Acórdão nº 411/16.0T9EVR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução05 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos de inquérito em referência, correndo termos no Departamento de Investigação e Acção Penal da Comarca de Évora, na sequência de requerimento do Ministério Público, proferiu-se despacho judicial do seguinte teor: «O Ministério Público veio requerer medida de garantia patrimonial de arresto preventivo contra C, arguido nos autos de inquérito nº 411/16.0T9EVR (aos quais os presentes autos foram apensados) e aí devidamente identificado.

Para tanto alega o seguinte: a) Em 31 de Maio de 2016 foram apreendidos no âmbito dos autos de inquérito os veículos automóveis com as matrículas “---BT--” e “----VE”; b) Suspeita-se que tais viaturas terão sido adquiridas pelo arguido C, em 2015, com recurso a fundos que desviou ilicitamente do Município de …, onde trabalhava; c) Indicia-se, pois, que no pagamento dessas viaturas o arguido afectou fundos advenientes da prática de factos ilícitos reportados na acusação, estando suficientemente indiciado da prática, em concurso real e efectivo, de um crime de peculato, p. e p. pelo art.º 375º, n.º 1, em articulação com o art.º 386º, n.º 1, als.ª b) e d), ambos do Código Penal, e de dezanove crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al.ª b) e n.º 4, em articulação com os arts.º 255º, al.ª a) e 386º, n.º 1, als.ª b) e d), todos do Código Penal; d) Mais se suspeita que o arguido desviou dos cofres daquele município o valor total de € 277.860,00, o qual corresponde ao montante total da vantagem por si obtida com a prática dos factos ilícitos típicos e que se peticionará seja condenado a pagar ao Estado como perda da vantagem do facto ilícito típico; e) O arguido auferirá como únicos rendimentos a quantia correspondente ao seu salário como assistente técnico na Câmara Municipal de----, no valor base de € 923,42; f) Não se lhe conhecem outras fontes de rendimento, sendo que a sua esposa é pessoa doente e incapacitada, estando dependente de terceiros; g) Não se lhe conhecem, pois, rendimentos suficientes ou outras fontes que possam servir como garantia daquele valor em cuja condenação de pagamento se peticionará a título de perda de vantagens; h) Está assim inviabilizada a prestação de caução económica pelo arguido; i) Acresce que o arguido é ainda proprietário, na proporção da sua meação, com a esposa MJ, da fracção autónoma/prédio urbano, inscrito na Conservatória do Registo Predial de ---sob o n.º--- - H/Freguesia de ----, composto por primeiro andar esquerdo/frente e cave, com o valor venal de € 101.987,50; j) Suscita-se assim assegurar que quer os referidos veículos, quer este direito no imóvel atrás descrito, possam servir de garantia para eventual responsabilização do arguido no pagamento da vantagem que retirou dos factos ilícitos, desde logo e pelo menos na proporção do respectivo valor; k) Considerando a sua situação financeira, bem como do seu agregado, sopesando o elevado valor de que beneficiou como vantagem dos factos ilícitos, existe o sério receio de que possa tal património ser alienado ou onerado, assim inviabilizando o ressarcimento do Estado por referência a tais valores; l) Ficando pois em risco a garantia do ressarcimento do valor peticionado como vantagem dos factos ilícitos típicos pelo Estado.

Termina peticionando que seja decretado o arresto da meação do arguido na referida fracção urbana, bem a conversão como tal da apreensão dos veículos automóveis descritos.

* Compulsados os autos de inquérito nº 411/16.0T9EVR e os seus apensos e anexos, bem como o requerimento apresentado pelo Ministério Público, entendo que o requerido é manifestamente improcedente, pelo que deve ser liminarmente indeferido.

