Acórdão nº 123/13.6TAACN.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução10 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 123/13.6TAACN, do Juízo Local Criminal de Torres Novas, por sentença datada de 09 de março de 2017, foi decidido: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a acusação pública improcedente, e, em conformidade: 1. Absolvo “A…, Lda.”; MG; CG e DL, todos arguidos melhor identificados nos autos, da prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º/1, 4 e 7 (e artigo 7º, quanto à sociedade), do RGIT, e artigo 30º/2 do C.P.

  1. Sem custas - artigo 513º do CPP”.

    * Inconformado com a decisão absolutória, o Ministério Público interpôs recurso, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “1- Recorre o Ministério Público da douta sentença que absolveu os arguidos A…, Ld.ª, MG, CG e DL, da prática, em coautoria material e na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Código Penal; 2- Na visão do paradigmático homem médio, que utiliza as regras de experiência comuns e as presunções legais, exerce a gerência de uma empresa quem dirige os seus destinos, praticando os atos necessários à prossecução do seu objeto social, com o necessário cumprimento das obrigações legais a que esta está vinculada; 3- Uma sociedade que se vincula com a intervenção de dois de três dos gerentes nomeados, e se estes três gerentes nomeados exercem todos e efetivamente funções em empresa de pequena/média dimensão, necessariamente praticam todos eles atos gestionários quotidianos, bem sabendo e conhecendo todas as circunstâncias que integram a vida societária; 4- É incongruente e contraditório afirmar, tal como se afirmou no texto da douta sentença em recurso, que dois desses gerentes não são gerentes de facto, pois tal é manifestamente contrário à presunção legal do exercício efetivo da gerência, bem como das regras da experiência comum, que impõem que quem é gerente nomeado, cuja intervenção é necessária à vinculação legal da sociedade, e exerce funções na empresa, tem de necessariamente conhecer as circunstâncias do seu funcionamento; 5- Sobre estes gerentes impendem deveres de fiscalização e vigilância no cumprimento das obrigações fiscais da sua representada; 6- A meritíssima Juiz a quo manifesta o entendimento que, para efeitos da verificação dos elementos do tipo criminal de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º do RGIT, necessário se torna discriminar no libelo acusatório todas as transações efetuadas pela sociedade arguida, bem como indicar a data de cada um desses pagamentos; 7- Contudo, tal posição é contrária ao disposto no art.º 105.º, n.ºs 1 e 7, do RGIT, em conjugação com os artigos 41º, n.º 1, alínea a), e 29.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código do IVA, que afirmam que a não entrega de valor superior a 7.500,00 € tem por referência os valores que devam constar de cada declaração periódica do IVA a apresentar à Autoridade Tributária; 8- Os factos objetivos do tipo legal são os apuramentos globais mencionados em cada declaração periódica do IVA, sendo estes que devem constar na acusação pública, não sendo pois elemento do tipo cada uma das transações económicas efetuadas pelo operador económico; 9- O elemento típico do recebimento terá correlativamente de corresponder aos montantes globais de imposto recebidos até ao termo do prazo legalmente disposto para a entrega da prestação tributária; 10- Ao contrário do entendimento expresso pela meritíssima Juiz a quo os factos relativos ao apuramento global, seja do IVA apurado a favor do Estado, seja do efetivo recebimento, são concretos, diretos e individualizados, tendo por referência os somatórios da totalidade do imposto liquidado e a totalidade do imposto efetivamente recebido até à data limite de entrega; 11- Aferir se esses factos de apuramento global, com base em somatórios, se encontram devidamente enquadrados e calculados, pertencem à questão da apreciação e validação da prova, documental e testemunhal, oportunamente carreada e produzida nos autos; 12- Ainda que se considerasse, tal como fez a meritíssima Juiz a quo, que cada uma das transações económicas e dos seus recebimentos devessem constar na acusação, e sendo certo que, nessa perspetiva, tais factos assumiam relevo para a decisão a proferir, deveria a meritíssima Juiz a quo ter dado cumprimento ao art.º 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, pois é certo que toda a prova documental correspondente já se mostrava constituída nos autos; 13- Ao não o ter feito, entende implicitamente a meritíssima Juiz a quo que o art.º 358.º, n.º 1, do CPP, não se aplica a factos relevantes à boa decisão da causa; 14- Uma livrança ou uma letra de câmbio são títulos de crédito, de modalidade cartular, à ordem do seu portador, com características de literalidade, abstração, independência recíproca e de autonomia da obrigação, pela qual um sacador determina a um sacado o pagamento, a si ou a um terceiro tomador, de um determinado valor pecuniário.

