Acórdão nº 1324/15.8T9PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução20 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1 – O Ministério Público deduziu acusação contra AA e contra BB, à qual aderiu o assistente CC, imputando-lhes a prática, em concurso efectivo, de três crimes de homicídio qualificado na forma tentada, condutas p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 23.º, 131.º e 132.º, n.º 2, alíneas b), c) e j), do Código Penal, crimes pelos quais eles vieram a ser pronunciados.

Realizado o julgamento no Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi proferido acórdão em 26 de Janeiro de 2017 (fls. 997 a 1052) através do qual o tribunal decidiu absolver os arguidos da prática desses crimes.

Nessa peça processual o tribunal considerou provado que: CC, aqui assistente e demandante, e AA, aqui arguida, conheceram-se em data não concretamente apurada mas anterior a 14 de maio de 2007 e casaram um com o outro em 28 de junho de 2009, em regime de separação de bens, casamento que foi dissolvido por divórcio decretado em 30 de outubro de 2014.

Do relacionamento que se estabeleceu entre os dois nasceram dois filhos: − ---- em ... de 2007; e − ---- em ... de 2011.

Em 22 de junho de 2012, o assistente e a arguida separaram-se, tendo esta ficado a residir, com os dois filhos do casal e outros dois resultantes de uma relação anterior, na casa onde até então todos habitavam, pertencente ao assistente, sita na Rua ..., tendo posteriormente sido estipulado que a arguida pagaria ao assistente € 400 (quatrocentos euros) de renda.

A arguida não exercia qualquer profissão, não possuindo qualquer fonte de rendimento, tendo deixado de nutrir qualquer afeto pelo assistente.

Após a separação, o assistente passou a pernoitar na residência de ----, sua mãe e aqui também demandante, sita na Rua ....

Após, a partir de data não concretamente apurada mas anterior a 24 de abril de 2013, o assistente passou a viver na residência sita na Rua ..., em comunhão de mesa, cama e habitação com EE, aqui também demandante, com quem casou em... de 2015, tendo a filha de ambos, ---, nascido em ... de 2013.

Pelo menos até 31 de maio de 2013 a arguida desconhecia que a demandante EE se encontrava grávida, embora tenha admitido essa possibilidade.

Entre fevereiro de 2013 e 24 de abril de 2013, a fim de aceder ao acervo patrimonial do assistente, por sucessão hereditária, por si e em representação dos filhos menores que tivera com ele, a arguida decidiu tirar a vida ao assistente contratando alguém que tal o executasse a troco de dinheiro.

Para tanto, nesse período, a arguida pediu a BB, aqui também arguido, que já conhecia e que exercia profissão relacionada com serviços de segurança, que lhe arranjasse indivíduos que executassem a morte do assistente, comprometendo-se, em contrapartida, a entregar ao arguido uma quantia em dinheiro de montante não apurado e a cada um dos indivíduos quantia não inferior a € 75.000 (setenta e cinco mil euros).

Nesse mesmo período de tempo, acedendo ao pedido da arguida, o arguido contactou um seu conhecido no ramo da vigilância, FF Ainda naquele período, o arguido apresentou aquele FF à arguida junto ao "Oporto British School", sito na Rua ..., onde esta reafirmou o seu propósito, tendo aquele posteriormente dado conta ao arguido que retiraria a vida ao assistente a troco das ditas quantias, tendo o arguido, por sua vez, informado em conformidade a arguida.

O modo, o local e o momento em que seria levada a cabo a referida morte, bem como a pessoa que juntamente com aquele FF tal executaria, seriam definidos por este, sendo que a arguida foi insistindo para que a morte do assistente fosse consumada o quanto antes.

A arguida e o dito FF encontraram-se por outras vezes, nomeadamente: − Em 24 de abril de 2013, pelas 10h58m, junto à padaria "...", em ..., nesta cidade do Porto, onde para além daqueles também esteve presente o arguido; − Em 3 de maio de 2013, pelas 16h40m, junto ao dito colégio; e − Em 31 de maio de 2013, pelas 14h49m, junto ao dito colégio, onde para além daqueles dois também esteve presente GG, indicado por FF como sendo a pessoa que juntamente consigo levaria a cabo tal morte a troco das ditas quantias.

Todos os encontros da arguida com FF oram combinados entre eles, não diretamente, mas através ou por intermédio do arguido.

No encontro do dia 24 de abril de 2013 a arguida deu conta que o pagamento das referidas quantias só teria lugar após a morte do assistente.

Após FF ter verbalizado à arguida precisar de saber a identificação do assistente e os seus hábitos, em data não concretamente apurada mas situada entre 24 de abril de 2013 e 3 de Maio de 2013 a arguida entregou àquele uma fotografia onde, para além dela, constava o assistente, bem como um papel onde a mesma apôs, pelo seu punho, as moradas do assistente e das demandantes, do escritório do assistente e ainda as marcas, matrículas e cores das viaturas conduzidas pelo assistente e pela demandante EE.

