Acórdão nº 490/16.0PALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução05 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo comum colectivo n.º490/16.0PALGS, da Comarca de Faro (Portimão), foi proferido acórdão a condenar o arguido DF como autor de um crime de homicídio simples tentado dos arts 22º., 23º., e 131º., do CP, na pena de 6 (seis) anos de prisão. Foram ainda julgados parcialmente procedentes os pedidos deduzidos pelo demandante Centro Hospitalar do Algarve e condenado o arguido/demandado no pagamento àquele na quantia de 1.333,53 (mil trezentos e trinta e três euros e cinquenta e três cêntimos), e pelo demandante RF e condenado o arguido/demandado no pagamento àquele da quantia de 20.000€ (vinte mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos e nos juros de mora que se vencerem até integral pagamento, calculados à taxa legal sobre as quantias referidas supra, desde a data em que ocorrer o trânsito em julgado da presente sentença.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “a) - O arguido, ora Recorrente confessou os factos de que vem acusado, e fê-lo da maneira de que se recorda, tendo a perceção que em dada altura tinha uma faca na mão, que terá tirado ao demandante quando caíram para o chão, e que a usou, tendo desferido golpes no seu namorado /Demandante, e “só viu sangue”.

  1. - Negou que foi ele que trouxe a faca para o quarto, a mesma estava ali, desde que a usaram para cortar o cartão que envolvia o LCD que o arguido terá comprado para o quarto de ambos, e não foi ele que inicialmente a agarrou.

  2. - Há uma desconformidade entre os depoimentos produzidos entre os dois demandantes, e amiga do casal Anna, que é inegável, mas seria necessário demonstrar a realidade subjacente aos mesmos, para apurar qual dos depoimentos se afastou da realidade.

  3. - Com a sua atuação, excessiva por certo, sobre o efeito do quê? Que não se apurou, só quis o Arguido repelir as agressões de que estava a ser alvo, nunca quis molestar o corpo ou a saúde do Demandante, seu namorado, já que lhe era precioso.

  4. - Não quis ou teve alguma vez a intenção de ferir ou tirar a vida ao demandante, tendo unicamente a intenção de se defender e colocar-se a salvo, “fugir dali, daquela situação, ir embora, tal facto comprovado pelas malas feitas e outra aberta em cima da cama”.

  5. – O Arguido só se quis defender, atuou com animus defendendi, não tendo encontrado outra forma na altura de repelir a agressão de que era alvo, mais importa relevar o estado em que se encontrava, estava sem dormir, tenso, sobre medicação, muitos sentimentos à mistura.

  6. - Foi a primeira vez que respondeu em Tribunal, não tendo quaisquer antecedentes criminais, conforme o seu certificado de registo criminal.

  7. – É transsexual assumido, bem aceite por familiares e amigos, pessoa carinhosa e afável, conforme menciona o Relatório social, estudou até ao 9º. Ano, e ajuda economicamente a sua família no Brasil, desde a morte do seu pai, assim como o seu namorado e família.

  8. – O Douto Tribunal “a quo” valorou o depoimento dos Demandantes, mas não teve em atenção as circunstâncias descritas nesses mesmos depoimentos, já que ambos contradizem-se, assim como não valorou o depoimento da amiga do casal “Anna”, nem as declarações prestadas pelo arguido.

  9. - Também se dirá, que perante todo o circunstancialismo, que a pena determinada pelo Douto Tribunal, foi excessiva, mais, não se determinou em que estado físico, psíquico estaria o ora Recorrente, o que é relevante.

  10. – Assim como o valor do montante da indemnização Cível a pagar ao Demandante, é demasiado excessivo, já que este teve intervenção direta nos acontecimentos e resultado final.” O Ministério Público respondeu pronunciando-se pela improcedência, e concluindo: “1 - O arguido DF, foi condenado como autor material de um crime de homicídio simples tentado p. e p. pelos arts 22º, 23º e 131º do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

    2 - A convicção do Tribunal Colectivo foi devidamente fundamentada, dando, assim, adequado e cuidadoso cumprimento ao dever de fundamentação.

    3 - O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada pretendendo que o tribunal dê como não provados factos sem que tal tenha resultado da prova produzida em audiência.

    4 - Os factos que o recorrente impugna estão suportados pela prova produzida em audiência, que o tribunal apreciou, como é livre de fazer, de acordo com o disposto no art. 127.º, do C.P.P. não existindo razões objectivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente.

    5 – A formação da convicção do Tribunal fundou-se nas declarações do arguido, conjugadas com as prestadas pelo ofendido e restantes testemunhas e com a prova documental e pericial junta aos autos.

    6 – Face às circunstâncias em que o arguido actuou e suas consequências, dadas como provadas, porque nesse sentido foi a prova produzida em A.D.J., não restaram dúvidas ao Tribunal a quo em afastar a possibilidade de acção em legítima defesa ou em excesso de legítima defesa.

