Acórdão nº 1004/16.7T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1004/16.7T8STR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]*****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

AA, instaurou contra o Município de Salvaterra de Magos, a presente acção com processo comum, pedindo que seja(m): «- reconhecido o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado nos autos, designadamente sobre as áreas compreendidas nas chamadas Rua das … e Rua …; - entregues as mesmas áreas à autora, assistindo-lhe o direito de eliminar as mencionadas referências toponímicas Rua das … e Rua … dentro do prédio que lhe pertence, o direito de impedir a passagem de pessoas, veículos e animais estranhos à exploração pelos mencionados caminhos, o direito de eliminar a passagem aberta pelo réu no prédio da autora no prolongamento da Rua das … do aglomerado urbano de Salvaterra de Magos, e o direito de implantar ou de construir ou portões ou outros equipamentos nos limites dos mencionados caminhos particulares, dentro do prédio que lhe pertence; - o réu ser condenado a pagar à autora, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de €50.000,00, acrescida de juros à taxa legal a partir da citação e até efectivo pagamento».

Em fundamento, alegou, em síntese, que: - a autora é dona e legítima possuidora do prédio denominado Quinta do …, sito na freguesia e concelho de Salvaterra de Magos, inscrito na respectiva matriz cadastral rústica sob o n.º …, Secção … e na urbana sob o artigo …; - o prédio rústico está descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o n.º … - Salvaterra de Magos, com a área total de 803.280 metros quadrados, dos quais 193,97 são de área coberta e os restantes 803.086 de área descoberta; - no mencionado prédio rústico existem vários caminhos em terra batida que foram abertos para finalidades relacionadas com a exploração agrícola, para circulação de veículos agrícolas, que foram abertos pelos antepassados da autora; - o réu apropriou-se indevidamente, por não ter título para isso, da área correspondente aos mencionados caminhos existentes no prédio da autora; - o réu deu a esses caminhos nomes de rua, não o sendo, manifestamente, pois embora se desconheça a existência de um conceito legal de "rua", ele está ligado à ideia de um espaço público numa povoação de livre circulação de pessoas e/ou veículos, dando acesso a outras artérias, a moradias e outros equipamentos comerciais e de sociabilidade; - o que não é o caso, estando o que se chama Rua das … e Rua … dentro do prédio da autora, em ambiente rural, fora de qualquer aglomerado urbano/populacional; - tão pouco o Réu expropriou a mesma área; - o prédio da autora está cercado por arames em estacas cravadas no solo em todo o seu perímetro, excepto nos mencionados caminhos, em cujos terrenos contíguos têm aparecido lixeiras que a autora vai removendo à medida que aparecem, tendo havido, também, nesses locais contíguos roubo de pinhas e madeira da propriedade; - a utilização dos caminhos existentes no prédio da autora, por qualquer pessoa, a pé, em automóvel, tractor ou qualquer outro meio ou veículo como se de uma via pública aberta ao tráfego se tratasse traduz-se em devassa do prédio e aumenta os riscos de incêndio; - e é desnecessária, havendo nos limites do prédio da autora, pelo leste, uma via que corre quase paralela ao caminho que prolonga a chamada Rua das … e que conflui com esta no limite Norte do mesmo prédio; - tal via paralela é designada por Rua …, passa pelo aglomerado urbano de Salvaterra de Magos, continuando, sem solução de continuidade, por terrenos agrícolas adjacentes; - quanto à chamada Rua …, a utilização dela pelo público para aceder a Salvaterra de Magos, à Estrada Nacional n.º 118 e, por esta, ou qualquer outra localidade servida por essa via, não é necessária, podendo ser utilizadas outras vias; - o réu, com o comportamento que assumiu, está a dificultar a exploração agrícola da propriedade, permitindo que a mesma esteja a ser utilizada como via pública aberta ao trânsito de veículos e animais estranhos à exploração, aumentando os riscos de incêndio e a tornar mais onerosa e a perturbar a exploração agrícola dessa mesma área; - o comportamento ilícito do réu causou e causa prejuízos à autora cujo montante estima 50.000,00€.

  1. Regularmente citado, o réu contestou a presente acção, pugnando pela respectiva improcedência, invocando factos tendentes a demonstrar que os caminhos são vicinais e que a autora não é proprietária do leito dos mesmos; e, em reconvenção, deduziu os seguintes pedidos: «- que se reconheça que o caminho que se inicia na Rua … e termina no entroncamento da Rua das … com a Rua das … é caminho público em toda a sua extensão, - que se reconheça que o caminho que se inicia na Estrada do … e termina no entroncamento da Rua das … com a Rua … é caminho público em toda a sua extensão; - que a autora seja condenada a abster-se de praticar qualquer acto que impeça ou dificulte a passagem de quem quer que seja pelas referidas Rua … e Rua das …».

