Acórdão nº 336/17.1T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: António (…) Recorrido: Pedro (…).

António (…), residente na Avenida (…), Lote …, … em Viana do castelo, instaurou a presente acção executiva, contra o Executado, Pedro (…), residente na Rua da (…), (…), Ponte de Lima, com os fundamentos expostos no requerimento inicial, sendo que, por despacho proferido nos autos foi indeferido o requerimento inicial.

Inconformado com o assim decidido, apela o Requerente, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões: I.

O Recorrente e Exequente nos presentes autos, conquanto avalista e em processo de execução que com o número …, correu termos no Tribunal de Comarca de Viana do Castelo, … – Instância Local Secção de Competência Genérica – J2, pagou ao (…), SA, o valor integral da livrança subscrita pela sociedade (…), Investimentos Financeiros, Lda. Livrança que se encontrava avalizada pelo exequente, pelo aqui Executado Pedro (…), e ainda por João (…). Todos executados no mesmo processo.

II.

Nem a devedora subscritora da livrança, nem nenhum dos coavalistas realizaram qualquer pagamento da livrança. O valor pago ascendeu a um total de 54.454,76 euros (€ 44.120,20 correspondentes ao valor da livrança, juros no valor de € 4.786,70, bem como despesas decorrentes do processo judicial e com a Agente de Execução, que ascenderam a 3.934,93 euros e 1.612,93 euros de despesas exigidas e pagas ao banco beneficiário).

III.

Nos termos do artigo 32º da Lei Uniforme sobre Cheques e Livranças, assiste ao Executado, na sua qualidade de coavalista, o direito de regresso quer sobre a subscritora da livrança, quer, na medida em que lhe corresponda, sobre os restantes avalistas, entre os quais se encontra o aqui Recorrido e Executado. Em tais circunstâncias, o Recorrente tem o direito de haver do Recorrido e Executado um terço do valor acima referenciado, que pagou ao banco, 18.151,58 euros. Valor que o Executado não liquidou quando instado formalmente, por carta registada com aviso de recepção, para tal por parte do Recorrente.

IV.

Em tais circunstâncias foi lícito ao Recorrente usar da faculdade prevista no artigo 52º da LULL, o ressaque de letra sacada à vista contra os coavalistas. Tendo sido por este sacada letra à vista, que apresentada à cobrança através do Banco ..., não foi paga, nem objecto de qualquer reclamação ou contestação. Porque título comprovativo suficiente da dívida existente, a letra sacada é título executivo que ora serve de base à presente execução.

V.

Foram juntos ao requerimento executivo a letra que serve de base à presente execução, com respectivo comprovativo do não pagamento desta e das despesas efectuadas; requerimento executivo no qual constam os factos alegados acima e respectiva livrança; comprovativo do montante pago ao banco pelo Exequente e conta da Agente de Execução e ainda a carta formalizando o pedido de pagamento ao coavalista aqui Executado, com respectivo comprovativo de recebimento.

VI.

A presente Acção de execução foi recebida pela secretaria, e presente ao Juiz do processo, o mesmo que ora proferiu a sentença recorrida, nos termos do artigo 726º do CPC e a 18 de Maio de 2017 foi por este proferido despacho liminar, nos termos do n.º 6 de tal artigo, que, sem qualquer objecção, ordenou o prosseguimento dos autos e ordenou a que se procedesse à citação do Executado, aqui Recorrido.

VII.

Os autos de execução prosseguiram e foram realizadas múltiplas diligências de penhora sobre os bens do Recorrido e Executado, tendo este apresentado oposição à Execução a 30 de Novembro de 2017, invocando várias razões pelas quais entendia que não deveria ser obrigado a pagar a quantia peticionada, mas nunca tendo invocado qualquer falta ou insuficiência de título executivo.

VIII.

A 21 de Fevereiro de 2018, o Tribunal recorrido proferiu sentença, agora indeferindo o requerimento executivo e determinando a extinção da presente execução, por duas razões: Por, alegadamente, a letra dada à execução não ser título executivo por o Executado a não ter aceite, e por se entender que entre avalistas cambiários não existiria direito de acção cambiária, sendo a obrigação regulada pelo direito comum, e ainda porque o direito de regresso existir apenas contra a pessoa a quem foi dado o aval e os obrigados para com esta em virtude do título. O despacho recorrido invocou o Acórdão do TRC de 03-06-2014, processo 18/12.0TJCBR-A.C1, supostamente como fundamentador desses seus entendimentos.

Pretende o Recorrente recorrer da integralidade da sentença, com base em três fundamentos: - Existe título executivo suficiente para a execução, nos termos das alíneas c) e d) (duplamente), do número 1 do artigo 703º ainda do CPC, quando conjugado com o disposto no artigo 52º da LULL.

