Acórdão nº 196/17.2GABNV.E1.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução10 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo sumário n.º 196/17.2GABNV, da Comarca de Santarém (Benavente), foi proferida sentença a absolver o arguido AA da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, dos arts. 291º, nº1, als. a) e b) , nº 3 e 69º, nº 1, al. a) do CP, e a condená-lo como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, dos artigos 292º, n.º 1 e 69º, nº 1, al. a) do CP, na pena de 60 (sessenta) dias de multa a € 6,00 dia (seis euros), perfazendo € 360,00 (trezentos e sessenta euros). e na pena de acessória de proibição de conduzir veículo a motor pelo período de 4 (quatro) meses.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “A. A Acusação Pública factualiza que: «No dia 17.05.2017, cerca das 01h00, o arguido conduzia o veiculo automóvel ligeiro de passageiros de matricula ---FF, na Rua Vale Carril, em direcção a Foros de Almada, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas» ( facto 1) e que: «Submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue, por ar expirado, através do aparelho Draguer, modelo 7110 MKIII P, número de serie ARAA 0070, verificado em 20.04.2017, o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,97g/l, sendo a apurada de 1,872g/l, efectuado o desconto da margem de erro máxima admissível» (facto 4). Nesta circunstância a defesa do arguido foi toda estruturada por forma a demonstrar que cerca das 01h00 horas, do dia 17.05.2017, o arguido não se encontrava a conduzir o veículo em apreço. Contudo a sentença dá como provado: «Ficou provado em primeiro lugar que entre as 23h30 de 16 de Maio de 2017 e a 01h00 de 17 de Maio 2017 o arguido conduziu veículo automóvel…depois de ter ingerido bebidas alcoólicas». Sentença gravada através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, registado de – cfr. Acta de audiência de discussão e julgamento do dia 01 de Junho de 2017. Efectivamente, conforme se constata pela acta da audiência de discussão e julgamento, bem como pela audição da prova produzida em julgamento e devidamente documentada, o Tribunal a quo não comunicou ao arguido a alteração efectuada, nem tão-pouco lhe concedeu o tempo necessário para que este preparasse a sua defesa. Ou seja, embora o crime seja o mesmo, e o objecto do processo continue a ser o mesmo, certo é que essa alteração da hora tem relevância para a defesa, pelo que devia ter sido comunicado ao arguido nos termos do art. 358º n.º 1 do C.P. Penal, sendo que, a defesa do arguido foi toda estruturada por forma a demonstrar que cerca das 01h00 horas, do dia 17.05.2017, o arguido não se encontrava a conduzir o veículo em apreço.

Consequentemente, em nosso modesto entender, ao alterar os factos da Acusação Publica sem respeitar o disposto no art. 358.° do CPPenal, a douta sentença recorrida enferma da nulidade, que pode e deve ser conhecida pelo Venerando Tribunal ad quem, com todas as legais consequências.

  1. A Sentença proferida nos presentes autos omite, em absoluto, a fundamentação para circunscrever o período de tempo da prática do crime. Efectivamente, inexiste qualquer demonstração do motivo de facto susceptível de balizar tanto a circunstância de tempo, como de modo, isto é, ausência de qualquer premissa para que se entenda a conclusão de que «entre as 23h30 de 16 de Maio de 2017 e a 01h00 de 17 de Maio 2017 o arguido conduziu veículo automóvel». Ora esta demonstração é imprescindível para que se possa plasmar os elementos tipificadores do crime conforme a transcrição: »…O militar da GNR contou que o arguido se apresentou espontânea e que lhe disse, de uma forma espontânea que de facto, tinha de facto conduzido o veiculo automóvel e que após condução na Estrada na Rua Vale Carril que a, que depois de, efectuou, melhor dizendo, que tinha conduzido o veiculo na via publica e que nessa medida foi feito o exame de pesquisa de álcool através de ar aspirado…» Destarte, a total ausência desta fundamentação desrespeita os ditames legais previstos nos arts. 97/5 e 374/2 do C.P. Penal. Consequentemente, a Sentença é nula de harmonia com o aludido no art. 379/1/a do mesmo diploma.

  2. Independentemente disso e sem prescindir, tem o arguido e ora recorrente como certo que, mesmo assim, não deixa de haver erro de julgamento atendendo à insuficiência absoluta da prova produzida em audiência pois, jamais poder-se-ia ter dado como assente o facto em questão (« pelas 23h30 de 16 de Maio de 2017 e a 01h00 de 17 de Maio 2017 o arguido conduziu veículo automóvel»). Este alargamento da hora na Sentença em dissidência não tem nenhuma razão de ser sendo que, caso se provasse que o arguido tenha na realidade conduzido o veiculo, obviamente, nunca o poderia ter feito entre as 23h30 de 16 de Maio de 2017 e às 01h00 de 17 de Maio 2017, e já em sede de Inquérito e aquando da Acusação, era notória a prova peremptória de que o arguido não se encontrava a conduzir nenhum veículo durante esse período horário.