  2. Realizada a audiência final, foi proferida sentença julgando totalmente improcedente a acção e totalmente procedente o pedido reconvencional.

  3. Inconformada, a Autora apelou, formulando as seguintes conclusões: «1. O presente recurso versa matéria de facto e de direito.

  4. A prova por declarações de parte não poderá ser considerada, porque inaudível em grande parte do registo fornecido e por não ter sido objecto de assentada, como, se julga, imporia o disposto no artigo 463.º do CPC, aplicável ex vi 466.º, n.º 2 do mesmo código.

  5. Parecendo que com o meio de prova – declarações de parte – se terá pretendido esclarecer ou completar factos pessoais ou de que se tenha conhecimento directo, emergentes de outros meios de prova e não substitui-los ou serem um sucedâneo deles.

  6. Na fundamentação da matéria de facto é essencial e obrigatório que se especifiquem os aspectos ou pontos em que as declarações de parte contribuíram para o completamento ou esclarecimento de depoimentos testemunhais, de documentos e de outros quaisquer meios de prova, o que não acontece, pelo contrário, além de não se fazer tal especificação, colocou-se a prova por declarações de parte no mesmo nível dos depoimentos das testemunhas para a formação da convicção quanto à matéria de facto.

  7. Com o que se violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4, ambos do CPC, com a consequência da nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do mesmo código.

  8. A douta sentença proferida, em sede de fundamentação, fica-se por declarações vagas e imprecisas, não contendo uma fundamentação específica dos factos considerados provados nem procede a uma análise crítica das provas.

  9. Não se pode dar como provado, não existindo aquisições de facto suficiente para isso, que os caminhos em causa são utilizados há 40 ou 50 pela população local.

  10. Um desses caminhos – o chamado Rua das … – é a continuação, no prédio da recorrente, de uma rua com o mesmo nome existente em aglomerado urbano e a contiguidade só foi estabelecida com uma abertura no prédio da recorrente, feita aquando da construção de um aterro sanitário, de modo a permitir as passagens de veículos de remoção dos sedimentos dessa construção.

  11. A entidade recorrida sabe e tem obrigação de saber quando foi feito o aterro sanitário e a abertura na Rua das …, mas não o invocou, competindo-lhe fazê-lo, sendo impeditivo do direito da recorrente, segundo as regras gerais de repartição do ónus da prova.

  12. Não se pode dar como provado, por ausência de prova sobre isso, que os caminhos em causa foram abertos pelos anteriores possuidores do prédio da recorrente há pelo menos 200 anos para permitir a exploração agrícola e florestal de outros prédios confinantes ou próximos daquele outro prédio.

  13. Deu-se como provado que nem a recorrente nem os seus antecessores zelam pela conservação dos caminhos, limitando-se a passar como todos os utilizadores, salvo no que diz respeito à limpeza de lixo que vem sendo depositado no prédio.

  14. Não se pode aceitar esse facto, que não tem qualquer base factual de apoio, as testemunhas da recorrida não se pronunciaram sobre isso e as da recorrente depuseram em sentido contrário.

  15. A falta de fundamentação ou uma fundamentação consubstanciada em fórmulas vagas, imprecisas e genéricas, não especificada e a prova de factos em contradição com a única prova produzida em audiência de discussão e julgamento, constitui violação do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, determinantes da nulidade da sentença [artigo 615.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma].

  16. A douta sentença proferida não procedeu à análise jurídica dos factos provados, limitando-se a dizer que preenchiam o conceito de “caminho público”, pela presença do que considerou serem os elementos constitutivos do conceito.

  17. Não basta para que um caminho seja classificado como pertencente ao domínio público municipal que satisfaça interesses das populações locais, sendo necessário que a utilidade pública que servem se revista de importância de certo grau ou relevância.

  18. Não preenche o conceito de utilidade pública relevante o caminho que apenas encurta distâncias, permitindo um acesso mais curto e rápido, tendo as populações outras vias abertas ao público para chegarem aos seus destinos.

  19. A entidade recorrida não quantificou as distâncias que estariam em causa nem indicou outros interesses relevantes justificativos, em termos objectivos e racionais, da utilização dos caminhos em causa e da sua classificação como “caminhos públicos”.

  20. Os mesmos caminhos não são usados desde tempos imemoriais.

  21. A mera atribuição de nome de rua aos caminhos não significa “apropriação”, que tem, tal como a utilidade pública, de constituir meio necessário para o prosseguimento de interesses com certo grau ou relevância.

  22. A douta sentença recorrida, interpretou incorrectamente a lei, violando, além do que já foi mencionado, os artigos 1305.º e 1306.º, ambos do Código Civil e a garantia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT