Acórdão nº 2838/17.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução17 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório B. C.

, viúva, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra A. S.

, e M. R.

, todos com os sinais dos autos.

Peticiona a Autora que se declare anulada por revogação e de nenhum efeito a escritura de doação transcrita no ponto 16º da petição inicial e, consequentemente, que se ordene o cancelamento dos seguintes registos de aquisição: a favor do Réu A. S. e da Ré M. R., a que se refere a Ap. 2311 de 2016/06/16 da descrição nº 999/..., a favor da Ré M. R. a que se refere a Ap. 2312 de 2016/06/16 da descrição 1000/... e a favor da Ré M. R. a que se refere a Ap. 2312 de 2016/06/16 da descrição 840/....

Alegou, para o efeito, que após o óbito do marido, ficou sozinha, com 93 anos de idade, restando-lhe, como familiares próximos os seus sobrinhos, de entre os quais J. F. divorciado da aqui 2ª ré M. R., e pai do aqui 1º réu A. S..

Referiu que após o óbito do seu marido, o 1º réu começou a visitá-la com certa regularidade mostrando-se afectuoso para com esta, passando a levá-la a vários passeios, almoços e lanches. Com esta aproximação a Autora questionou o 1º réu se queria tomar conta de si, tratando dela em tudo que ela viesse a necessitar, o que este aceitou, diligenciando por acomodar a Autora na sua casa, e pela marcação da escritura de doação.

Assim, no dia 1 de Junho de 2016, os réus, levaram a Autora, ao Cartório Notarial, onde lavraram a escritura de doação cuja cópia se encontra junta a fls. 9vs a 11 dos autos.

Arguiu, de seguida, que em acto contínuo ao da escritura o comportamento do 1º réu e sua esposa mudou radicalmente, o afecto que até então exibira pela Autora, foi substituído por desprezo. Os passeios e saídas que eram antes frequentes, passaram a inexistir, ficando sempre a Autora em casa fechada. Chegou mesmo a ser expulsa de casa pelo 1º réu, e ainda pediu a este os € 40.000 em dinheiro que tinha levado consigo, recusando-se este, em tom agressivo e ameaçador, a entregar-lhe o dinheiro.

Assim, depois de expulsa da casa do 1º réu, sem as economias de uma vida de trabalho regressou a casa, passando a viver sozinha, de forma desumana.

Diz, ainda, que a referida escritura de doação não lhe foi lida, nem explicada, sendo-lhe entregue apenas a folha onde tinha de assinar. Se lhe fosse lida a escritura, a Autora nunca iria assinar, porque jamais queria dar os seus bens à 2ª ré, que já nem da sua família era.

*Devidamente citados, os Réus contestaram.

Realizou-se a audiência de julgamento, e a final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, e absolveu os Réus dos pedidos contra si formulados.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a), 647º,1 todos do Código de Processo Civil.

Termina as suas alegações com as seguintes conclusões: 1º- A factualidade considerada assente pela Mm.ª Juiz a quo é suficiente para se verificar que a condição modal, expressamente consagrada na escritura de doação foi nitidamente violada, podendo a Recorrente revogar a doação então feita (vd. artigo 963º, 965º e 966º do CC).

  1. - Os Recorridos abandonaram nitidamente a Recorrente, nunca mais tendo procurado a mesma depois de a Recorrente ter “saído” da casa dos Recorridos, consubstanciando acto de ingratidão tutelado legalmente (vd. artigo 970º e 974º).

  2. - Urge dar cobro ao enriquecimento que os Recorridos gozarão por efeito do abandono da Recorrente ficando com os seus bens, mesmo estando obrigados a dele tratar na saúde e na doença até ao último dia de vida desta, o que não cumprem.

Os recorridos contra-alegaram, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª- A recorrente dispôs de determinados bens a favor dos Réus, para que estes dela cuidassem na saúde e na doença, mas com custos a cargo da mesma autora e na sua falta a cargo dos Réus.

  1. - Estes cumpriram a sua obrigação, tratando a Autora com o devido respeito e cuidados.

  2. - A mesma recorrente abandonou a casa dos Réus, onde se instalara, por sua própria vontade e sem motivo que o justificasse.

  3. - Apesar disso, o Réu A. S. ainda enviou duas cartas à Recorrente nas quadras festivas – juntas aos autos.

  4. - Aos Réus não era, nem poderia ser, exigida outra conduta, para além daquela que sempre tiveram para com a recorrente, a qual, frisa-se, nunca foi abandonada, maltratada e muito menos expulsa de casa.

  5. - Constando do art. 970º do Código Civil os factos ou motivos que permitem a cessação da doação, por revogação, em ponto nenhum dos autos e mais concretamente do que foi provado, se pode concluir ou ver que algum comportamento dos Réus integre tal situação.

II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a única questão a decidir consiste em saber se os factos provados permitem a solução de direito pretendida pela autora/recorrente.

III A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: 1- A Autora foi casada com J. G. durante 65 anos, sendo que, desse matrimónio, não resultaram filhos.

2- O aludido matrimónio dissolveu-se em 15 de Julho de 2015, com o óbito de J. G..

3- A Autora viu-se desamparada e sozinha, com 93 anos de idade, sendo que apenas lhe...

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