    15- A letra é uma ordem de pagamento expressa por escrito que visa permitir ao credor a antecipação do recebimento do seu crédito, em momento anterior ao prazo do cumprimento da obrigação, através do seu desconto em entidade bancária ou através do seu endosso a uma terceira entidade; 16- A nível contabilístico, por se alterar a natureza do crédito, quando o pagamento é efetuado através de letra, o correspondente valor sai da conta 211 clientes c/c), dando-se assim por integralmente recebido o respetivo valor, e colocado na conta 212 - clientes título a receber; 17- Com o efetivo recebimento da letra, e da sua disponibilidade para ser colocada no comércio jurídico cambiário, comprova-se o efetivo recebimento da transação económica originária; 18- Os pontos a. a e. dos factos dados como não provados encontram-se incorretamente julgados pois, por via documental de natureza tarifada, de âmbito direto, claro e objetivo, nomeadamente através de elementos recolhidos junto dos clientes e da contabilista da arguida pessoa coletiva; 19- Ponto a.: A folhas 187 a 200, 207 a 209, 216 a 224, 229 a 231 e 268 a 270, que a sociedade arguida efetivamente recebeu dos seus clientes, através de letras e cheques, por referência ao período de imposto referente ao mês de Outubro de 2012 e até ao dia 12/12/2012, o montante global de imposto de € 21.469,15; 20- Ponto b.: A folhas 236 a 237 e 376, que a sociedade arguida efetivamente recebeu dos seus clientes, através de letras e numerário, por referência ao período de imposto referente ao mês de Outubro de 2012 e até ao dia 10/01/2013, o montante global de imposto de € 22.868,54; 21- Ponto c.: A folhas 238, que a sociedade arguida efetivamente recebeu da sua cliente, através de letras, por referência ao período de imposto referente ao mês de Fevereiro de 2013 e até ao dia 10/04/2013, o montante global de imposto de € 16.658,78; 22- Ponto d.: A folhas 451, que a sociedade arguida efetivamente recebeu da sua cliente, através de letras, por referência ao período de imposto referente ao mês de Março de 2013 e até ao dia 10/05/2013, o montante global de imposto de € 19.497,92; 23- Ponto e.: A folhas 666/667 e 743, que a sociedade arguida efetivamente recebeu da sua cliente, através de letras, por referência ao período de imposto referente ao mês de Maio de 2013 e até ao dia 10/07/2013, o montante global de imposto de € 36.023,59.

    24- Os pontos f. e g. dos factos dados como não provados encontram-se incorretamente julgados, face ao teor de folhas 774 a 780 (extrato informático do teor comercial da sociedade arguida), e pelos motivos melhor invocados nos pontos 2 a 5 destas conclusões; 25- Os pontos h. a k. dos factos dados como não provados decorrem, essencialmente, dos factos que acima se impugnaram, pelo que, dando-se os mesmos como provados, deverão, em consequência, serem estes também dado como provados.

    Pelo exposto, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene os arguidos A…., Ld.ª, MG, CG e DL, pela prática, em coautoria material e na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art.º 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, do RGIT e art.º 30.º, n.º 2, do Código Penal”.

    * Os arguidos não responderam ao recurso.

    Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever proceder, na esteira da fundamentação apresentada pelo Emº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância.

    Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

    Colhidos os vistos legais, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    II - FUNDAMENTAÇÃO.

    1 - Delimitação do objeto do recurso.

    Tendo em conta as conclusões acima enunciadas, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, é apenas uma a questão que vem suscitada no presente recurso: a fixação da matéria de facto.

    2 - A decisão recorrida.

    A sentença revidenda é do seguinte teor (integral): “I. Relatório O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, contra “A…., Lda.”; MG; CG; DL (arguidos, todos melhor identificados nos autos), imputando: À sociedade arguida, a prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, e 7.º/1, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT); aprovado pela Lei 15/2001, de 5-06, e artigo 30.º/2 do Código Penal; e Aos demais arguidos, a prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 105.º/1, 4 e 7 do Regime Geral das Infrações Tributárias...

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