias tituladas e/ou co-tituladas pela requerida, até ao valor de € 291.160,00. Nomeio como depositário as entidades financeiras onde existam saldos de contas tituladas ou co-tituladas pela requerida que venham a ser arroladas – art 408º, n º 1, do C.P.C. Custas para já pelo requerente, sendo a taxa de justiça paga atendida, a final, na acção respectiva – art. 527º, n º 1 e 2, 539º, n º 1 e 2, do C.P.C.” Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Requerida o presente recurso de apelação, em cujas alegações formula as seguintes conclusões: 1.

I – Notificado o Requerente, ora apelado, para fundamentar a razão pela qual entendeu que o Tribunal era competente para julgar a providência cautelar, veio referir que “Apesar do Divorcio do Requerente e Requerida ter corrido termos no Juiz 3 do Tribunal de Família e Menores do (…) sob o nº (…), a casa morada de família do casal dissolvido é em (…).” Indicando que o processo de inventário irá correr os seus termos no cartório Notarial de (…) e por isso é o cartório competente territorialmente para a instauração do processo de inventário. Ou seja, a razão da competência material e territorial para o aqui Apelado é o facto da casa de morada de família do dissolvido casal ser em (…) e por isso será o Cartório Notarial de (…) competente para a instauração e apreciação do inventário.

II - Não nos parece que assim seja, pois se decorre da casa de família a competência material e territorial do Tribunal de (…), teríamos que já à data da instauração da acção de divórcio não existia casa de morada de família, dado que a Apelante já residia na cidade do Porto com os seus dois filhos, ficando acordado em termos de uso daquela que foi casa de família que a mesma seria utilizada pelo ora Apelado, mas certo é que a Apelante já residia há muito na cidade do Porto.

III - Nos termos no n.º 6 do artigo 3.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário o Cartório Notarial o cartório competente para inventário decorrente de divórcio é o que se encontra sediado no município do lugar da casa de morada de família, mas não será casa de família somente porque o Apelado nela reside, temos por isso em primeiro lugar que definir o que se pode entender como casa de família.

IV - Ora a casa de morada de família de (…) deixou de o ser até porque os filhos do casal vivem com a Apelante, não havendo por isso casa de morada da família, existindo somente o uso da anterior casa de família pelo aqui Apelado, sendo a verdadeira casa de família aquela onde os filhos residem com a mãe.

V - Mas não existindo casa de morada de família, nos termos do RJPI, n.º 6 do artigo 3.º in fine, o cartório competente será o que resultar na alínea a) do n.º 5 do mesmo artigo e regime, ou seja, o cartório do município da situação dos imóveis, e dado que existem imóveis em dois municípios, que neste caso seria na cidade do Porto pois foi nesta comarca que decorreu o Processo de divórcio.

VI - Entendemos por isso o Tribunal de Vila (…) incompetente quer material quer territorialmente, que só agora pode ser arguida em face da não audição da Requerida antes da decisão da providência cautelar.

VII – O decretamento de uma providência cautelar, em geral só é admissível quando se verifique o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos processuais: fumus bonis iuris, periculum in mora, interesse processual e proporcionalidade da providência.

VIII - O legislador só dispensa a alegação e prova do periculum in mora nas providências cautelares especificadas de restituição provisória de posse (artigo 1279.º do Código Civil e artigo 377.º do Código de Processo Civil), de alimentos provisórios (artigo 384.º do Código de Processo Civil), da apreensão de veículos automóveis (DL n.º 54/75 de 24 de Fevereiro), e de entrega judicial de bens objecto de locação financeira (DL n.º 149/95, de 24 de Junho.

Todas as restantes providências cautelares especificadas e não especificada, necessitam, para serem admissíveis, pelo menos da alegação do periculum in mora, incluindo o arrolamento, com excepção da previsão do artigo 409.º do CPC, que aqui não tem qualquer semelhança.

IX - Nestes autos a alegação de periculum in mora não existe, nem poderia existir dada a sua impossibilidade, por força do restante património na posse efectiva do Requerente quase na sua totalidade.

X - Parece-nos inquestionável a existência do direito, pois resulta da situação das partes e da futura divisão do património comum já enunciado no acordo de divórcio, embora as contas cujo arrolamento foi requerido não constem dessa relação de bens. De forma diversa teremos que atender que objectivamente não se mostra minimamente fundado o receio da sua lesão, atento o universo de bens comuns a partilhar, pois a prova documental de levantamento ou transferência bancária de valores, será tomada em consideração na partilha a efectuar.

XI - Admitindo a tese do Requerente, teremos que desde Janeiro de 2018 a Agosto de 2018, não consultou os saldos da conta que é co-titular, e desde a Janeiro/18, não requereu inventário, sendo que a providência cautelar só pode ser concedida se o requerente não tiver ao seu alcance qualquer meio processual menos gravoso que lhe permita proteger de igual forma o direito que pretende acautelar.

XII - O Requerente não pretende acautelar o seu direito, mas sim administrar a seu bel-prazer o património comum tentando de todas as formas “preparar” o inventário de forma que lhe seja favorável a partilha.

XIII - Na realidade, só é admissível o decretamento de uma providência cautelar desde que seja provável a existência de um determinado direito de Requerente que careça de tutela urgente, situação que não se verifica nestes autos, dado o facto da falta do cariz de urgência.

XIV - O recurso à tutela cautelar só é admissível se a ordem jurídica não colocar à disposição do requerente um outro meio processual menos gravoso que lhe permita proteger, de modo igualmente eficaz o direito ameaçado. Só há interesse processual se houver fundado receio de que o Réu possa obstar, através da sua conduta, à utilidade prática de uma sentença favorável ao Autor e se esse interesse faltar. A providência não deverá ser decretada.

XV - O Requerente da providência cautelar só terá interesse processual se alegar e provar, pelo menos de forma indiciária, que é titular de um direito, que esse direito foi ou está em eminência de ser violado e de que existe a necessidade de se proceder à sua reintegração, ainda que de forma provisória.

XVI - O requerente não interesse processual, dado que os seu direito está garantido, quanto mais não seja pelos bens que administra e pela impossibilidade de venda pela Apelante de qualquer bem sujeito a registo.

XVII - A proporcionalidade também decorre do que foi alegado relativamente ao interesse em agir.

XVIII - Não há manifestamente interesse processual nem proporcionalidade na providência de arrolamento, pelo que não deveria ter sido decretada.

XIX - Um dos principais fundamentos para o recurso à tutela cautelar reside no fundado receio de que outrem cause uma lesão grave e irreparável ou de difícil reparação de um determinado direito, quer pelos danos que possam advir dessa conduta, quer pela demora na tutela definitiva desse direito.

XX - O periculum in mora, constitui um requisito processual da natureza constitutiva da providência cautelar concretamente requerida, sendo por isso a falta deste requisito obstáculo ao decretamento efectivo da providência.

XXI - O periculum in mora é constituído por dois elementos essenciais: a demora e o dano decorrente dessa demora.

XXII - Relativamente à demora, a providência cautelar visa “proteger o justo receio de alguém se ver prejudicado por uma conduta de terceiro, inquietação que poderia ser agravada de forma efectiva, com as delongas normais de um pleito judicial. Ora no caso em análise, não existe receio, pelo menos justo, por parte do requerente que possa ser prejudicado por qualquer conduta da aqui Apelante, e muito menos agravada por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT