Acórdão nº 433/16.0PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 433/16.0PBVIS que corre termos no Tribunal da Comarca de Viseu, Juízo Central Criminal de Viseu – Juiz 2, em 15/5/2018, foi proferido acórdão, cujo DISPOSITIVO é o seguinte: “3. Decisão Pelo exposto, de facto e de direito, decide-se: I) condenar os arguidos pela prática em coautoria material de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.°, n.º 1, do C. Penal: a) na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva o arguido A...

; b) na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão o arguido B..., suspensa na sua execução por igual período de tempo.

Declara-se perdida a favor do Estado a navalha apreendida.

Custas Condenam-se ainda os arguidos em 4 (quatro) UC`s de taxa de justiça individual e nas custas do processo – arts. 513º e 514º, nº 1, do C.P.P., e 8º, nº 9, do R.C.P..

Após trânsito em julgado, quanto ao arguido A... , proceda-se à recolha de amostras prevista no art.8º, nº2, da Lei nº5/2008, de 12/02, e à sua introdução na base de dados de perfis de ADN, ressalvada a dispensa prevista no nº6, do cit. art.8º.” **** B) Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 11/6/2018, o arguido A... , defendendo a revogação do acórdão, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões: 1.ª- O presente recurso assenta, em termos de fundamentos, em duas normas legais do direito recursório, distintas e concretas.

  1. O erro notório na apreciação da prova (al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P.

B – Impugnação alargada da decisão proferida sobre a matéria de facto (artigo 412.º, n.º3, als. a) e b) e n.º 4 do C.P.P.

2.ª- O arguido A... foi julgado e condenado nos presentes autos pela prática, em coautoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º1 do Cód. Penal, na pena de três anos e 6 meses de prisão efetiva.

3.ª- A decisão condenatória assenta, em termos factuais, na versão dos facto vazada nos pontos 2 a 8; 9 e 10; 12 a 17; 19; 21 e 22; e 23 a 25 da “matéria de facto provada” consignada na fundamentação do acórdão recorrido.

4.ª- O arguido A... considera incorretamente julgada a referida factualidade na parte em que o inclui como parte da sua autoria, considerando-se alheio aos mesmos, por neles não ter intervindo a qualquer título.

5.ª- Na formação da sua convicção acerca dos referidos factos, na medida em que não existe nos autos qualquer prova – designadamente qualquer prova válida formada ou recolhida em sede de inquérito – que permita relacionar o arguido A... com os factos que lhe são imputados nos termos consignados pelo Tribunal naqueles pontos 2 a 8; 9 e 10; 12 a 17; 19; 21 e 22; e 23 a 25 da “matéria de facto provada” consignada na fundamentação do acórdão recorrido - a sua convicção acerca do seu envolvimento nesses factos assentou – exclusivamente – no reconhecimento feito pelo ofendido em audiência de julgamento, enquanto prestava depoimento na qualidade de testemunha (cfr. sessão do julgamento do dia 09.05.2018; depoimento da testemunha C... prestado no período de tempo compreendido entre as 10.11.59 horas e as 11.00.58 horas ( cfr. ata da respectiva audiência), designadamente na passagem compreendida entre o minuto 04.00 e o minuto 04.15, transcrita supra ); 6.ª- A testemunha procedeu à identificação do arguido como sendo o autor dos factos, mesmo sem olhar para ele, e depois de o Sr. Juiz ter mandado levantar o recorrente A... , de resto o único arguido sentado no “banco dos réus”.

7.ª- A testemunha afirmou que na altura o arguido tinha barba, o que pelos vistos não o impedia minimamente de o identificar agora, sem ter barba; 8.ª- O que se compreende, pois que numa fase derradeira do inquérito, apercebendo-se da falta de prova para uma identificação do arguido como autor dos factos, a PSP, enquanto órgão encarregue da investigação, teve o cuidado de elucidar a testemunha acerca dessa autoria exibindo-lhe um fotograma do cartão de cidadão do arguido A... (cfr. fls. 149 e 164-5 do inquérito).

9.ª- Compreende-se, por isso, que a testemunha nem precisasse de olhar para o arguido A... para o identificar como autor dos factos. 10.ª- Por entender que o Tribunal, de forma ilegal, procurava suprir a falta de uma identificação positiva do autor dos factos através de uma produção de prova por “reconhecimento” artigo 147.º do C.P.P., através de um “reconhecimento” feito em julgamento sem o respeito pelas formalidades impostas pelo referido preceito legal, logo na altura a defesa apresentou um requerimento que ficou gravado na aplicação citius no âmbito do depoimento prestado pela Testemunha C....

na sessão de julgamento o dia 09.05.2018 (depoimento iniciado entre as 10.11.59 horas e terminado pelas 11.00.58 horas, tendo aquele requerimento ficado gravado na passagem compreendida entre o minuto 39.01 e o minuto 44.59); 11.ª- Em síntese, com o transcrito requerimento, a defesa procurou por em evidencia a nulidade do reconhecimento efetuado em audiência de julgamento sem a observância do formalismo legal do artigo 147.º, n.º1 do C.P.P..

12.ª- Requerimento este que recebeu como resposta do Tribunal, dada na motivação da decisão de facto exarada no acórdão recorrido nos seguintes termos já transcritos: “ Naturalmente que esta identificação física do arguido A... , realizada em audiência de julgamento a coberto da oficiosidade conferida ao Tribunal, maxime, no n.º1 do artigo 340.º do Cód. de Proc. Penal, tem valer de meio de prova sujeito ao principio da livre apreciação ( artigo 127.º do Cód. de Proc. Penal) e cuja produção escapa ás formalidades prescritas no artigo 147.º do C.P.P., para a prova por reconhecimento nas fases investigatórias do processo, designadamente no inquérito”; 13.ª- Com a transcrita resposta o Tribunal alicerça a sua posição em duas premissas, a saber: 1.ª- A formalidade prescrita no artigo 147.º do C.P.P. para a produção de prova por reconhecimento apenas se aplica às fases investigatórias do processo; 2.ª- O Juiz, ao abrigo da oficiosidade que lhe confere o artigo 340.º do C.P.P., pode chegar - de forma lícita e constitucional - ao mesmo resultado a que chegaria mediante um reconhecimento realizado nos termos previstos no artigo 147.º do referido Código, através de uma identificação feita em julgamento por uma testemunha, procedendo à avaliação do seu depoimento com base no princípio da “livre apreciação da prova”; 14.ª- Na nossa opinião, este entendimento é ilegal e inconstitucional, e explicamos porquê! 15.ª- O reconhecimento de pessoas é um dos meios de prova previstos no C.P.P cuja finalidade é apurar o responsável pelo crime, ou seja, identificar a pessoa que foi vista a praticar o facto criminoso, ou que tenha sido vista antes ou depois do facto, em circunstâncias fortemente indiciadoras de ter sido o seu autor.

16.ª- É óbvio que o resultado probatório positivo, com o reconhecimento do arguido como autor dos factos criminosos, a traduzir já uma forte suspeição da sua culpabilidade, impõe ao legislador que prudentemente e de forma cuidadosa assegure as necessárias condições de genuinidade e seriedade do acto, impondo a observância de regras através das quais minimize o risco de precipitação ou de falta de rigor.

17.ª- “Em suma, dada a relevância que na prática assume para a formação da convicção do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, um reconhecimento tem necessariamente que obedecer, para que possa valer como meio de prova em sede de julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a autenticidade e a fiabilidade do acto.” – Ac TC n.º 452/05 de 25 de Agosto de 2005.

18.ª- Assim, quanto ao procedimento a que deve obedecer o reconhecimento de pessoas, dispõe o art. 147º, do C.P.P; 19.ª- O reconhecimento de pessoas que não tenha sido efectuado nos termos que ficaram expostos, não vale como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorreu (nº 7, do art. 147º, do C. Processo Penal).

20.ª- Estamos pois perante uma proibição de prova, isto é, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão (há quem entenda que se trata de uma nulidade - cfr. art. 118º, nº 3, do CPP - embora, ao nível do processo, a utilização de uma prova proibida tenha o mesmo efeito da nulidade do acto ou seja, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 126).

21.ª- O acórdão do Tribunal Constitucional nº425/2005, proc. 425/05, distingue o reconhecimento propriamente dito, do impropriamente designado reconhecimento, que não passa de “uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas” e submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do art 147º do CPP.

22.ª- E esclarece muito bem a diferença das situações: “Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa”.

23.ª- “A questão da realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artigo 147º do Código de Processo Penal só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução por inércia das entidades investigadoras, por...

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