    7 - O douto Acordão “sub judice” respeitou a globalidade dos parâmetros que reputamos legalmente exigidos (cfr. art. 71.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal), afigurando-se-nos que a medida concreta da pena fixada ao recorrente é adequada e proporcional à factualidade apurada e considerando a igualdade na aplicação da lei penal.

    8 - Pelo exposto, julgamos não merecer censura a decisão recorrida, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma legal..” Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se no sentido da confirmação do acórdão. Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

    1. Na sentença acórdão, consideraram-se os seguintes factos provados: “1.O arguido DF e RF mantinham uma relação amorosa e viviam juntos desde o ano de 2014, residindo na Rua …, em Lagos.

    2. Em data não concretamente apurada mas anterior ao dia 11/09/2016, RF decidiu separar-se do arguido, facto que lhe comunicou mas que este não aceitou.

    3. Assim, devido a tal desentendimento, no dia 11/09/2016, cerca das 17h00m, o arguido muniu-se de uma faca de cozinha, com o cabo branco com riscas azuis e com comprimento de lâmina não inferior a 10 cm e dirigiu-se para o interior do quarto do referido apartamento, local onde RF entretanto entrou saído da casa de banho.

    4. Aí, o arguido dirigindo-se a RF disse-lhe: “então você não quer ficar comigo né?” ao que este respondeu que não, tendo o arguido repetido: “não quer ficar mesmo comigo?”, tendo RF respondido novamente que não, para o arguido se ir embora.

    5. Altura pela qual o arguido trancou a porta daquela divisão à chave e, fazendo uso daquela faca, desferiu vários golpes em RF, que, procurando defender-se, ergueu os braços tendo logrado afastar momentaneamente o arguido de si.

    6. Após o que, aproveitando-se do facto de RF se encontrar de costas para si a destrancar a porta, o arguido desferiu novamente várias facadas nas costas de RF, enquanto dizia: “não és meu não és de mais ninguém, eu logo te disse que te matava”.

    7. Momento em que MF, que se dirigira até ali alarmada pelos gritos de RF, logrou entrar naquele espaço e agarrou no braço do arguido que segurava a faca, tendo este agitado o mesmo e atingido com a faca MF pelo menos na sua mão direita.

    8. Altura pela qual RF conseguiu fugir para a rua, tendo o arguido tentado seguir no seu encalço, não o conseguindo porque MF o agarrava.

    9. Em consequência directa e necessária dos actos do arguido descritos em 5 e 6, RF sofreu múltiplas feridas perfurantes (pelo menos 15) a nível da face, pescoço, tórax (peito e costas) e membros superiores, lesões que colocaram em perigo a sua vida e que lhe causaram um período de doença de 22 dias, todos com afectação da sua capacidade de trabalho geral e especial.

    10. Em consequência directa e necessária dos actos do arguido descritos em 7, MF sofreu pelo menos um corte da sua mão direita, lesões que lhe causaram dores 11. Ao actuar da forma descrita em 3 a 6, o arguido agiu de forma livre e consciente, com o propósito de dificultar a fuga de RF do espaço onde se encontrava e de, através do uso de um objecto corto-perfurante com características semelhantes a uma faca de cozinha, tirar-lhe a vida, objectivo que só não logrou alcançar por circunstâncias alheias à sua vontade.

    11. Ao agir da forma descrita em 3 a 6, o arguido bem sabia que RF era seu ex-companheiro, que estas suas acções eram idóneas a tirar a vida a RF e que o objecto por si utilizado era particularmente apto a alcançar tal resultado.

    12. Da conduta do arguido terá resultado para o ofendido limitação da flexão do polegar direito que não deverá afectar de maneira grave a possibilidade de utilizar o corpo e a capacidade de trabalho.

    13. Foram atingidas regiões que alojam órgão essenciais à vida por instrumento plenamente adequado a causar a morte. Não foram atingidas estruturas vitais e por ter sido correcta e atempadamente socorrido, manteve-se hemodinamicamente estável.

    14. O arguido não possui antecedentes criminais.

    15. Natural do Brasil viveu em meio rural, inserido num grupo familiar numeroso alargado aos filhos do primeiro casamento do pai, dispondo de suficientes recursos económicos. Destacou nas práticas parentais maior rigidez deste elemento, avaliando como adequada a vinculação afectiva à família de origem. Com a morte do pai na sua adolescência, a família deixou de dispor dos mesmos recursos financeiros, o que foi determinante para mudarem de localidade procurando reajustar-se às novas condições de vida.

    Na esfera pessoal sinalizou precocemente interesses e uma sensibilidade mais comum às raparigas, gradativamente encaminhou o seu especto físico para uma identidade / semelhança ao género feminino.

    Centrou desde então os seus interesses na opção que assumiu como transsexual, complementando essa aparência corporal com recurso a cirurgias estéticas e apoio psicológico. No seu auto-relato a família vivenciou com tranquilidade as suas escolhas, mantendo-se apoiante.

    DF frequentou o ensino regular até ao 9º...

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