Acórdão nº 697/16.0JABRG.S1.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução18 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

Em processo comum, perante o Tribunal Colectivo no Juízo Central Criminal de ..., 2.ª secção – Comarca de ..., foi submetida a julgamento a arguida AA Por acórdão proferido a 15 de Março de 2017 e depositado no mesmo dia, foi deliberado: - Absolver a arguida da prática, como autora material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 132.º, n.

os 1 e 2, alínea a), do Código Penal; e - Condenar a arguida AA pela prática, como autora material, de um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131.º, do Código Penal, na pena de prisão de 10 (dez) anos, ordenando-se o seu internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente a esta pena e enquanto durar a causa determinante deste internamento – [por] o regime dos estabelecimentos comuns se mostrar prejudicial à condenada face à anomalia psíquica de que padece.

  1. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 22 de Janeiro de 2018, negou provimento ao recurso interposto pela arguida.

  2. Inconformada, a arguida interpôs o presente recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões[1]: «CONCLUSÕES 1. Não pode a Recorrente concordar com o douto Acórdão ora recorrido que negou provimento ao recurso interposto e manteve a sua condenação pela prática do crime de homicídio simples na pena de 10 (dez) anos.

  3. Ao invés, e desde logo, sempre a conduta da Recorrente será de subsumir ao tipo de homicídio privilegiado, p. e p. no art. 133º do C. Penal.

  4. Contrariamente ao agora decidido, dos factos provados resultam, relativamente à pessoa da Recorrente e à sua tomada de resolução criminosa, que passaria por pôr termo à sua vida, juntamente com a do seu filho, por verificados os pressupostos daquele tipo legal previsto no art. 133º do C. Penal.

  5. Erradamente, afastou o Douto Tribunal da Relação a sensível diminuição da culpa da recorrente, pese embora tenha admitido, que a mesma se encontrava numa situação de desespero.

  6. Donde, e porque no douto Acórdão ora recorrido se alude expressamente ao vertido na decisão proferida em sede de Acórdão proferido em 1ª Instância, será de reiterar tudo quanto anteriormente vertido em sede de recurso interposto daquele douto Acórdão.

  7. Os factos provados configuram-se como bastantes para se concluir pela verificação de um verdadeiro «desespero» que diminuíram sensivelmente a culpa da Recorrente – cfr. art. 133º do C. Penal – encontrando-se assim justificado o tipo em causa.

  8. Como diminuição sensível da culpa temos, como o refere Figueiredo Dias, a ocorrência do denominado “estado de afecto”, que condiciona as faculdades e capacidades do agente, empurrando-o para a desconformidade com o direito.

  9. Assim sendo de ter por sensivelmente diminuída a culpa daquela, na medida em que, atento o seu estado emocional, a recorrente ficou numa situação de exigibilidade diminuída, tendo atuado dominada pelo seu próprio desespero, sendo levada a actuar contrariamente àquilo que queria e sabia de direito.

  10. Agiu a recorrente em «desespero», fundado em todos os episódios de violência física e psicológica, que foram acontecendo ao longo dos anos, perpetrados pelo marido, a si e ao seu filho, agravada pela relação extra conjugal do mesmo, e que a levaram a achar-se num “beco sem saída”, geradores de angústia e depressão.

  11. Sendo certo que, derivado da perturbação psicológica de que a recorrente padecida, para aquela não se “apresentava” qualquer alternativa tendente a por termo ao seu sofrimento, bem como, ao que o filho poderia sofrer, caso lhe sobrevivesse, que não a morte de ambos, 11. Sendo essa sua “opção” de entender como menos censurável, assim diminuindo a sua culpa, em razão do seu «desespero», 12. O que, «significa e traduz um estado subjectivo em que a angústia, a depressão ou as consequências de factores não domináveis colocam o estado de afecto do sujeito no ponto em que nada mais das coisas da vida parece possível ou sequer minimamente positivo, de tal forma que se permite considerar, nas circunstâncias do caso, uma acentuada diminuição da culpa por menor exigibilidade de outro comportamento» - douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.07.2010 (proferido no âmbito do Proc. 408/08.3PRLASB.L2.S1, disponível in www.dgsi.pt) (negrito e sublinhado nossos), 13. Sem descurar que, «No desespero despontam estados de afecto ligados à angústia, à depressão ou à revolta. Podem referir-se os casos de suicídios da mãe que tenta matar-se com os filhos, para lhes poupar sofrimentos, mas que acaba por sobreviver-lhes (Ac. STJ de 28/09/2005 (05P2537); e Ac. STJ de 14/07/2010 (408/08.3) – Cfr. Código Penal Anotado, de M. Miguel Garcia e J.M. Castela Rio, da BDJUR, 2014, págs. 522 e 523 (negrito e sublinhado nossos).

  12. Tudo isto, bem como a consequente diminuição sensível da sua culpa, resulta das declarações da própria recorrente, das quais resulta claro, o sofrimento em que vivia, e, ainda, a sua depressão.