Para tal contribuem, do ponto de vista fáctico, as seguintes circunstâncias: 1. No dia 22 de Abril de 2016 o assistente Município de --- apresentou queixa contra o arguido C, imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de integrarem a prática de crime de peculato (cfr. fls. 2 a 13 dos autos principais); 2. O arguido foi constituído nessa qualidade no dia 31 de Maio de 2016 (cfr. fls. 215 dos autos principais); 3. Foi detido nessa mesma data (cfr. fls. 213-213 dos autos principais) e sujeito a primeiro interrogatório judicial também no dia 31 de Maio de 2016 (cfr. fls. 264 a 269 dos autos principais); 4. Na sequência do referido interrogatório judicial e de promoção do Ministério Público nesse sentido, foram-lhe aplicadas as seguintes medidas de coacção: - Obrigação de apresentação diária no posto policial da área da respectiva residência; - Suspensão imediata do exercício de funções na Câmara Municipal de----; - Proibição de permanência em qualquer edifício pertença da Câmara Municipal de ---, de empresas municipais ou dos demais órgãos autárquicos; - Proibição de se ausentar do concelho de ----; - Proibição de se ausentar do País, com entrega do respectivo passaporte caso seja detentor do mesmo e a comunicação aos respectivos serviços de emissão e de controlo; - Proibição de contactar por qualquer meio com qualquer funcionário, ou membro de qualquer órgão autárquico do Município de ---, com excepção das comunicações necessárias no âmbito do processo disciplinar que corre no respectivo Município; 5. As referidas medidas de coacção encontram-se extintas devido ao decurso do respectivo prazo máximo de duração (veja-se a este propósito o despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 898-899 dos autos principais); 6. No dia 20 de Setembro de 2017, em despacho subsequente ao requerimento de arresto preventivo, o Ministério Público proferiu despacho final de inquérito, tendo o arguido sido acusado da prática, como autor material e em concurso real e efectivo, de: - Um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º, nº 1, em articulação com o art. 386º, nº 1, alíneas b) e d), ambos do Cód. Penal; - Dezanove crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, alínea b) e nº 4, em articulação com os arts. 255º, alínea a) e 386º, nº 1, alíneas b) e d), todos do Cód. Penal (cfr. fls. 944 a 987 dos autos principais); 7. Seguidamente à acusação, o Ministério Público, fazendo apelo ao disposto nos arts. 110º, nº 1, alínea b), nºs 3, 4, 5 e 6, 112º e 112º-A, do Cód. Penal, peticionou que o arguido seja condenado a pagar ao Estado a quantia de € 277.860,00 (duzentos e setenta e sete mil oitocentos e sessenta euros) – cfr. fls. 983 a 987 dos autos principais; 8. A propriedade do veículo automóvel com a matrícula “---BT---” encontra-se registada a favor do arguido desde 1 de Setembro de 2015 (cfr. fls. 895 dos autos principais); 9. A propriedade do veículo automóvel com a matrícula “----VE” encontra-se registada a favor do arguido desde 21 de Julho de 2015 (cfr. fls. 896 dos autos principais); 10. Tais veículos encontram-se apreendidos à ordem dos autos principais desde o dia 31 de Maio de 2016 (cfr. fls. 223-223a) e 227-227a) dos autos principais); 11. A propriedade da fracção autónoma “H” do prédio urbano sito na freguesia de ----e descrito na Conservatória do Registo Predial de ---- sob o nº ----/20060125 encontra-se registada a favor do arguido e da sua esposa MJ desde 31 de Janeiro de 2006 (cfr. certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de ---– fls. 939 a 940v dos autos principais); 12. Sobre tal fracção autónoma, com o valor venal de € 101.987,50 (cento e um mil novecentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), não impende qualquer ónus ou encargo (veja-se a certidão supra referida); 13. O arguido é funcionário do assistente, com a categoria de assistente técnico, auferindo a remuneração base mensal de € 923,42 (novecentos e vinte e três euros e quarenta e dois cêntimos) – cfr. fls. 54-55 dos autos principais; 14. A sua esposa encontra-se reformada por invalidez, recebendo pensão no montante mensal de € 419,22 (quatrocentos e dezanove euros e vinte e dois cêntimos) – cfr. fls. 359 a 362 dos autos principais; 15. Para além dos referidos veículos automóveis, fracção autónoma e remuneração, não são conhecidos ao arguido quaisquer outros bens ou rendimentos.

* Sob a epígrafe «arresto preventivo», o nº 1 do art. 228º do Cód. de Proc. Penal dispõe da seguinte forma: «Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; (…)».

As quantias a que a norma se refere são aquelas que se encontram mencionadas no art. 227º do Cód. de Proc. Penal, nomeadamente as relacionadas com o pagamento do valor correspondente ao produto ou vantagem do facto ilícito típico ou com o pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis decorrentes do crime.

Tendo em consideração o que consta da matéria fáctica supra referida, são isentas de dúvidas quer a admissibilidade do requerimento de arresto preventivo formulado pelo Ministério Público, quer a sua legitimidade para o requerer.

Quanto à remissão para a lei do processo civil, esta significa que a decretação do arresto preventivo dependerá, desde logo, da verificação da existência dos requisitos de que a lei faz depender a decretação do arresto “civil”. Ora, sobre esta matéria, dispõe o art. 391º, nº 1, do Cód. de Proc. Civil, que «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor» (veja-se, em termos semelhantes, o disposto no art. 619º, nº 1, do Cód. Civil).

Assim, para que seja decretado o arresto “civil” (e, por via da aludida remissão, o arresto preventivo), é necessário que estejam reunidos os seguintes requisitos: a) A titularidade indiciária de um direito de crédito; b) O justo receio de perda da garantia patrimonial.

O primeiro daqueles requisitos corresponde ao chamado “fumus boni iuris”, isto é, a prova, ainda que indiciária, da existência de um direito. No caso concreto do arresto, esse direito não pode ser um qualquer, mas tão só um direito de crédito.

O legislador, no...

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