Após FF ter solicitado à arguida dinheiro para adquirir a arma de fogo que referiu ir ser utilizada na execução da dita morte, em data não concretamente apurada mas situada entre 3 e 5 de maio de 2013, a arguida entregou a FF um cartão de débito Visa Electron com o n.º -- do Banco ---, referente à conta n.º --, de que era titular, com o respetivo código secreto, dando-lhe instruções para que este procedesse ao levantamento da quantia de € 900 (novecentos euros) para aquele efeito.

Entre 5 e 14 de maio de 2013, o dito FF, mediante a utilização do referido cartão e do dito código secreto, procedeu ao levantamento da dita quantia, que fez sua.

FF oi comparecendo nos ditos encontros aí conversando sobre a execução da morte do assistente e respetivo pagamento, captou som e imagem de alguns deles, sem o consentimento dos arguidos, efetuou os ditos pedidos, recebeu os descritos elementos e procedeu ao levantamento daquela quantia, como forma de documentar a intenção da arguida e participação do arguido e também fazer crer que iria tirar a vida ao assistente.

Na verdade, os arguidos estavam convencidos que aqueles iriam tirar a vida ao assistente e foi por força disso que a arguida entregou a FF o dito cartão bancário e respetivo código para o mesmo efetuar aquele levantamento.

Contudo, FF e GG nunca tiveram o propósito de tirar a vida ao assistente, não tendo aquele sequer adquirido qualquer arma de fogo.

No dia 24 de maio de 2013 FF e GG revelaram ao assistente o propósito da arguida e participação do arguido, tendo aquele de imediato contratado ambos como motoristas, mediante o pagamento mensal de € 1.250 (mil duzentos e cinquenta euros) para cada um deles, tendo o primeiro estado ao serviço do assistente durante 3 (três) anos e o segundo durante 5 (cinco) meses.

No dia 25 de maio de 2013 FFrevelou a militares da Guarda Nacional Republicana o propósito da arguida e participação do arguido.

A arguida agiu sabendo e querendo prometer a entrega das ditas quantias monetárias a troco da execução da morte do assistente e, desta forma, determinar outrem a matar o assistente, então ainda seu marido, com elaboração mental, reflexão, tenacidade e persistindo nessa intenção por mais de 1 (um) mês.

O arguido agiu sabendo e querendo arranjar pessoa que matasse o então ainda marido da arguida em troca da quantia monetária a entregar por esta e intermediar a marcação de encontros entre aquela e esta, com elaboração mental, reflexão, tenacidade e persistindo nessa intenção por mais de 1 (um) mês.

A morte do assistente não se verificou porquanto as pessoas que supostamente a iriam executar, FF e GG, nunca a pretenderam levar a cabo.

Ao atuarem da forma descrita os arguidos manifestaram uma personalidade profundamente distanciada dos valores sociais vigentes.

Os arguidos agiram de comum acordo entre os dois e na execução desse acordo.

Os arguidos agiram de forma livre e conscientemente, convictos que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Em consequência direta e necessária da conduta dos arguidos, o assistente, advogado de profissão, sofreu uma diminuição da capacidade de concentração e, pessoalmente, sentiu receio de sair à rua e, quando tinha de sair por razões inadiáveis, ficava em constante sobressalto, olhando constantemente em redor, temendo qualquer ataque vindo ele fosse de onde fosse, tendo mudado as suas rotinas, evitando, a todo o custo, andar sozinho, deixando de frequentar sozinho qualquer centro dedicado à prática desportiva ou, quando o fazia, passou a ser acompanhando por amigos que o recolhiam em casa e aí o deixavam após o exercício.

Ao tomar conhecimento dos factos praticados pelos arguidos através do aqui assistente, a demandante ----, nascida a 17 de setembro de 1953, sentiu receio de sair à rua e, quando tinha de sair por razões inadiáveis, ficava em constante sobressalto, olhando constantemente em redor, temendo qualquer ataque vindo ele fosse de onde fosse, tendo mudado as suas rotinas, evitando, a todo o custo, andar sozinha.

Ao tomar conhecimento dos factos praticados pelos arguidos através do aqui assistente, a demandante EE, educadora de infância de profissão, sofreu uma diminuição da capacidade de concentração e, pessoalmente, sentiu-se perturbada, ansiosa, com receio de sair à rua e, quando tinha de sair por razões inadiáveis, ficava em constante sobressalto, olhando constantemente em redor, temendo qualquer ataque vindo ele fosse de onde fosse, tendo mudado as suas rotinas, evitando, a todo o custo, andar sozinha, tendo ficado ansiosa e perturbada.

Foi-lhe diagnosticada gravidez de risco por atraso de crescimento intrauterino.

A arguida cresceu integrada no agregado familiar de origem composto pelos pais e cinco filhos sendo a arguida a segunda por ordem de nascimento. O ambiente familiar era harmonioso, não obstante as limitações económicas vivenciadas uma vez que era apenas o progenitor, operário da construção civil, o sustento da família.

A arguida frequentou o ensino em idade própria o qual abandonou...

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