  13. Nos termos em que a mesma foi tida como provada, com o seu suicídio e o pôr fim à vida do seu filho, a factualidade assente é claramente demonstradora do «desespero» da recorrente, o qual se “apresentava” como bastante a diminuir sensivelmente a sua culpa, 16. “Afastando” assim a conduta da recorrente do tipo de homicídio simples e “integrando” a mesma no homicídio privilegiado, pois que estamos perante situação distinta da que previu o legislador, em que o autor do facto criminoso tenta conjuntamente com o seu suicídio, a morte de outrem.

    SEM PRESCINDIR, 17. E sem conceder do exposto, atentos os fundamentos invocados, sempre haverá que referir ainda que, não pode a recorrente concordar com o facto de não ter o Digníssimo Tribunal “a quo” decidido pela “aplicabilidade” da figura da atenuação especial da pena, nos termos do disposto do art. 72º do C. Penal.

  14. Porque a morte do seu filho resultou de uma conduta da recorrente também destinada a pôr termo à sua própria vida, sempre será de concluir que as circunstâncias anteriores, posteriores e contemporâneas ao crime, diminuem de forma acentuada a culpa da recorrente e a necessidade da pena.

  15. Ainda que verdadeiramente “excepcional”, logo, reservada a casos distintos da generalidade, sempre tal atenuação é aplicável ao caso presente porquanto o mesmo trata de um filicídio mas contemporâneo a um suicídio falhado, sendo o acto causador da morte o mesmo com que pretendia a recorrente por termo à própria vida, 20. Não estamos apenas perante a morte de um filho, mas sim perante a tentativa de alguém, num único acto, terminar com a sua vida e do seu filho, porque atendendo o seu estado psíquico vê aquela como a única solução viável.

  16. Porque pretendia a Recorrente, não a morte do seu filho, mas sim que ambos partissem conjuntamente deste mundo, claro se torna estarmos perante as denominadas circunstâncias que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente, bem como a necessidade da pena.

  17. A recorrente só agiu como provado porque numa situação de grave perturbação psicológica e fragilidade emocional, valorizando de forma exacerbada os seus problemas familiares, entendeu que o seu sofrimento permanente, bem como a sua responsabilidade na protecção do seu filho menor, só poderia terminar com aquela sua conduta.

  18. Assim, terá que se aferir da diminuição da culpa da recorrente tendo por base o estado psíquico em que se encontrava e o facto de, no seu entendimento, prejudicado e nebuloso, nada mais restar, na tentativa de se “libertar”, do que a sua morte a que se “juntaria” a do seu filho, para que também este não mais sofresse.

  19. De referir ainda a acentuada diminuição da necessidade da própria pena, patente no facto de o maior dos castigos já o haver sofrido a recorrente, ao ter sobrevivido à morte do seu filho, que pretendia que “partisse” consigo, e que melhor resulta da prova documental existente nos autos e da qual resulta a “anuência” da recorrente na continuidade de acompanhamento psicológico.

  20. Apesar de tudo o sucedido, continua a recorrente a poder contar com o apoio dos familiares.

  21. Daqui resultando, então, a inexactidão do agora referido no douto Acórdão ora recorrido quando se refere que uma atenuação da pena neste caso, “apesar do manifesto peso dos factores atenuativos, mormente da situação de intenso desespero vivenciado pela recorrente, da confissão e do arrependimento sincero, a imagem global do facto, apresenta-se com uma razoável gravidade merecendo da comunidade frontal reprovação e forte censura, não assumindo aqueles factores a dimensão necessária e suficiente para que se possa considerar a possibilidade de uma atenuação especial nos termos do artigo 72º do Código Penal.

    ” 27. Pois que, para todos se torna patente que a actuação da recorrente se ficou a dever unicamente à perturbação de que sofria, e que a própria sofreu já o “preço” daquela sua actuação, ao se ver privada do seu filho.

  22. Também os documentos clínicos existentes nos autos, respectivas perícias médicas/psíquicas, e os depoimentos prestados, permitem o esclarecimento quanto aos “antecedentes” da recorrente e à sua infeliz evolução para o estado emocional, psicótico, em que se encontrava quanto tomou a resolução de pôr fim à vida de ambos.

  23. Pelo que, e porque atendendo a esse seu estado psicológico, não estaremos então perante uma verdadeira hipótese especial, divergente de tudo quanto o pensado pelo legislador na “criação” das respectivas molduras, ter-se-á aqui que se decidir pela aplicabilidade da verdadeira válvula de segurança que é a atenuação especial da pena – Cf. O Acórdão STJ, de 17.10.2002.

  24. Isto porque, a recorrente não fez o seu filho pagar pelo seu sofrimento, antes sim, a recorrente pretendeu, única e exclusivamente, terminar com o seu próprio sofrimento, convencida de que a sobrevivência do menor seria ainda mais penosa para o mesmo, tomando então a decisão de acabar com a vida de ambos, por ser a única “saída”...

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