    E em plena audiência de discussão em julgamento esta situação, de o arguido não estar a conduzir o veículo, foi corroborada pelo Sr. Militar da GNR (CC), única testemunha ouvida nesta sede, que atestou que, quando chegou ao local do acidente pelas 23h30 do dia 16 de maio de 2017, que a viatura do arguido já estava retirado da via e como não presenciou o acidente o mesmo deveria ter ocorrido, possivelmente, 10 ou 15 minutos antes da sua chegada, isto é, quando foi requerida telefonicamente a intervenção da GNR ao local. (Depoimento prestado na audiência de julgamento que teve lugar no dia 01-06-2017 e gravados no respectivo CD áudio, constando da identificada com o seu nome).

    Vejamos em concreto este depoimento: A testemunha: «Foi um acidente ocorrido no dia 16 de Maio…ás 23h30 foi a hora que fomos accionados para ir ao local…possivelmente o acidente já teria ocorrido 10 ou 15 minutos antes…» Digno magistrado do MºPº: «A acusação refere que que foi 01h00 de 17 de Maio 2017…» A testemunha: «Essa foi a hora do teste…quando cheguei ao local verifiquei que…a viatura do Sr. AA já estava retirado da via».

    Contudo, inesperadamente, a MMª Juiz de 1ª Instância, fundamenta (não a hora) para a prova do facto de o arguido ter estado a conduzir o veículo com o argumento seguinte: «O militar da GNR contou que o arguido se apresentou espontânea e que lhe disse, de uma forma espontânea que de facto, tinha de facto conduzido o veiculo automóvel e que após condução na Estrada na Rua Vale Carril que a, que depois de, efectuou, melhor dizendo, que tinha conduzido o veiculo na via publica e que nessa medida foi feito o exame de pesquisa de álcool através de ar aspirado.» Omite em absoluto qualquer prova ou fundamentação para circunscrever o período de tempo da prática do crime como fora anteriormente apontada nesta peça processual aquando da arguida nulidade, mas caso assim não se entenda, estamos perante um erro de julgamento sendo que, o Tribunal a quo interpretou o depoimento da Testemunha em causa com uma evidente distorção factual.

  3. Na verdade, pelo depoimento deste Militar, quanto a esta matéria - estar a conduzir o veículo -, é notório que se cingiu apenas, e, tão-só, quanto ao que o próprio arguido ter-lhe-á dito, isto é, ao que ouviu dizer por parte do arguido, que lhe disse que tinha conduzido o veículo (mas não disse a que horas).Este depoimento foi o único e decisivo elemento que motivou a decisão no que concerne somente a que o arguido conduziu o veículo constante na Acusação Pública mas sem qualquer prova concreta e segura para se apurar quando é que conduziu. Destarte foi o próprio arguido, em momento anterior a ter este estatuto neste processo, a dizer ao Militar da GNR que tinha sido o interveniente/condutor no acidente, mas nunca referiu que o arguido lhe afirmou que conduzia o veículo automóvel entre as 23h30 de 16 de Maio de 2017 e a 01h00 de 17 de Maio 2017 pois, perante o depoimento do Militar que chegou ao local 10 ou 15 minutos após as 23h30 e constatou que o referido veículo encontrava-se retirado da via ( « a viatura do senhor AA estava retirado da via«) pelo que, claro está, a outra conclusão não se pode retirar se não a de que o arguido não estava a conduzir visto que o veículo estava retirado da via ás 23h30. Com efeito, a prova valorada mostra-se distorcida e desconforme com um raciocínio lógico padecendo, assim, de um erro de julgamento no que concerne ao período de tempo em que o arguido poderia ter conduzido o veículo. Sem nos olvidarmos que, pelo simples facto da Testemunha só saber o que o arguido lhe contou pois, referiu que o arguido lhe disse que tinha conduzido o veiculo trata-se de um “depoimento de ouviu dizer” o qual se circunscreve ao que esta Testemunha indirectamente apurou pois, somente ouviu por banda do arguido. Perante o contexto de um depoimento de ouviu dizer, sem que a MM Juiz de 1ª Instância chamasse o arguido a contraditar, nos termos do disposto no art. 129/1 do C.P. Penal, sendo que, este não se encontrava presente em audiência (cfr. se atesta pela acta da audiência), impedimento se forma para que o Tribunal valore este depoimento indirecto no processo de formação da sua convicção.

    Por conseguinte, coarctada legalmente este fragmento do depoimento (indirecto), nenhum outro elemento de prova foi apreciado em sede de discussão e julgamento para se poder alicerçar a veracidade do facto em apreço, isto é, a prova de um dos elementos tipificadores do crime em causa - que o...

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