- A sentença proferida viola o disposto no artigo 620º do C.P.C. ao julgar de novo o que era já caso julgado formal, e consequentemente é nula.

- A sentença proferida é nula por consequência do disposto no artigo 615º nº 1 alínea e) do mesmo CPC, ao condenar o exequente por objecto diverso do pedido.

IX.

A letra sacada à vista nas condições em que o foi, ressaque nos termos do artigo 52º da LULL é título executivo suficiente, o aceite do sacado não sendo necessário, como dispõe tal artigo: “Qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo disposição em contrário, embolsar-se por meio de uma nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados”.

X.

O recorrente sendo um dos vários coavalistas da livrança, e se apenas ele a pagou na sua totalidade, assiste-lhe o direito de regresso sobre os outros coobrigados nesta, os outros avalistas com quem assumiu uma obrigação solidária (nos termos dos artigos 32º e 47º da LULL), veja nesse sentido o acórdão do STJ de 27.11.1962, Bol STJ 131 pág. 355, citado por Abel Delgado na LULL, em anotação 5 ao artigo 31º, aval coletivo e que citamos “O co-avalista do sacador que pague a totalidade da letra só tem o direito de regresso contra os outros co-avalistas se o pagamento lhe houver sido pedido judicialmente ou se o devedor principal tiver sido declarado falido.”. Aplicando-se assim nas relações entre os co-avalistas o mesmo regime que será aplicável à fiança e consagrado no artigo 649º do Código Civil.

XI.

Sendo que nas obrigações solidárias, o direito de regresso é consagrado com muita clareza no artigo 524º do CC: “ O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores na parte que a estes compete:”, veja-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência datado de 5 de Junho de 2012, com o número 7/2012 proferido no processo 2493.05.0TBBCL.G1.S1: «Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.» XII.

Pelo que existe direito de regresso do recorrente sobre o recorrido.

XIII.

E esse seu direito de regresso não tem de ser objecto de uma acção declarativa prévia à interposição da acção executiva, como resulta do artigo 52º da LULL: “ qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo estipulação em contrário embolsar-se por meio de uma nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados e pagável no domicílio deste.” XIV.

E como bem o interpretou o Dr. Abel Delgado, na sua LULL Anotada, 5ª Edição, Petrony, anotação 1 a tal artigo que se transcreve: “O ressaque é o ato pelo qual o provador, em vez de recorrer aos tribunais, para tornar efectivo o direito de regresso, saca uma nova letra à vista sobre um dos obrigados cambiários (arte. 52, I.) (….) Não é mais do que uma nova letra (relacionada com a primeira, pois que é emitida para obter o reembolso desta, mas dela independente), em que o portador ou o credor da letra primitiva toma a posição de sacador, figurando como sacado o garante sobre quem se exerce o direito de regresso.” Sublinhado nosso.

XV.

Pelo que o Recorrente tem o direito de regresso sobre o Recorrido, e pode exercer esse seu direito directamente, sacando uma letra à vista, um ressaque, como o fez, constituindo tal letra um título executivo nos termos do artigo 703º nº 1 alínea d) do CPC. A letra sacada à vista por avalista pagante sobre os restantes coavalistas não pagantes, é título executivo porque se trata de documento a que a disposição especial que se acabou de referir, o artigo 52º da LULL ( dispensando-nos de arguir o porque é especial tal preceito) lhe dá tal valor ou natureza.

XVI.

Até porque o requerimento executivo apresentado pelo Recorrente retracta suficiente e fielmente as condições em que a ordem de pagamento através de título cambial foi emitida.

XVII.

Permitindo facilmente a distinção entre a situação presente nos autos e aquela a que se refere o acórdão citado na sentença. Neste se contemplando a situação em que o exequente utilizou a própria livrança por si avalizada e paga, instaurando execução contra os outros co-avalistas. O que certamente não é o caso dos presentes autos.

XVIII. O direito do exequente existindo com a segurança necessária para constituir título executivo, independentemente do reconhecimento da dívida por parte do executado, que por si já teria reconhecido suficientemente a sua obrigação na livrança original, pelo que o aceite não é necessário.

XIX.

Como resulta dos factos 11 a 18, existiram duas decisões diametralmente opostas proferidas no âmbito do mesmo processo, e tendo a decisão proferida nos termos do artigo 726º do CPC, e que entendeu que o título executivo era suficiente e consequentemente mandou prosseguir a acção executiva ordenando-se a citação do executado, transitado em julgado.

XX.

Não obstante, na sentença recorrida, o Juiz...

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